Hahnemann publica o Organon

Que o semelhante cure o semelhante.”

Em 1805, aos 50 anos, mudam-se para Torgau, onde residirão por seis anos em uma casa própria, com jardim e um largo portão. Eleonora é desmamada e nasce mais uma filha, Carlota.

 

Seus livros e artigos tornaram-no conhecido. Continua fazendo traduções. Neste ano publica “Esculápio na Balança”, um livro polêmico que ataca as práticas médicas em voga na época, principalmente contra a prescrição de fórmulas compostas já prontas oferecidas pelos farmacêuticos. Prega o uso de remédios simples, de uma só substância, que o próprio médico deve selecionar e preparar. Mais uma vez ataca os colegas médicos e os farmacêuticos.

Ainda em 1805 publica “Fragmentos sobre as propriedades positivas dos medicamentos observadas no homem são”, uma obra dividida em dois volumes de 278 e 470 páginas cada. No primeiro volume apresenta as patogenesias (sintomas observados na experimentação em pessoas saudáveis) de 27 medicamentos. Aos resultados destas experimentações agrega efeitos toxicológicos e resultados terapêuticos. O segundo volume apresenta o que os homeopatas chamam de repertório, qual seja, um dicionário de sintomas indicando que medicamentos os provocaram em experimentações. É esta obra que permitirá que outros médicos comecem a exercer a Homeopatia em consultórios, sendo a primeira Matéria Médica Homeopática (dicionário de medicamentos que descreve os sintomas obtidos nas patogenesias) e o primeiro Repertório Homeopático.

Em 1806, com 51 anos, mais uma filha, Luísa, vem juntar-se à numerosa família. Sua situação financeira vem melhorando, principalmente com a venda de livros de sua autoria e de traduções, e de pacientes que vêm procurá-lo.

Em 1808, seu filho Frederico entra para a Universidade de Leipzig para estudar Medicina, e sua filha mais velha, Henrietta, casa-se com um pastor e muda-se para Dresdorf.

Em 1810, aos 55 anos, publica o “Organon da Ciência Médica Racional”, sua obra mais importante, e a mais importante até hoje para todos os homeopatas. Nesta obra, Hahnemann assenta as bases da Homeopatia, palavra que ele próprio inventou, significando “sofrimento semelhante”, pondo o princípio da similitude como central no tratamento das doenças. A primeira edição é aberta com um verso escrito na juventude por Gellert, um colega de Hahnemann da Escola do Príncipe:

“A verdade pela qual todo o ansioso mundo está ávido,

Que nos faz felizes, está desde sempre

Não profundamente enterrada mas superficialmente coberta,

Pela sábia mão que a destinou aos homens.”

Estes versos refletem a convicção que Hahnemann sempre manifestou de que Deus destinara aos homens a sabedoria para curar todas as doenças de forma ordenada e fácil e que esta revelação estava para acontecer a qualquer momento. Com a descoberta da lei da similitude, esta convicção firmou-se como sendo a Homeopatia A revelação divina esperada. Nas edições seguintes, o texto é aberto com  a inscrição que havia no portão de entrada da Escola do Príncipe: “Aude sapere” (ousa saber).

O termo organon já havia sido usado anteriormente por Aristóteles, designando os seis tratados devotados à lógica, e por Francis Bacon que afirmava que só se podia conhecer verdadeiramente a natureza pela observação metódica e racional, sem teorias preconcebidas, ou seja, uma observação fenomenológica, da qual se podem deduzir as grandes leis que regem os fenômenos naturais. Ora, o que Hahnemann introduz na medicina é um método racional de curar, baseado essencialmente na pura observação da doença e do doente, sem nenhum apriorismo. Ele critica a medicina da época, que é “condenada à ineficácia na medida em que só é teatro de hipóteses barrocas e muitas vezes contraditórias, de explicações, demonstrações, conjecturas, de dogmas e sistemas.” Em 1865, ou seja, 55 anos depois, Claude Bernard é saudado como iniciador da medicina experimental moderna, por propor que a medicina só pode ser experimental, ou seja, a teoria só pode suceder à experiência, num desprezo à história que mostra que Hahnemann foi o primeiro a propor este modelo.

Em 1819, tendo já esgotado a primeira edição do Organon, é publicada a segunda, que será a primeira a ser traduzida para outras línguas, tendo o título alterado para “Organon da Arte de Curar”. Em 1824, sai a terceira edição, e a quarta em 1829, onde Hahnemann propõe o conceito de Doenças Crônicas e de Psora, tão essenciais à prática homeopática. Uma quinta edição será publicada em 1835, que tornou-se a mais popular entre os homeopatas, principalmente pela releitura que James Tyler Kent fez em sua Filosofia Homeopática. No final de sua vida, Hahnemann redigiu uma sexta edição, com importantes modificações, como a escala Cinqüenta-Milesimal, e só foi publicada postumamente, em 1921. O Organon já foi traduzido em praticamente todas as línguas e é (ou pelo menos deveria ser) lido por todos os homeopatas do mundo, pois enumera os princípios da Homeopatia, como Similitude, Infinitesimalidade e Individualização.

A publicação do Organon suscita algumas reações apaixonadas, mas na maior parte a reação foi a indiferença. Ainda em 1810, um médico, o Dr. Hecker, que já havia polemizado 14 anos antes quando da publicação do “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais”, volta a atacar com veemência a Lei dos Semelhantes, e as baixas doses em que os remédios são usados. Hahnemann delega a defesa ao filho Frederico, que ainda não se formou médico e está então com 24 anos, através de um panfleto intitulado “Refutação dos ataques de Hecker contra o Organon da Medicina Racional, redigida por Frederico Hahnemann Filho”, com a matéria do texto fornecida pelo seu pai, com muitas zombarias contra “Hecker e consortes”, e poucos argumentos científicos.

Já o Jornal de Medicina e Cirurgia, mais respeitado na Alemanha, censura Hahnemann por seu orgulho, presunção e manifesta falta de fraternidade aos colegas médicos. Critica também a importância do princípio de similitude e das doses infinitesimais, suscitando ceticismo.

Por outro lado, Hahnemann também recebeu reações positivas à publicação do Organon. Em novembro de 1810, num editorial, o jornal Anais de Medicina Geral, elogia as qualidades de raciocínio e observação científica do autor. Outros colegas manifestarão uma impressão mais favorável às idéias contidas no Organon, e muitos médicos começam um exercício misto, ora homeopático, ora alopático, conforme o caso.

Hahnemann irrita-se sobremaneira com as críticas, e mais ainda com os médicos que jogam dos dois lados, e publica um artigo virulento chamado “Anticrítica ao público”, publicado em 1811, no jornal do Conselheiro Becker, onde compara-se a Copérnico por ter sido tão incompreendido ao propor uma idéia original. Apesar de escrever com suavidade, como “Os médicos são os meus irmãos em humanidade. Não tenho nada contra as suas pessoas”, afirma que falta coragem e boa fé aos seus colegas para aderirem às suas idéias.

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