Descoberta da Lei dos Semelhantes

O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde.

Em 1790, aos 35 anos, nasce sua terceira filha, Amália, que tonou-se sua favorita. Neste mesmo ano morre sua mãe, e é informado por uma carta de suas irmãs, Carlota e Benjamina. Hahnemann andava afastado de sua mãe, que não o compreendia bem, irritando-se com o comportamento enigmático e pouco prático de seu filho.

 

Neste ano, traduzindo vários livros para que sua família pudesse alimentar-se, um deles é de especial interesse para a história, o Tratado de Matéria Médica do médico escocês Cullen, no próprio ano da morte do autor. Ao traduzir o artigo dedicado à quinquina, droga peruana já conhecida por sua eficácia no tratamento da malária, Hahnemann fica impressionado com uma afirmação de Cullen. O químico escocês afirma que a quinquina cura a malária por fortalecer o estômago, devido às suas propriedades amargas e adstringentes. Como em sua estada na Transilvânia sofrera violentos ardores no estômago quando tomara a quinquina, tinha que discordar de Cullen. Decide então tomar novamente o remédio e observar suas reações. Ele fez uma anotação no manuscrito da tradução que elaborava: “ A título experimental, tomei durante vários dias, duas vezes por dia, quatro dracmas (aproximadamente 18g) de pó de quinquina. Os meus pés e a ponta dos meus dedos ficaram frios. Senti-me fraco e sonolento. Em seguida, meu ritmo cardíaco acelerou. Meu pulso tornou-se rápido e nervoso. Intolerável ansiedade, tremores mas sem rigidez, prostração em todos os membros, depois pulsações na cabeça, no coração, nas bochechas, sede. Em suma, todos os sintomas habitualmente associados à febre intermitente. A crise aguda durou de duas a três horas e repetiu-se a cada ingestão da droga. O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde. ” Nasce aí a Homeopatia! Esta é a Pedra Fundamental da Homeopatia. O próprio Hahnemann cita o ano de 1790 como aquele “em que se afastou dos caminhos batidos da medicina.” Esta experiência, este fato, irá desembocar na Lei dos Semelhantes, que é enunciada assim: “Qualquer substância que, administrada a um homem de boa saúde, provoque certos sintomas patológicos, torna-se, depois de diluída, capaz de curar sintomas semelhantes encontrados no doente.”

A idéia da similitude já existia em escritos de Hipócrates, Stahl, Paracelso e outros autores menos célebres, porém Hahnemann sistematizou a prática de experimentações em pessoas saudáveis de remédios e o seu uso terapêutico naqueles que apresentavam sintomas semelhantes. O curioso é que Hahnemann menciona os precursores, mas omite o nome de Paracelso, talvez para evitar todo o preconceito que já existia colado ao seu nome no meio médico e para separar a Homeopatia de todo o conteúdo esotérico ligado à Alquimia.

Em 1791, aos 36 anos, a publicação da tradução do Tratado de Matéria Médica de Cullen, com as anotações pessoais de Hahnemann causou indignação entre os médicos, que rejeitaram sua experimentação. Um farmacologista de Berlim, o Professor Lewin, sugere que Hahnemann tenha desenvolvido uma possível sensibilidade especial à quinquina, por ter sido exposto à malária previamente. Esta tese é defendida por outro farmacologista, este de Budapeste, o Dr. Bakody.

Hahnemann está convicto de suas descobertas e das conclusões tiradas de seus experimentos, e passa a defender a universalidade do princípio da similitude, o que causa muita polêmica entre os médicos. Em defesa de suas idéias, Hahnemann mostra uma personalidade muito violenta. Condena publicamente a medicina da época, que continua a praticar sangrias, purgações, clisteres e dietas debilitantes. “Sangrias, contínuas purgações, clisteres, dieta debilitante formam o círculo infernal no qual se movem os médicos alemães.”

Em 1791, aos 36 anos, nasce sua quarta filha, Caroline, de saúde ainda mais delicada que os outros, que requer cuidados dispendiosos e constantes. A família vive num único quarto. À noite, Hahnemann isola-se num canto do quarto, puxa uma cortina e escreve durante grande parte da noite à luz de vela. De manhã, ajuda nos afazeres domésticos e ocupa-se das crianças. À tarde, vai para a biblioteca. O dinheiro é cada vez mais escasso, até o pão era contado. Hahnemann abandonou a prática da medicina e passou a dedicar-se exclusivamente aos livros para o grande público e traduções, por uma questão moral: ele não acreditava nos métodos da medicina de seu tempo, e percebia que fazia melhor ao paciente quando não lhe dispensava qualquer remédio. “Se estou convencido de que o meu doente está verdadeiramente melhor sem os meus remédios… Que Deus me ajude! Como poderia eu exercer assim a medicina? Não posso continuar a ser o carrasco dos meus irmãos. Tornar-me o assassino dos meus irmãos era para mim um pensamento tão terrível e tão opressivo, que abandonei a medicina para não mais ser levado a fazer o mal.” Resolve mudar-se para Stotteritz, um subúrbio de Leipzig, onde as crianças podem ter uma vida um pouco mais saudável, com mais contato com a natureza, e um aluguel mais barato.

Neste ano publica o livro “O Amigo da Saúde”, um manual de higiene e medicina para o público leigo, em dois volumes, onde enuncia regras a seguir para manter a saúde. Alcançou um certo sucesso com esta obra. Mostra também regras de higiene a serem adotadas pelas cidades, combatendo latrinas e chiqueiros, louvando as descargas, a água encanada. Aconselha o exercício físico e o banho frio para a manutenção da saúde, a frugalidade à mesa, a sobriedade , um consumo abundante de água e, sobretudo, a alegria.

Ainda em 1791, aos 36 anos, é eleito membro da Sociedade Econômica de Leipzig e também, por unanimidade, membro da Academia de Ciências da Mogúncia. Começa a tornar-se célebre, mas o dinheiro continua escasso. Entre os 35 e os 36 anos traduziu 7 livros, um total de 2367 páginas, que tratam de medicina, química, agricultura e higiene.

Em 1792, Leopoldo II, imperador da Áustria, que no ano anterior havia formado uma frente comum com a Prússia destinada a contrapor-se à França revolucionária, morre de causas suspeitas. Abriu-se um inquérito, que revela que sua morte foi causada pela forma como fôra tratado pelos médicos. Hahnemann, ainda com 36 anos, publica um artigo extremamente violento no jornal Der Anzeiger (de seu amigo, o Conselheiro Becker, o qual seria veículo de muitos de seus escritos) atacando o médico do imperador e os métodos usados, quatro sangrias num espaço de 24 horas a um paciente já desidratado pela diarréia de uma cólera. Este artigo causou uma grande repercussão, suscitando muita polêmica, mas chamou a atenção do duque Ernesto, de Saxe-Coburgo-Gotha, que o convidou para ser diretor de um manicômio em Gotha, instalado no antigo castelo de caça do duque, para onde mudou-se com sua família, aos 37 anos, deixando Leipzig para trás.

O asilo só tinha um paciente, Frederico Klockenbring, a quem Hahnemann dedica todos os cuidados com bom senso e gentileza, e depois relata num artigo publicado em 1796 chamado “Retrato de Klockenbring durante sua loucura.” Diferentemente do tratamento vigente na época, Hahnemann não castigava seu paciente, mas o tratava com respeito e dignidade, ganhando sua confiança. O paciente tem alta curado após um ano de tratamento, e o asilo fica sem nenhum interno.

Enquanto viviam no manicômio, os Hahnemann desfrutavam de conforto, boa alimentação, educação e lazer para os filhos. Tiram férias e visitam a Turíngia. Hahnemann escreve algumas obras bucólicas: “Um quarto de criança”, Misturas filosóficas”, “Da satisfação dos sentidos”, “Da escolha de um médico”. Estavam em paz e sem problemas materiais. Num livro que ele escreve chamado “Manual para as mães”, Hahnemann descreve a rotina de suas crianças. Eles levantam ao nascer do sol, e eram vestidos com roupas confortáveis, para brincar ao ar livre, sem toucas ou chapéus, e muitas vezes descalços. Não lhes era permitido ser preguiçosos e seus sentidos eram treinados através de jogos e brincadeiras. Seus pais lhes ajudavam a superar o medo de escuro. Hahnemann ensinou-lhes a ser educados, a nunca mentir e a controlar sua raiva. Seu dia tinha um ritmo com horários para alimentar-se e para o descanso. À noite, iam cedo para a cama. Num outro capítulo deste livro, é explicado o método eficaz com que Hahnemann alfabetizou seus filhos. Primeiro eles olhavam figuras, depois praticavam as vogais, para então chegar às sílabas. Ele lhes ensinava a desenhar todo tipo de objetos, incluindo figuras geométricas, antes de lhes permitir copiar as letras e as palavras.

Hahnemann não goza da simpatia das autoridades locais, e os conselheiros financeiros do duque Ernesto o aconselham a fechar o asilo. Perguntado quantos malucos há no asilo, o juiz do tribunal local responde: “Um único maluco, e é o próprio Dr. Hahnemann!”

Em 1793, aos 38 anos, Hahnemann e sua família deixam o castelo de Gotha, após receber uma boa indenização. Mudam-se para Molschleben, e moram num bairro moderno. Logo no início de 1794, ainda com 38 anos, nasce seu filho Ernesto, assim batizado em homenagem ao duque, que morrerá antes de completar um ano.

Em Molschleben trata uma epidemia de impetigo com Hepar sulphur, um remédio criado por ele mesmo quando de suas experimentações alquímicas com seu sogro. Obtém sucesso com seu remédio. Escreve aí a primeira parte de um Dicionário de Farmácia, preconizando a preparação de tinturas vegetais a partir de plantas frescas, colhidas em seu habitat natural, como ainda hoje é feito nas Farmácias Homeopáticas. Este dicionário foi muito bem aceito pelos farmacêuticos, e foi-se tornando presente em praticamente todas as farmácias alemãs. Publica um novo teste para detecção de adulterações no vinho.

Após dez meses, muda-se novamente, por não ter conquistado muitos clientes, e continuar sem dinheiro. De fato, é um círculo vicioso, porque na esperança de viver do exercício da medicina ele muda-se para lugares menores, mas não tem dinheiro suficiente para manter-se até formar uma clientela, assim muda-se logo e recomeçam os problemas. Some-se a isso a conjuntura de guerras e insurreições camponesas que a Europa atravessa. Sobrevive graças às suas publicações. Hahnemann faz um desabafo: “Por que não nos libertam da guerra, esse túmulo das ciências!”

Em 1794, ainda com 38 anos mudam-se então para Pyrmont, pequena e bonita estação termal. Durante a viagem, à altura de Mulhausen, a carruagem tomba e eles são violentamente projetados para fora, ficando gravemente contundidos. Hahnemann escapa com um galo na testa, uma das meninas fratura uma perna, mas o pequeno Ernesto, com poucos meses, fere-se gravemente e entra em coma profundo, e não resiste, morrendo aos três meses. Isto causa uma profunda tristeza em Hahnemann, que já era austero e reservado e torna-se bastante abatido. No acidente, muitos de seus pertences são perdidos ou avariados.

A vida em Pyrmont, por ser uma cidade turística, é muito cara, e aos 39 anos, no começo de 1795, Hahnemann muda-se para Brunswick, onde moram numa casa com jardim. Nesta casa nascem suas suas filhas gêmeas, das quais só uma sobreviverá, Frederica. Aí também fica sabendo da morte de seu tio Christian August, em Meissen, mas isso já soa-lhe muito distante.

Publica o segundo volume de “O Amigo da Saúde”, e os volumes restantes de seu “Dicionário de farmácia”. Traduz do francês o “Manual para as mães” de Rousseau, e do inglês um livro de farmacologia. Recebe elogios nas revistas médicas pelo seu trabalho como escritor e tradutor. Reafirma sua crença na necessidade de higiene pública e pessoal, e de exercícios físicos, dieta equilibrada, ar fresco e água limpa.

Em 1796, deixa Brunswick, já com 41 anos, e vai para Wolfenbuttel. Este é o ano histórico em que publica um longo e abrangente artigo, chamado “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais”, que é o registro oficial do nascimento da Homeopatia. Nele demonstra que, antes de qualquer coisa, é necessário experimentar os efeitos dos remédios que se quer utilizar em si próprio e em outras pessoas saudáveis, segundo esse princípio de similitude. Hahnemann trabalhou nisso desde 1790, experimentando substâncias em si e em pessoas próximas, e depois verificando nos doentes o efeito positivo da utilização da similitude.

Compreende-se porque Hahnemann considerava secundários o dinheiro, o conforto e as comodidades. Na realidade, seu objetivo é assegurar o mínimo essencial para viver. Vive do entusiasmo de sua descoberta, uma nova maneira de vencer a doença.

Logo em seguida publica “Alguns apanhados sobre os princípios aceitos até os nossos dias”, e ambos os artigos foram publicados no Jornal de Medicina Prática, uma revista dirigida pelo Dr. Hufeland, um professor de medicina da Universidade de Viena, que admira a personalidade de Hahnemann, sem compartilhar de suas idéias.

No “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais” Hahnemann começa descrevendo a metodologia clássica de evidenciar as propriedades medicinais das substâncias, que são o estudo das propriedades físico-químicas e as experiências com animais. Afirma que não se pode transpor para o homem o resultado de uma experimentação feita nos animais, com total segurança. Condena a teoria das assinaturas (analogias provenientes da observação das famílias botânicas e das formas das plantas), que considera ultrapassada, por ser falha em muitas situações. A única maneira confiável e científica de descobrir as propriedades medicinais de uma substância é a experimentação no homem são, conclui Hahnemann. “Para curar radicalmente certas afecções crônicas, é preciso procurar os remédios que normalmente provocam no organismo uma doença análoga e o mais análoga possível. SIMILIA SIMILUBUS CURENTUR.”

Hahnemann é apreciado pelo grande público, mas amaldiçoado por seus colegas, que sentem-se feridos em suas reputações pelos seus artigos.

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