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A valorização do homem

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Diversas áreas do conhecimento aplicam no seu dia-a-dia a antroposofia, uma filosofia criada no começo do século passado pelo austríaco Rudolf Steiner. De uma maneira geral, esta linha de pensamento defende o melhor relacionamento do ser humano consigo mesmo, com a natureza, respeitando sua individualidade, seu espírito e sua criatividade. Até mesmo no setor de Recursos Humanos das grandes empresas esta filosofia vem norteando muitos projetos, valorizando as características peculiares do trabalhador e o tratando como membro de uma grande comunidade.

Estamos mergulhando novamente na valorização do homem. Vivemos na era do conhecimento, um retorno à natureza divina, onde o ser humano deve estar no centro de tudo. A tecnologia pode substituir tarefas pesadas do cotidiano da sociedade, mas jamais conseguirá substituir a criatividade do homem. Esta valorização do bem-estar, da felicidade, da satisfação e do prazer buscam justamente reforçar a idéia de que nada é mais importante do que a plenitude do homem. Somente um ser humano feliz, cheio de amor e de tesão pela sua vida e pelas suas funções, desempenhadas diariamente, pode construir uma sociedade mais justa e mais fraterna. Uma sociedade onde possamos sentir que somos um prolongamento do irmão que está desempregado, ou com fome, ou desiludido, ou depressivo, ou contaminado pelo vírus do ódio, da cobiça e do ressentimento. Um homem feliz e que ama jamais pode cometer mal a quem quer que seja.

O ataque terrorista em Madri chocou todo o mundo. Impossível não derramar lágrimas com a brutalidade de uma ação perversa que mata e aleija tantas pessoas inocentes a troco da promoção do terror e do ódio contra raças e ideologias. Quando conseguirmos despertar nos seres humanos o amor e o carinho pelo próximo, reforçando a noção da grande família cósmica e divina sentiremos a mesma dor dos parentes que perderam seus entes queridos. Sentiremos vergonha e dor quando assistirmos uma criança tirando comida do lixo, um mendigo se embriagando com cachaça para fugir da dureza do seu dia-a-dia. Sentiremos a dor do suicida que perdeu a fé e a esperança em dias melhores, fraquejando frente a problemas criados por uma sociedade injusta, que privilegia o dinheiro e o poder em detrimento do amor e da solidariedade.

Precisamos buscar fazer nossa parte e contribuir para que o sol nasça mais bonito todos os dias e que tenhamos motivos de sobra para dar um bom dia, com um belo sorriso no rosto, para o primeiro desconhecido que passe por nós. Se plantarmos e soubermos promover o amor e a felicidade e nos preocuparmos com os outros da mesma forma que nos preocupamos com um irmão de sangue vamos amenizar tanta onda de ódio e de ganância que destrói a sociedade.

A antroposofia, como outras linhas filosóficas, busca reforçar a reflexão de que nada é mais importante do que o equilíbrio do homem consigo mesmo e com a sociedade em que vive. Já parou para pensar como você lida com os problemas, frustrações e dificuldades dos que estão próximos. Já parou para ouvir e dar uma palavra ou mesmo um gesto de carinho para aquele desconhecido aflito que você esbarra na fila do banco, no trânsito, no banco do ônibus? Experimente fazer o bem e veja como você se sentirá bem. Uma vela pode acender outra sem se apagar. Espalhe Luz!

(Artigo originalmente escrito em novembro de 2007)

Entrevista com a Dra. Gudrun Burkhard

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(Entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo, suplemento Equilíbrio, em 25/1/01)

Quem é ela

Nome: Gudrun Burkhard.
Idade: 71 anos.
Profissão: Médica antroposófica, clínica-geral e terapeuta biográfica.
O que faz: Dá cursos de biografia humana para terapeutas e médicos no Brasil e na Europa.
Filosofia de vida: A cura das doenças só acontece quando o homem consegue mudar seus hábitos e harmonizar os lados intelectual e afetivo.

A idéia de que desequilíbrios da vida cotidiana contribuem para que doenças apareçam e influem na cura já foi incorporada pelo estabelecimento médico. Mas, quando se formou em medicina pela USP em 1954, a médica paulista Gudrun Burkhard teve de ir até a Suiça para estuda e como cabeça e corpo caminham lado a lado na busca pelo bem-estar. De lá para cá, Burkhard virou um dos gurus da medicina antroposófica no Brasil, fundou duas clínicas, escreveu 12 livros e formou dezenas de discípulos. Aos 71 anos, continua reclamando que a medicina clássica não enxerga o homem como um todo e insiste que mudanças de hábito são tão importantes para a cura quanto remédios de última geração. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha – Como você entrou em contato com a Antroposofia?

Gudrum Burkahard – Quando me formei em medicina pela USP, em 1954, achei que precisava completar a formação clássica que havia recebido na faculdade. Nós tínhamos uma visão unilateral das doenças e da cura, sem considerar a individualidade de cada paciente, ignorando que o homem não era só um corpo físico, que ele também sentia, pensava e agia. Pouca gente na época dava importância à influência de fatores psicológicos no desenvolvimento da doença e na busca da cura. Fui, então, para a Suíça, onde havia uma clínica que já trabalhava com medicina antroposófica desde a década de 20. Fiz minha pós-graduação lé e, em seguida, voltei ao Brasil e comecei a atender em consultório particular.

Folha – Quem eram seus pacientes?

Burkhard – Eu atendia basicamente doentes crônicos, com câncer, esclerose múltipla, que não se sentiam satisfeitos com a resposta dada pela medicina clássica. Atuava também como clínica-geral, atendia do bebê ao avô. Em 69, fundei com meu marido a Clínica Tobias, só de medicina antroposófica. Lá, os pacientes crônicos ficavam semanas internados para revitalização e desintoxicação alimentar. Como o número de pacientes com estresse cresceu muito, abrimos outra clínica em 83, a Artemísia, para atender quem precisava de descanso e revitalização para resgatar a própria vida.

Folha – Como é o trabalho na Artemísia?

Burkhard – Os pacientes vão para lá para fazer o biográfico, que é um processo terapêutico no qual eles revêem seus passos de maneira que possam trilhar melhor o futuro. Também passam por reestruturação alimentar para desintoxicar o corpo e por outras terapias, como massagens e compressas.
Folha- A alimentação é tão importante assim?

Burkhard – As pessoas devem se alimentar de acordo com o estilo de vida que levam, e a dieta deve ser adequada ao trabalho. Não é tão importante quanto você come, mas o que come. Quem faz um trabalho mais intelectual não deve comer frituras nem carnes porque o organismo fica ocupado com a digestão e a cabeça não funciona tão bem. Essas pessoas devem comer grãos integrais e alimentos ricos em vitamina D e fósforo. Já quem trabalha mais com o físico deve adotar uma diética energética, abusar de massas e outros alimentos ricos em hidrato de carbono e com muita vitamina B.

Folha – Maus hábitos no dia-a-dia adoecem alguém?

Burkhard – Claro. Alimentação errada, falta de equilíbrio entre o lado afetivo e o profissional, uma vida cheia de conflitos, tudo isso influencia a saúde física do homem. Os desequilíbrios provocam distúrbios psicossomáticos, que podem resultar em estresse ou até câncer. A doença aparece para alertar que existe um desequilíbrio, e só o uso de remédios não vai resolver o problema. É preciso mudar os hábitos. Só que a maioria das pessoas ainda não se dá conta da importancia de os vários campos da vida estarem em harmonia. Tem gente que desenvolve muito o plano intelectual, mas deixa o sentimental de lado. Essa desarmonia cria espaço para que as doenças apareçam. Para ser saudável, é preciso descobrir se a pessoa obtém realização pessoal no trabalho, nas relações familiares, se ela tem tempo para fazer as coisas de que gosta ou se vive sempre em conflito.

Folha – Se a doença levar a hábitos mais saudáveis, então ela não é de todo ruim…

Burkhard – A doença é um alerta para mudar o ritmo do dia-a-dia. Fatores psicossomáticos afetam o corpo físico, a doença se manifesta, e a pessoa é forçada a dar uma parada obrigatória. O ideal seria que fizéssemos pequenas paradas espontâneas para ver como está a vida, mas ninguém faz isso. Quem leva uma vida cheia de desarmonia e não pára de vez em quando para corrigir o caminho que está trilhando termina sendo obrigado a parar quando a doença surge. Essa parada pode ser uma grande oportunidade para olhar para trás e ver o que está em desacordo com os desejos da pessoa.

Folha – E como se dá a cura?

Burkhard – O processo de cura começa com a busca do conhecimento interno, que é feito com o biográfico. Também damos aos pacientes a oportunidade de se expressarem pela pintura, modelagem, música. Cada um vai descobrindo aquilo que gosta, o que incomoda. O biográfico não é só uma forma de diagnóstico, é um processo altamente terapêutico. O autoconhecimento é fundamental para conseguir bem-estar e saúde. Você precisa conhecer as diversas paisagens por onde já passou para poder redirecionar o futuro adequadamente.