Ainda parado no vão

Mês passado falei sobre os vãos por que passamos, e acabei permanecendo nele para dizer algo que ficou faltando: o vão pode ser melhor do que o destino pretendido. Bom, essa é uma imagem que não pode ser tomada literalmente. Imagina ficar com o pé preso no vão do metrô… seria uma desgraça! Como metáfora, porém, serve muito bem.

Já defini objetivos para a minha vida que nunca obtive, tendo ficado nos vãos, que se mostraram mais agradáveis depois de algum tempo. Quando vim morar no interior, queria morar na zona rural, mas só foi possível por algum tempo. Logo meus filhos mais velhos cresceram e tinham atividades que impunham à minha ex-mulher e a mim uma logística muito complicada. Então saímos de Monnerat e viemos para o meio da muvuca friburguense: Rua Portugal nos anos 90, com shows de bandas heavy metal e punk debaixo da janela dia sim, dia também. Melhorou um pouco quando passamos a dormir com protetores auriculares de silicone, aqueles usados em piscina. Aí só sentíamos a vibração do apartamento… A rua Portugal foi um vão, logo nos mudamos para a Ponte da Saudade, onde pudemos novamente dormir com as orelhas livres.

Apesar de já trabalhar em Friburgo há 5 anos, a mudança para cá me deixou com muita saudade de Monnerat. Logo as vantagens de morar em uma cidade maior foram ofuscando o sentimento de não estar em casa, e fui amando cada vez mais Friburgo. Tanto, que quando fui me aventurar no Sul, voltei depois de pouco mais de um ano. Hoje penso que o que mais me incomodava no início era morar em um apartamento, porque quando nos mudamos para uma casa me senti novamente assentado.

Esse vão positivo que estou falando é o dos projetos alternativos, dos planos B, das surpresas que surgem e se mostram melhores do que qualquer plano que eu poderia ter elaborado. Também reconheço um vão positivo nos momentos de silêncio, em que posso olhar pra dentro de mim ou simplesmente não fazer nada. Essas interrupções no ciclo constante de ações e reações que a vida exige renovam nosso ânimo e, muitas vezes, são os momentos mais propícios para correções de rumo na própria história.

Sem mencionar a importância do vão representado pelas interrupções da atividade digital. Com a universalização do uso de smartphones, estamos conectados de modo virtual o tempo todo, seja trabalhando, jogando, interagindo em aplicativos de mensagens ou rolando a tela em redes sociais. Sair desse mundo virtual por momentos é um vão precioso, em que podemos nos contactar de verdade com outras pessoas ou objetos.

Encerrando, quis escrever esse texto como uma resposta ao meu anterior sobre o vão. Nem sempre o vão é negativo. Então, como saber se devo passar logo pelo vão ou me demorar um pouco mais nele? Essa possibilidade de discriminar exige uma habilidade: ATENÇÃO. Portanto, fique atento ao vão!