Hahnemann publica sua Materia Medica e enfrenta guerra e epidemia

Estou no centro do círculo da minha querida família. Uma mulher de rara bondade, sete filhas quase criadas, alegres, inteligentes, que me tratam com todo o carinho e que adoçam a minha vida com música. Não acham que é de invejar?”

Encontramos Hahnemann em 1811, aos 56 anos, polemizando com os colegas médicos e com os farmacêuticos, defendendo suas idéias com toda a tenacidade, determinação, obstinação e agressividade cabíveis, mas vivendo uma vida em família bastante tranqüila.

       

 

O dinheiro continua escasso, apesar de uma certa melhora. Os filhos são educados basicamente pela Sra. Hahnemann, Henrietta, de forma austera e religiosa. Frau Henrietta, como Hahnemann a chamava, então com 47 anos, era uma mulher fechada, autoritária e mordaz, e impõe medo nos jovens alunos de Hahnemann que freqüentam sua casa. Hahnemann, porém, sempre louva a ternura e dedicação de sua esposa, a quem atribui a responsabilidade de ser a “viga-mestra do lar”, companheira dos poucos bons e dos muitos maus momentos. Ela aprecia música e a família toca e canta junta. Hahnemann ensina francês às filhas, que era essencial na educação de uma boa moça à época, e Henrietta lhes ensina a tocar piano. Elas demonstram um interesse pela moda, que seu pai não aprecia nem um pouco, mas não as proíbe de vestirem-se da maneira que elas desejam.

 

Napoleão traz a guerra para dentro dos territórios de língua alemã, arrasando a Baviera, a Prússia, a Saxônia e a Áustria. Em 1811, Torgau transforma-se em acampamento entrincheirado das tropas francesas em luta contra a Prússia, e Hahnemann vende sua amada e confortável residência e muda-se para Leipzig. Apesar da guerra, vende bem a sua casa e instala-se num bairro elegante de Leipzig.

Lá, conquista uma boa clientela, mercê da notoriedade conquistada por seus trabalhos escritos e polêmicas que os acompanharam. Vive mais confortavelmente, embora não seja rico, já que também não corre atrás de fortuna. Dedica-se a atender a clientela, a estudar, a propagar a Homeopatia.

No final de 1811 cria um Instituto de Homeopatia, e inicia um curso de pós-graduação em Homeopatia, voltado para médicos. Anuncia no jornal de seu querido e fiel amigo Conselheiro Becker. Contudo, não há inscritos.

No início de 1812, Hahnemann procura o diretor da faculdade de Medicina pedindo autorização para dar conferências aos estudantes, e este responde que para isso ele terá que submeter-se perante um júri para defender uma tese e pagar uma taxa não muito módica. Ele aceita submeter-se à prova, e apresenta, em latim, “Dissertação histórica e médica sobre o heleborismo dos antigos”, que discorria sobre o Veratrum album e o uso que os médicos antigos faziam dele. O grande anfiteatro ficou lotado, com docentes que formavam o júri e numerosos médicos da cidade, em meio a uns tantos curiosos. A apresentação de quatro horas, sem o auxílio de qualquer anotação, foi brilhante, principalmente pela quantidade e riqueza de suas citações, num discurso em latim, com citações em grego, hebraico, alemão, inglês, francês, italiano e árabe. Hahnemann foi bem prudente ao apresentar este trabalho, não fazendo qualquer alusão à Homeopatia, sendo um trabalho puramente histórico. Ele consegue, assim, autorização para dar as suas conferências, que se iniciam em setembro de 1812, quando contava então 57 anos.

As conferências ocorrem às quartas e sábados, de duas às três da tarde, e nelas Hahnemann é eloqüente, veemente, vociferando contra seus colegas médicos. O mestre, de baixa estatura (um metro e sessenta), vestido um pouco fora de moda, gritando com o rosto congestionado de ira, provoca risos e chacotas entre os estudantes, o que acentua ainda mais a ira e a congestão de sua face. Nem todos os alunos, porém, deixam-se levar pelas superficiais aparências, e demonstram um vivo interesse por suas idéias, procurando-o após as aulas, indo à sua casa estudar, assistindo às suas consultas. Este grupo reúne-se com o mestre à tarde, que os recebe em sua casa de roupão, de barrete de seda sobre a cabeça calva, fumando cachimbo e tomando uma cerveja leve. Ficam conhecidos como “o grupo de Leipzig” e participam das experimentações patogenéticas. Este “grupo de Leipzig” é formado por nove discípulos.

 

l  Enst Stapf, o favorito de Hahnemann, de 24 anos, que será um ardente defensor da Homeopatia e terá grande sucesso como médico, fundando um importante jornal para a divulgação da Homeopatia.

l  Karl Franz, estudante de teologia, seminarista que fôra curado por Hahnemann de um corrimento uretral muito semelhante à gonorréia, e possibilitou a este estudar a ação de Thuya sobre a sicose, uma das chamadas “Doenças Crônicas” que Hahnemann descreve no Organon, responsável pelo aparecimento de verrugas e corrimentos. Como o rapaz era decididamente virgem, não era possível que estivesse acometido com a desonrosa doença venérea. Na detalhada anamnese, Hahnemann descobriu que em sua casa, enquanto estudava, o jovem mordicava raminhos frescos de Thuya, e assim associa os sintomas ao que poderia ser uma intoxicação pela Thuya, pede ao rapaz que abandone este hábito, e o corrimento cessa. Curado, o jovem abandona a teologia e ingressa na faculdade de medicina.

l  Gustav Gross, que tornar-se-á eminente médico na Alemanha, e participará da fundação de um jornal para divulgação da Homeopatia.

l  Franz Hartmann, que foi aluno em Leipzig do Professor Clarus, o mais ferrenho adversário da Homeopatia à época, e depois de formado veio a dirigir o Hospital Homeopático de Leipzig, e deixou o importante legado de classificar com meticulosidade as plantas utilizadas no preparo dos remédios homeopáticos.

l  Christian Hornburg, que em suas primeiras férias da faculdade após iniciar os estudos com Hahnemann volta a sua cidade e fica clinicando sem diploma, sendo expulso da faculdade, e depois perseguido pela justiça e condenado a dois anos de prisão por exercício ilegal da medicina, veredito este que causa sua morte por um ataque cardíaco. Era considerado o mais brilhante dos nove, a quem os outros recorriam quando queriam poupar o mestre.

l  Frederico Langhammer, apesar de estudante, era dez anos mais velho que Hahnemann, e possuía uma saúde delicada devido aos excessos típicos da vida de um bon vivant, como é descrito por alguns colegas.

l  Wislicenus, exerceu a Homeopatia em Eisenach, muito isolado dos outros.

l  Ernst Rückert, que depois de formado não exerce a medicina, vai ajudar Hahnemann a redigir o “Repertório das Doenças Crônicas”, e morrerá no mesmo ano que o mestre, só que aos 48 anos.

l  Theodor Rückert, irmão mais novo de Ernst, será autor de diversas obras sobre a Homeopatia, e um ardoroso defensor da doutrina pura ensinada por Hahnemann.

A rotina de Hahnemann consiste em atender os doentes pela manhã, à tarde faz experiências e escreve, e ao fim da tarde sai com a mulher e as filhas mais novas para ir a um pequeno jardim que adquiriu num bairro de Leipzig, mantendo assim seu contato com a natureza. À noite, recebe os amigos e alunos, quando discutem casos clínicos, experimentações de remédios, e tocam música. Ele respeita e incentiva seus alunos a manifestarem suas próprias opiniões, mesmo que sejam contrárias às suas, e vez por outra ele convencia-se da certeza de alguma outra opinião. Hahnemann toca flauta, as filhas e sua esposa tocam piano e violino, num modo de vida bem na tradição germânica que privilegia a família, os amigos, a música e a natureza. Hahnemann aproveita a vida pacata para voltar a freqüentar uma loja maçônica em Leipzig.

Em 1813, contando 58 anos, Hahnemann e os demais cidadãos de Leipzig são “agraciados” com a malfadada presença de Napoleão Bonaparte, que chega para vigiar seu aliado, o rei da Saxônia e da Polônia, cuja fidelidade ao imperador conquistador deixa a desejar. Leipzig transforma-se num acampamento de tropas e artilharia, causando uma escassez de mantimentos, e sofre ataques constantes dos exércitos aliados da Áustria e da Prússia, que combatem o dominador francês. Os regimentos saxônicos, aliados de Napoleão, viram as armas contra o exército francês e juntam-se aos aliados, cujas tropas invadem a cidade. O imperador francês bate em retirada, e os cidadãos saxões, entre eles Hahemann, congratulam-se com a vitória contra o invasor.

Devido às sanguinárias batalhas, a cidade conta oitenta mil mortos e outros tantos feridos em apenas três dias de batalhas, que são atendidos nos edifícios da Universidade, improvisados como hospital de campanha. Hahnemann e seus alunos ajudam a cuidar dos doentes e feridos e têm bastante sucesso. Como as condições de higiene são terríveis, agravadas pela escassez de alimentos e destruição que a guerra deixou para trás, estoura uma letal epidemia de tifo entre os habitantes da cidade. Hahnemann e seus alunos tratam com Homeopatia muitos doentes, alcançando um grande sucesso, que causa uma considerável impressão em toda a Saxônia. De 180 doentes tratados por eles, só dois morreram, sendo um deles já muito idoso. Esta é a primeira demonstração pública da eficácia da Homeopatia, e Hahnemann publica os resultados no ano seguinte numa importante revista médica alemã, e não no jornal do Conselheiro Becker, pois este fôra fechado e o Conselheiro preso por defender em editoriais e artigos uma idéia de uma Alemanha unificada, reunindo todos os pequenos principados germânicos, que era uma idéia de inspiração francesa. Vale ressaltar que Hahnemann também defendia esta idéia, mas de forma privada, pois detestava a política e as guerras.

Entre 1811 e 1821 Hahnemann publica os seis volumes de sua Matéria Médica Pura, fruto de seu trabalho e de seus alunos e colaboradores nas experimentações. Neste período continua polemizando com os médicos defensores dos métodos clássicos.

Em 1816, aos 61 anos, Hahnemann perde sua filha Guilhermina, que era casada com o chefe da orquestra de Leipzig, com 31 anos, deixando órfão um jovem rapaz. Esta perda faz com que Hahnemann perca momentaneamente a vontade de entrar em discussões violentas, e continua a receber críticas ao seu método terapêutico.

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