Casal de Minas Gerais devolve criança adotada e MP vai à Justiça por pensão até que complete 24 anos

BELO HORIZONTE – O Ministério Público Estadual propôs Ação Civil Pública contra um casal de Uberlândia, em Minas Gerais, por danos morais causados a uma criança que havia sido adotada. Segundo o promotor de Justiça Epaminondas Costa, a ação é inédita no país. Na ação, o promotor solicita o pagamento imediato de pensão alimentícia à criança para que ela possa arcar com os custos de tratamento psicológico, indenização de cem salários mínimos, além do pagamento de pensão até que ela complete 24 anos.

O promotor conta que o casal – ambos funcionários públicos – conheceram a criança, uma menina de 8 anos, durante trabalho voluntário num abrigo de menores. Durante seis meses, eles visitaram o abrigo semanalmente. A afeição em relação à menina levou o casal à ir à Justiça pedir a guarda e a adoção.
No dia 31 de janeiro de 2008, o casal protocolou o pedido de adoção. A guarda provisória foi concedida no dia seguinte, 1º de fevereiro. Segundo o MP, a criança também tinha expressado muita alegria por conviver com o casal.

Epaminondas afirma que durante os oito meses em que a menina ficou sob guarda provisória do casal os três foram avaliados por psicóloga e assistente social. Os relatórios indicavam que tudo estava bem e a criança estava bem adaptada à nova vida.

A audiência de adoção foi realizada no dia 29 de setembro de 2008. Foi nela em que o casal simplesmente “devolveu” a criança.

– Sem mais nem menos, quando foi chamado para a audiência onde a adoção seria concretizada, o casal devolveu a menina ao juiz e disse que não tinha mais interesse em ficar com ela. Foi uma surpresa – diz o promotor.

Costa afirma que tanto a Vara da Infância e Juventude quanto a Promotoria tentaram saber qual era o motivo da devolução, inclusive para oferecer apoio psicológico ao casal, mas os dois se recusaram a dizer a razão.

Também a menina não contou nada que possa ser encarado como justificativa para a atitude do casal.

O promotor afirmou que o abandono acarretou problemas para a menina. Além do sofrimento emocional evidente por rer sido rejeitada e voltar ao antigo abrigo, a criança passou a se mostrar perdida e confusa em relação à sua identidade, referindo-se a si própria ora pelo seu nome legal, ora pelo nome dado pelo casal adotivo, a quem passou a se referir como seus pais.

– Sem autorização qualquer da Justiça eles combinaram com ela a troca de nome. Quando ela voltou ao abrigo, passou a se referir a ela própria, a cada hora, com um nome diferente, o que usava antes de morar com o casal e o nome que eles deram a ela – conta.

Segundo Epaminondas, esses problemas podem acarretar “distúrbios carenciais”, fazendo com que a criança fique hostil, agressiva, e descrente de relacionamentos. Além disso, pode apresentar problemas de aprendizagem.

O promotor afirma que a Justiça ficou de mãos atadas.

– Se não aceitasse a devolução, a menina iria conviver num clima de hostilidade. Ela poderia vir a sofrer humilhações ou até violência física. Quanto mais tempo ficasse com eles, pior seria – diz Epaminondas.

Agora, o abrigo onde está a menina procura uma nova família que queira adotá-la. A incógnita da devolução, porém, permanece.

– Muitos casais adotam uma criança esperando dela gratidão eterna. Acham que ela ser eternamente grata e precisa demonstrar isso o tempo todo, nunca fará uma birra, nunca causará uma decepção – afirma o promotor.

Para Epaminondas, é preciso que a adoção seja uma opção consciente, pois uma criança não é um objeto que se pega na Vara da Infância e Juventude e, se não quiser mais, devolve.

– A adoção não é um ato de caridade. Muita gente quer adotar para fazer uma boa ação social, não para ser pai ou mãe. Aí, não dá certo. É preciso querer exercer a paternidade e a maternidade com seus ônus e benefícios – explica.
Novos casos

Epaminondas diz que pesquisou e não descobriu outras ações como proposta contra o casal, mas adianta que a devolução de crianças é comum.

Segundo ele, os Tribunais precisam se manifestar sobre a devolução de crianças que foram adotadas.

O promotor prepara uma nova ação referente a um adolescente de 15 anos, que conviveu durante vários anos com uma família e foi “devolvido”.

– O pai adotivo se referia a ele como ‘negrinho’.

Neste caso, o garoto já tinha idade suficiente para saber qual era o problema no relacionamento com o casal e pode ajudar o MP a decifrar as causas da devolução.
Fonte: O Globo

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