Hahnemann enfrenta a oposição

…têm inveja da minha reputação, das minhas descobertas, dos meus escritos e dos meus tratamentos que, pela graça de Deus, têm tido sucesso.”

 

Em 1819, aos 64 anos, Hahnemann sofre dois duros golpes. O primeiro foi infligido pelo Imperador Francisco I que, incitado por seu médico particular, o Dr. Von Stift, inimigo atroz da Homeopatia, proíbe a prática desta arte terapêutica em todo o Império Austro-Húngaro. Felizmente, o decreto não foi fiscalizado com muito rigor, e Hahnemann continuou a exercer sua metodologia em Leipzig, sem ser incomodado.

O segundo golpe veio dos farmacêuticos. Apesar de ser genro de um farmacêutico, Hahnemann sempre questiona a consciência profissional desta classe e considera-os incompetentes e inescrupulosos, e continua preparando e vendendo seus remédios e incita seus alunos a fazerem o mesmo. Em 1819, a Associação dos Farmacêuticos de Leipzig apresenta queixa contra ele no tribunal municipal, por exercício ilegal de farmácia. Em fevereiro de 1820, contando Hahnemann 64 anos, vai a julgamento, e apresenta sua própria defesa, oralmente e por escrito, num calhamaço de mais de cinco mil palavras, mas que basicamente apoiava-se em dois argumentos:

  1. como o remédio homeopático é sempre uma droga simples, não pode ser considerado um medicamento que, por definição regulamentar, é uma fórmula complexa de preparar, não se aplicando o privilégio farmacêutico a este caso;
  2. como a Homeopatia só trabalha com doses infinitesimais, e o farmacêutico é pago conforme o peso da substância medicinal entregue, não há justificativa para o preço cobrado e o farmacêutico não ganharia portanto absolutamente nada.

A sentença é pesada: Hahnemann é condenado a não mais exercer sua prática ilegal sob pena de multa diária, mas recorre da decisão.

As críticas à Homeopatia surgem freqüentemente nos jornais para médicos e para leigos. Uma, até muito construtiva, afirma que se Hahnemann não atacasse tanto os médicos convencionais, a Homeopatia poderia receber maior atenção e estudos por parte deles. Uma outra, mais cínica, afirma que os pacientes tratados alopaticamente morrem do tratamento, enquanto os tratados homeopaticamente morrem da doença mesmo. Hahnemann não respondeu a estas críticas.

Em abril de 1820, já com 65 anos, Hahnemann é procurado para tratar o Príncipe von Schwarzenberg, que no ano anterior, aos 46 anos, sofrera um derrame cerebral, e ficou com dificuldade para voltar a andar e falar e com insônia severa, como seqüelas. Apesar dos tratamentos, demorava muito a melhorar, e um dos seus médicos, que se interessava pela Homeopatia, recorre a Hahnemann. Este sente-se honrado, mas nega-se a deslocar-se, por estar muito ocupado com sua clientela, já sentir-se velho e cansado, e além do mais estar proibido de exercer a Homeopatia na Áustria. A recusa em ir ao encontro do príncipe causa um certo escândalo, mas a reputação de Hahnemann estava tão em alta, que o príncipe foi ao seu encontro. O príncipe chega então a Leipzig para ser tratado por Hahnemann. Cabe ressaltar que o príncipe era muito popular, por ter liderado dois ataques que impuseram duras derrotas a Napoleão, e estava no auge de sua glória.

O início do tratamento foi muito promissor, tendo o príncipe melhorado bastante, tanto que escreveu a seu primo, o rei da Saxônia, que estava querendo fiscalizar melhor a proibição da Homeopatia em seu território, a não incomodar Hahnemann em sua prática, e o rei aceita o pedido. Contudo, o príncipe cansou-se do regime frugal imposto por Hahnemann e recomeçou seus excessos regados a bebidas e muita comida, tendo uma recaída ligeira. Um de seus médicos particulares resolveu fazer uma sangria e Hahnemann chegou aos aposentos do príncipe no exato instante em que era feita a intervenção. Saiu sem dizer palavra e nunca mais pôs os pés na casa do príncipe, que veio a morrer cinco semanas depois. A necrópsia foi realizada por Hahnemann, pelo Dr. Von Sax, médico particular do príncipe, pelo Professor Clarus, um antigo inimigo da Homeopatia e pelo Dr. Bock, médico legista. Nela constatou-se um aumento exagerado do coração do príncipe, com lesões cardíacas e cerebrais importantes, e comprovando a provável incurabilidade do paciente. O Professor Clarus aproveitou a oportunidade para registrar um adendo à necrópsia, acusando a Homeopatia de ter-se revelado nefasta por ter atrasado a ação do tratamento enérgico, no caso as sangrias, a que os estado do ilustre paciente obrigava. Vale dizer que este tipo de acusação foi levantado, e ainda o é, várias vezes contra a Homeopatia. Hahnemann acompanha o cortejo fúnebre, convicto de sua consciência.

Neste mesmo ano tratou do ilustre Goethe, que beneficiou-se do tratamento homeopático e elogiou muito Hahnemann em cartas, a quem comparou a Paracelso, pelo espírito inovador.

Em novembro deste ano, o Conselho Municipal profere a sentença definitiva ao recurso impetrado por Hahnemann no caso dos farmacêuticos, confirmando a proibição da entrega de remédios, mas fazendo uma ressalva de que ele estava liberado para fazê-lo em casos de urgências, ou se não houvesse nenhuma farmácia de fácil acesso, e no caso dos indigentes, a quem eram entregues sem custos. Hahnemann não concordou, mas conteve sua ira. Estas concessões, na verdade, são praticamente as mesmas feitas a qualquer médico à época.

O Professor Clarus e seus companheiros aumentam os ataques a Hahnemann e seus alunos, inclusive com perseguições profissionais e jurídicas. Em um episódio lamentável, um oficial de justiça apreende remédios homeopáticos na casa de Karl Franz e os queima no adro da igreja de São Paulo.

Leipzig é assolada por uma epidemia de febre que causa petéquias (pequenas manchas avermelhadas por extravasamento de sangue dos capilares), possivelmente a nossa tão conhecida dengue, e Hahnemann publica um artigo afirmando que não se trata de escarlatina, mas de febre púrpura e o tratamento com Belladonna não resultará em sucesso, devendo ser usado para esta epidemia o Aconitum. O Professor Clarus e mais uma dúzia de médicos partem para o ataque, afirmando que trata-se sim de escarlatina e que os remédios à base de Belladonna que prescrevem estão corretos, e que Hahnemann é um ignorante no que tange a diagnóstico e um impostor em terapêutica, e que haviam descoberto a Belladonna bem antes que ele. Logo no dia seguinte, o Dr. Müller, um colega de Hahnemann afirma, no mesmo jornal tratar-se de febre púrpura e confirma a eficácia de Aconitum nos seus pacientes acometidos pela epidemia.

Alguns dias depois, Hahnemann responde: “Existem treze personagens, meus colegas nesta cidade, que se debatem energicamente para provar aos leitores que têm inveja da minha reputação, das minhas descobertas, dos meus escritos e dos meus tratamentos que, pela graça de Deus, têm tido sucesso.”

Estes médicos e os farmacêuticos perpetram repetidos ataques a Hahnemann, tentando obrigá-lo a sair de Leipzig, mas o presidente da Câmara Municipal da cidade envia ao supremo tribunal, em Dresden, um protesto assinado por quarenta cidadãos contra estes ataques. O tribunal acata o protesto dos reclamantes e autoriza Hahnemann a permanecer na cidade, que porém já estava farto desta cidade, sentindo-se apenas tolerado aí. Os médicos contrários à Homeopatia, liderados por Clarus, o atacam incessantemente; os farmacêuticos o vigiam para que não prepare e entregue medicamentos aos seus pacientes (e ele continua não confiando na integridade destes para preparar suas receitas, apesar de seu Dicionário de Farmácia ser uma obra de referência para praticamente todos os farmacêuticos alemães); sua mulher e suas filhas são vítimas de zombarias nas ruas, sendo chamadas de a “família do charlatão”.

Hahnemann escreve uma carta a um irmão de maçonaria, na tentativa de voltar a Gotha, onde dirigira o manicômio de um louco só, mas não obtém resposta. Recebe propostas para instalar-se na Prússia, onde as leis farmacêuticas são mais brandas, mas não deseja mais sair de sua Saxônia natal.

Em junho de 1821, aos 66 anos, Hahnemann muda-se para a pequena cidade de Coethen, deixando para trás Leipzig onde, apesar dos intensos ataques sofridos, a Homeopatia criou fortes raízes. O duque Ferdinando, que governa esta região, é um de seus pacientes mais fiéis, e também seu irmão de maçonaria, e Hahnemann escreve-lhe pedindo autorização para aí instalar-se. A resposta do duque veio quase que imediata, dando-lhe calorosas boas vindas e autorizando-o a manipular seus próprios remédios.

Esta mudança é diferente das anteriores, pois Hahnemann conquistara prestígio e dinheiro, apesar dos ataques inclementes de seus opositores. São 11 carroças carregadas de móveis, roupas, livros, todos os seus pertences, enfim. Eles partem na madrugada de 13 de junho de 1821, sob o olhar de despedida de numerosos discípulos que vieram despedir-se. Dois destes discípulos acompanham-nos a Coethen, os Drs. Augusto Haynel e Teodoro Mossdorf, este último noivo de Luísa, sua filha mais nova.

Devido à distância pequena de 50 quilômetros e Leipzig a Coethen, eles chegam à nova moradia à noite deste mesmo dia, e ficam numa estalagem por oito dias, tempo necessário para aprontar a nova casa. Alguns médicos opositores manifestam-se hostilmente, vaiando, assobiando e jogando pedras em sua janela, mas logo isso se acalma.

Instalam-se na nova casa, enfim, que dispõe de um amplo jardim, e é muito bem localizada. A rotina de trabalho logo se instala também: Hahnemann e seus dois alunos começam a atender no térreo da casa, suas filhas marcam as consultas,e Frau Henrietta cuida da casa. A cidade é muito pequena, conta com seis mil habitantes, e não dispõe de atividades culturais ou de lazer, o que entedia e aborrece Hahnemann, que torna-se irritadiço com sua família. Cem anos antes, Johann Sebastian Bach residira aí por seis anos e aí compôs obras importantes.

 

Hahnemann consegue aí uma tranqüilidade que ainda não conhecia, podendo dedicar-se ao trabalho e suas pesquisas. Acorda às seis horas no verão e às sete no inverno, arruma-se, toma café da manhã com sua família, dá uma pequena volta em seu jardim, faz uma ginástica leve , e às nove horas começa a atender, indo até o meio-dia, quando vai almoçar com sua família. Seus pratos preferidos são carne de vaca assada, carneiro, salmão ou carne de caça. Detesta vitela ou porco, ou especiarias fortes. Sempre come vegetais, preferindo os da região, como couve, feijão, batata. Aprecia a cerveja, que considera muito importante para a manutenção de uma boa saúde. Não gosta muito de vinho, mas toma eventualmente para acompanhar algum convidado. Não suporta o café, que considera um verdadeiro veneno, e não toma chás, por considerá-los remédios e não bebidas refrescantes. Após o almoço, faz a sesta por cerca de uma hora. Retoma suas consultas às duas horas da tarde e estende-se até às sete da noite. Seu lugar preferido é seu jardim, onde volta após o trabalho para mais um passeio. Seguia para jantar com sua família, e depois sentava-se nos fundos de sua casa e fumava em seu velho cachimbo de barro. O fumo causou-lhe uma bronquite crônica que o faz tossir e pigarrear freqüentemente.

Em 1822, foi fundado pelo seu discípulo Dr. Stapf um jornal especializado na Homeopatia, chamado Arquivos de Medicina Homeopática, o que muito agrada a Hahnemann, aumentando a admiração que já nutria por este aluno.

Em 1824, aos 69 anos, Hahnemann dá a mão de sua filha Luísa em casamento ao Dr. Mossdorf, que trabalhava, por indicação do sogro, como médico da família do duque Ferdinando. Apesar de seus altos salários, Mossdorf afunda-se em dívidas, sua sogra nutre um desgosto muito grande, e Luísa volta a viver com seus pais e Mossdorf deixa a cidade. Hahnemann assume o posto de médico da família do duque, como uma questão de honra, e é reconhecido por este gesto através de várias cartas muito gratas que o duque Ferdinando lhe envia, e até mesmo pelo jornal local. O duque nomeia Hahnemann seu conselheiro.

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