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A necessidade de ser escutado

Marcelo Guerra

Aproveitei o feriado para assistir alguns filmes. Dentre eles, vi um afegão, muito interessante, chamado PEDRA DE PACIÊNCIA, e aproveitei para rever um francês que gostei muito e já indiquei para várias pessoas, A FAMÍLIA BÉLIER. Decidi rever por causa do tema do primeiro. (O texto contém spoilers, mas não afetam a experiência de assistir os filmes). Os filmes apresentam inúmeros contrastes, como o ambiente rural bucólico X a cidade destruída pela guerra, as preocupações de uma adolescente europeia X o desejo de um mínimo de autonomia da mulher afegã. No entanto, ambos mostram uma necessidade universal não satisfeita: a necessidade de alguém ser escutado, de poder revelar sua história e suas aspirações às pessoas próximas sem medo de condenação, críticas ou humilhação.
A necessidade de alguém ser escutado, de poder revelar sua história e suas aspirações às pessoas próximas sem medo de condenação, críticas ou humilhação.
PEDRA DE PACIÊNCIA é a história de uma mulher afegã, vivendo em meio à guerra, tendo que cuidar do marido em estado vegetativo por causa de uma bala na nuca. Ela começa a falar com ele, a princípio queixando-se da situação de abandono em que estão, sem atendimento médico, sem dinheiro, sem família, às moscas. E quando eu digo às moscas, é também literalmente, porque sempre aparecem muitas moscas no filme. Aos poucos, ela vai contando sua história ao marido que está ali sem expressar nenhuma reação. Conta os seus medos, suas aspirações, como foi a sua percepção do noivado e do casamento. Conta de como se sentiu decepcionada por ter se casado sem a presença do noivo, devido à guerra. Nessa ocasião, o noivo foi representado por seu punhal, um símbolo de virilidade,  poder e honra, o que é bastante significativo tendo em conta a descrição que a mulher faz de sua rude vida em comum e de suas relações sexuais, descritas como relações sem afeto, completamente de mão única. À medida em que vai se abrindo para esse homem de quem ela na verdade sabe muito pouco, ela vai demonstrando maior preocupação e cuidado com ele. A protagonista lhe conta sobre sua infância, sobre o pouco cuidado e acolhimento que o pai dedicava a si e à sua irmã mais velha, muito menos do que às suas codornas. Fala da subjugação da mulher numa cultura islâmica fundamentalista, do seu valor como moeda de troca, e de como isso a perturbava. Por fim, conta até seus segredos mais íntimos, que poderiam ameaçar sua própria vida. Em meio à violência da guerra, ela conhece um homem com quem ela pode ter alguma troca, que escuta seus desejos e de quem ela escuta a história. O final do filme exibe alguma esperança de redenção em meio à dor.
A FAMÍLIA BÉLIER se passa no interior da França, e a protagonista é uma adolescente que ajuda os pais na fazenda em que vivem e frequenta a escola, com todas as questões próprias a esse contexto. O detalhe é que seus pais e seu irmão são surdos-mudos, e ela faz a ligação da família com os fornecedores e compradores, com o mundo em geral. Num paralelo, o filme vai mostrando o nascimento e crescimento de um bezerro da fazenda, que ela batizou de Obama, por ser diferente do restante do rebanho. Na escola, ela precisa escolher uma disciplina de artes e se decide por entrar para o coral, para se aproximar de um garoto por quem ela tinha algum interesse. Logo o professor percebe que ela possui uma voz excelente e sugere que ela participe de um concurso para fazer parte de um importante coral em Paris. O que havia sido uma decisão sem interesse real na música traz um dilema que vai afetar toda a sua vida e de sua família. Por não escutar, a princípio seus pais não valorizam seu interesse pela música, mas ao se darem conta da repercussão que o seu canto provoca nas pessoas, deixam um pouco de lado seus interesses e dificuldades pessoais para ajudá-la a realizar-se. O filme é uma metáfora meio óbvia da eterna queixa dos adolescentes de que “ninguém me escuta”. Neste caso, não escutam mesmo.
É o interesse real pelo que o outro tem a dizer que cria vínculos entre nós.
É a escuta que permite que as pessoas se conectem de verdade, muito além de curtidas e compartilhamentos. É o interesse real pelo que o outro tem a dizer que cria vínculos entre nós. Não é uma escuta motivada por curiosidade ou desejo de julgamento, mas uma escuta de histórias, daquilo que pensa e sente aquele que fala, o que lhe motiva, o que lhe causa dor e desconforto, quais são suas aspirações. Aquilo que torna alguém humano, em resumo.
A quem você pode escutar hoje?
As psicoterapias fazem dessa escuta uma importante profissão, e têm ajudado muitas pessoas desde que Freud descobriu o Inconsciente. Nesse caso, é uma escuta qualificada, com uma técnica própria a cada modalidade de psicoterapia. Mas a escuta verdadeira não deve se limitar aos consultórios, ela deve permear os relacionamentos humanos, sejam amorosos,entre pais e filhos ou entre amigos. Uma vez, um pastor me disse numa conversa que Jó, da história do Velho Testamento, no auge das desgraças que lhe aconteceram, recebeu a visita de amigos que simplesmente se sentaram ao seu lado por sete dias para se solidarizar e escutar o que ele tivesse vontade de dizer. Eles não foram para sugerir nada, para criticar nada, só para estar ao seu lado e lhe emprestar os ouvidos. Acredito que estamos perdendo essa capacidade da escuta e precisamos reaprendê-la para que a rede de nossas conexões humanas possa ser novamente tecida. A quem você pode escutar hoje?

Estou com câncer

Cáncer_de_próstata

 Terça-feira de manhã, atendendo no consultório. O resultado da biópsia chegou: adenocarcinoma de próstata. Câncer! Ainda faltavam 3 pacientes para atender, sendo que 2 já estavam na sala de espera. No panic! Tomei uma água, que nos filmes parece ter um enorme poder calmante… Abri a porta, chamei o paciente e… o atendi normalmente. Mergulhei no problema dele e, pelo tempo da consulta, esqueci do meu. Quando ele saiu, estranhei a mim mesmo. Sempre que eu informei um paciente sobre um diagnóstico de câncer, imaginava como seria se fosse comigo, e achava que eu fosse ficar meio em pânico. Não fiquei. Estava aparentemente normal. Avisei à minha namorada, que deu um jeito e veio correndo para cá. Acho que ela estava mais desesperada do que eu…

Ser médico ajuda, mas também atrapalha. Com os resultados anteriores de PSA, já tinha uma suspeita grande de estar com câncer, mas todos me diziam pra não me preocupar, que “com certeza” eu não estava com câncer. A estatística estava certa, eu estou com câncer. Agora espero estar dentro da estatística em relação às metástases, porque a minha idade e o tamanho da próstata, além de outros fatores, indicam que é muito improvável que eu tenha qualquer metástase.

Meu urologista e amigo de décadas está afastado do trabalho por… câncer. Ele me indicou um colega que não conhecia pessoalmente e, por uma das coincidências da vida, sua secretária tornou-se minha paciente há menos de um mês e eu nem sabia disso. Ela arrumou um horário urgente. Fui com minha namorada e gostei do urologista, pedi a ele que esquecesse que sou médico e me dissesse qual era o procedimento que ele geralmente fazia. A resposta: retirar a próstata em uma cirurgia aberta, ou seja, corta a barriga, retira a próstata e o que estiver afetado em volta. Uma preocupação para quem é profissional liberal: quanto tempo sem trabalhar? Pelo menos uns 45 dias. Marcamos a cirurgia para 2 semanas, tempo suficiente para eu realizar mais exames e pesquisar metástases. Saí do consultório e já pedi para minha secretária ligar para a clínica de imagens e marcar. Minha namorada entrou em contato com sua amiga que é médica dessa clínica e antecipou os exames. Logo eu que não gosto de pistolão, dando carteirada de todo jeito.

Avisei os filhos, minha mãe, irmãos, amigos mais chegados. Resolvi que não preciso esconder isso de ninguém. É uma doença, e não algo que eu me envergonhe, não participei do petrolão.

Não me sinto desesperado, mas tenho pressa. É como se eu estivesse com o Alien, o 8º passageiro, dentro de mim. É apenas o primeiro passo de uma jornada que acredito que seja longa e difícil. Com fé, eu dou o primeiro passo!

Descoberta da Lei dos Semelhantes

O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde.

Em 1790, aos 35 anos, nasce sua terceira filha, Amália, que tonou-se sua favorita. Neste mesmo ano morre sua mãe, e é informado por uma carta de suas irmãs, Carlota e Benjamina. Hahnemann andava afastado de sua mãe, que não o compreendia bem, irritando-se com o comportamento enigmático e pouco prático de seu filho.

 

Neste ano, traduzindo vários livros para que sua família pudesse alimentar-se, um deles é de especial interesse para a história, o Tratado de Matéria Médica do médico escocês Cullen, no próprio ano da morte do autor. Ao traduzir o artigo dedicado à quinquina, droga peruana já conhecida por sua eficácia no tratamento da malária, Hahnemann fica impressionado com uma afirmação de Cullen. O químico escocês afirma que a quinquina cura a malária por fortalecer o estômago, devido às suas propriedades amargas e adstringentes. Como em sua estada na Transilvânia sofrera violentos ardores no estômago quando tomara a quinquina, tinha que discordar de Cullen. Decide então tomar novamente o remédio e observar suas reações. Ele fez uma anotação no manuscrito da tradução que elaborava: “ A título experimental, tomei durante vários dias, duas vezes por dia, quatro dracmas (aproximadamente 18g) de pó de quinquina. Os meus pés e a ponta dos meus dedos ficaram frios. Senti-me fraco e sonolento. Em seguida, meu ritmo cardíaco acelerou. Meu pulso tornou-se rápido e nervoso. Intolerável ansiedade, tremores mas sem rigidez, prostração em todos os membros, depois pulsações na cabeça, no coração, nas bochechas, sede. Em suma, todos os sintomas habitualmente associados à febre intermitente. A crise aguda durou de duas a três horas e repetiu-se a cada ingestão da droga. O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde. ” Nasce aí a Homeopatia! Esta é a Pedra Fundamental da Homeopatia. O próprio Hahnemann cita o ano de 1790 como aquele “em que se afastou dos caminhos batidos da medicina.” Esta experiência, este fato, irá desembocar na Lei dos Semelhantes, que é enunciada assim: “Qualquer substância que, administrada a um homem de boa saúde, provoque certos sintomas patológicos, torna-se, depois de diluída, capaz de curar sintomas semelhantes encontrados no doente.”

A idéia da similitude já existia em escritos de Hipócrates, Stahl, Paracelso e outros autores menos célebres, porém Hahnemann sistematizou a prática de experimentações em pessoas saudáveis de remédios e o seu uso terapêutico naqueles que apresentavam sintomas semelhantes. O curioso é que Hahnemann menciona os precursores, mas omite o nome de Paracelso, talvez para evitar todo o preconceito que já existia colado ao seu nome no meio médico e para separar a Homeopatia de todo o conteúdo esotérico ligado à Alquimia.

Em 1791, aos 36 anos, a publicação da tradução do Tratado de Matéria Médica de Cullen, com as anotações pessoais de Hahnemann causou indignação entre os médicos, que rejeitaram sua experimentação. Um farmacologista de Berlim, o Professor Lewin, sugere que Hahnemann tenha desenvolvido uma possível sensibilidade especial à quinquina, por ter sido exposto à malária previamente. Esta tese é defendida por outro farmacologista, este de Budapeste, o Dr. Bakody.

Hahnemann está convicto de suas descobertas e das conclusões tiradas de seus experimentos, e passa a defender a universalidade do princípio da similitude, o que causa muita polêmica entre os médicos. Em defesa de suas idéias, Hahnemann mostra uma personalidade muito violenta. Condena publicamente a medicina da época, que continua a praticar sangrias, purgações, clisteres e dietas debilitantes. “Sangrias, contínuas purgações, clisteres, dieta debilitante formam o círculo infernal no qual se movem os médicos alemães.”

Em 1791, aos 36 anos, nasce sua quarta filha, Caroline, de saúde ainda mais delicada que os outros, que requer cuidados dispendiosos e constantes. A família vive num único quarto. À noite, Hahnemann isola-se num canto do quarto, puxa uma cortina e escreve durante grande parte da noite à luz de vela. De manhã, ajuda nos afazeres domésticos e ocupa-se das crianças. À tarde, vai para a biblioteca. O dinheiro é cada vez mais escasso, até o pão era contado. Hahnemann abandonou a prática da medicina e passou a dedicar-se exclusivamente aos livros para o grande público e traduções, por uma questão moral: ele não acreditava nos métodos da medicina de seu tempo, e percebia que fazia melhor ao paciente quando não lhe dispensava qualquer remédio. “Se estou convencido de que o meu doente está verdadeiramente melhor sem os meus remédios… Que Deus me ajude! Como poderia eu exercer assim a medicina? Não posso continuar a ser o carrasco dos meus irmãos. Tornar-me o assassino dos meus irmãos era para mim um pensamento tão terrível e tão opressivo, que abandonei a medicina para não mais ser levado a fazer o mal.” Resolve mudar-se para Stotteritz, um subúrbio de Leipzig, onde as crianças podem ter uma vida um pouco mais saudável, com mais contato com a natureza, e um aluguel mais barato.

Neste ano publica o livro “O Amigo da Saúde”, um manual de higiene e medicina para o público leigo, em dois volumes, onde enuncia regras a seguir para manter a saúde. Alcançou um certo sucesso com esta obra. Mostra também regras de higiene a serem adotadas pelas cidades, combatendo latrinas e chiqueiros, louvando as descargas, a água encanada. Aconselha o exercício físico e o banho frio para a manutenção da saúde, a frugalidade à mesa, a sobriedade , um consumo abundante de água e, sobretudo, a alegria.

Ainda em 1791, aos 36 anos, é eleito membro da Sociedade Econômica de Leipzig e também, por unanimidade, membro da Academia de Ciências da Mogúncia. Começa a tornar-se célebre, mas o dinheiro continua escasso. Entre os 35 e os 36 anos traduziu 7 livros, um total de 2367 páginas, que tratam de medicina, química, agricultura e higiene.

Em 1792, Leopoldo II, imperador da Áustria, que no ano anterior havia formado uma frente comum com a Prússia destinada a contrapor-se à França revolucionária, morre de causas suspeitas. Abriu-se um inquérito, que revela que sua morte foi causada pela forma como fôra tratado pelos médicos. Hahnemann, ainda com 36 anos, publica um artigo extremamente violento no jornal Der Anzeiger (de seu amigo, o Conselheiro Becker, o qual seria veículo de muitos de seus escritos) atacando o médico do imperador e os métodos usados, quatro sangrias num espaço de 24 horas a um paciente já desidratado pela diarréia de uma cólera. Este artigo causou uma grande repercussão, suscitando muita polêmica, mas chamou a atenção do duque Ernesto, de Saxe-Coburgo-Gotha, que o convidou para ser diretor de um manicômio em Gotha, instalado no antigo castelo de caça do duque, para onde mudou-se com sua família, aos 37 anos, deixando Leipzig para trás.

O asilo só tinha um paciente, Frederico Klockenbring, a quem Hahnemann dedica todos os cuidados com bom senso e gentileza, e depois relata num artigo publicado em 1796 chamado “Retrato de Klockenbring durante sua loucura.” Diferentemente do tratamento vigente na época, Hahnemann não castigava seu paciente, mas o tratava com respeito e dignidade, ganhando sua confiança. O paciente tem alta curado após um ano de tratamento, e o asilo fica sem nenhum interno.

Enquanto viviam no manicômio, os Hahnemann desfrutavam de conforto, boa alimentação, educação e lazer para os filhos. Tiram férias e visitam a Turíngia. Hahnemann escreve algumas obras bucólicas: “Um quarto de criança”, Misturas filosóficas”, “Da satisfação dos sentidos”, “Da escolha de um médico”. Estavam em paz e sem problemas materiais. Num livro que ele escreve chamado “Manual para as mães”, Hahnemann descreve a rotina de suas crianças. Eles levantam ao nascer do sol, e eram vestidos com roupas confortáveis, para brincar ao ar livre, sem toucas ou chapéus, e muitas vezes descalços. Não lhes era permitido ser preguiçosos e seus sentidos eram treinados através de jogos e brincadeiras. Seus pais lhes ajudavam a superar o medo de escuro. Hahnemann ensinou-lhes a ser educados, a nunca mentir e a controlar sua raiva. Seu dia tinha um ritmo com horários para alimentar-se e para o descanso. À noite, iam cedo para a cama. Num outro capítulo deste livro, é explicado o método eficaz com que Hahnemann alfabetizou seus filhos. Primeiro eles olhavam figuras, depois praticavam as vogais, para então chegar às sílabas. Ele lhes ensinava a desenhar todo tipo de objetos, incluindo figuras geométricas, antes de lhes permitir copiar as letras e as palavras.

Hahnemann não goza da simpatia das autoridades locais, e os conselheiros financeiros do duque Ernesto o aconselham a fechar o asilo. Perguntado quantos malucos há no asilo, o juiz do tribunal local responde: “Um único maluco, e é o próprio Dr. Hahnemann!”

Em 1793, aos 38 anos, Hahnemann e sua família deixam o castelo de Gotha, após receber uma boa indenização. Mudam-se para Molschleben, e moram num bairro moderno. Logo no início de 1794, ainda com 38 anos, nasce seu filho Ernesto, assim batizado em homenagem ao duque, que morrerá antes de completar um ano.

Em Molschleben trata uma epidemia de impetigo com Hepar sulphur, um remédio criado por ele mesmo quando de suas experimentações alquímicas com seu sogro. Obtém sucesso com seu remédio. Escreve aí a primeira parte de um Dicionário de Farmácia, preconizando a preparação de tinturas vegetais a partir de plantas frescas, colhidas em seu habitat natural, como ainda hoje é feito nas Farmácias Homeopáticas. Este dicionário foi muito bem aceito pelos farmacêuticos, e foi-se tornando presente em praticamente todas as farmácias alemãs. Publica um novo teste para detecção de adulterações no vinho.

Após dez meses, muda-se novamente, por não ter conquistado muitos clientes, e continuar sem dinheiro. De fato, é um círculo vicioso, porque na esperança de viver do exercício da medicina ele muda-se para lugares menores, mas não tem dinheiro suficiente para manter-se até formar uma clientela, assim muda-se logo e recomeçam os problemas. Some-se a isso a conjuntura de guerras e insurreições camponesas que a Europa atravessa. Sobrevive graças às suas publicações. Hahnemann faz um desabafo: “Por que não nos libertam da guerra, esse túmulo das ciências!”

Em 1794, ainda com 38 anos mudam-se então para Pyrmont, pequena e bonita estação termal. Durante a viagem, à altura de Mulhausen, a carruagem tomba e eles são violentamente projetados para fora, ficando gravemente contundidos. Hahnemann escapa com um galo na testa, uma das meninas fratura uma perna, mas o pequeno Ernesto, com poucos meses, fere-se gravemente e entra em coma profundo, e não resiste, morrendo aos três meses. Isto causa uma profunda tristeza em Hahnemann, que já era austero e reservado e torna-se bastante abatido. No acidente, muitos de seus pertences são perdidos ou avariados.

A vida em Pyrmont, por ser uma cidade turística, é muito cara, e aos 39 anos, no começo de 1795, Hahnemann muda-se para Brunswick, onde moram numa casa com jardim. Nesta casa nascem suas suas filhas gêmeas, das quais só uma sobreviverá, Frederica. Aí também fica sabendo da morte de seu tio Christian August, em Meissen, mas isso já soa-lhe muito distante.

Publica o segundo volume de “O Amigo da Saúde”, e os volumes restantes de seu “Dicionário de farmácia”. Traduz do francês o “Manual para as mães” de Rousseau, e do inglês um livro de farmacologia. Recebe elogios nas revistas médicas pelo seu trabalho como escritor e tradutor. Reafirma sua crença na necessidade de higiene pública e pessoal, e de exercícios físicos, dieta equilibrada, ar fresco e água limpa.

Em 1796, deixa Brunswick, já com 41 anos, e vai para Wolfenbuttel. Este é o ano histórico em que publica um longo e abrangente artigo, chamado “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais”, que é o registro oficial do nascimento da Homeopatia. Nele demonstra que, antes de qualquer coisa, é necessário experimentar os efeitos dos remédios que se quer utilizar em si próprio e em outras pessoas saudáveis, segundo esse princípio de similitude. Hahnemann trabalhou nisso desde 1790, experimentando substâncias em si e em pessoas próximas, e depois verificando nos doentes o efeito positivo da utilização da similitude.

Compreende-se porque Hahnemann considerava secundários o dinheiro, o conforto e as comodidades. Na realidade, seu objetivo é assegurar o mínimo essencial para viver. Vive do entusiasmo de sua descoberta, uma nova maneira de vencer a doença.

Logo em seguida publica “Alguns apanhados sobre os princípios aceitos até os nossos dias”, e ambos os artigos foram publicados no Jornal de Medicina Prática, uma revista dirigida pelo Dr. Hufeland, um professor de medicina da Universidade de Viena, que admira a personalidade de Hahnemann, sem compartilhar de suas idéias.

No “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais” Hahnemann começa descrevendo a metodologia clássica de evidenciar as propriedades medicinais das substâncias, que são o estudo das propriedades físico-químicas e as experiências com animais. Afirma que não se pode transpor para o homem o resultado de uma experimentação feita nos animais, com total segurança. Condena a teoria das assinaturas (analogias provenientes da observação das famílias botânicas e das formas das plantas), que considera ultrapassada, por ser falha em muitas situações. A única maneira confiável e científica de descobrir as propriedades medicinais de uma substância é a experimentação no homem são, conclui Hahnemann. “Para curar radicalmente certas afecções crônicas, é preciso procurar os remédios que normalmente provocam no organismo uma doença análoga e o mais análoga possível. SIMILIA SIMILUBUS CURENTUR.”

Hahnemann é apreciado pelo grande público, mas amaldiçoado por seus colegas, que sentem-se feridos em suas reputações pelos seus artigos.