“Estamos trabalhando para o bem da humanidade.”
Em 1825, aos 70 anos, Hahnemann recebe novos ataques, um livro intitulado “Anti-Organon”, escrito por um certo Professor Heinroth, e outro chamado “Verificação do Sistema Homeopático”, pelo Professor Wedekind, ambos defendendo veementemente as sangrias, vomitórios e purgativos da medicina oficial. Hahnemann toma conhecimento do teor de ambos os livros, mas reage com indiferença. Em uma carta ao Dr. Stapf compara os ataques contra à Homeopatia à reação que a vacina recentemente desenvolvida por Jenner encontrava na Inglaterra: “Contei mais de vinte artigos a esse respeito que, neste momento, devem estar servindo de papel para embrulhar queijos nas mercearias!”
Neste mesmo ano, sua biografia cruza-se com a de outro homem que tornar-se-á uma figura de enorme importância na difusão da Homeopatia, Constantino Hering, nascido na Saxônia como Hahnemann. Em 1821, quando contava 21 anos e estudava medicina também na Universidade de Leipzig, um de seus mestres, o Dr. Robbi propôs-lhe fazer seu trabalho de conclusão de curso refutando os princípios da Homeopatia. Hering aceitou e começou a reunir a documentação para este fim. Enquanto dissecava um cadáver, picou-se no dedo com um fragmento de osso, o que era aterrorizante à época por não haver antissépticos eficazes, assim o risco de gangrena era enorme. Um médico que praticava a Homeopatia, recomendou-lhe tomar Arsenicum album e em poucos dias o dedo cicatrizou sem seqüelas. Ele convenceu-se com essa experiência pessoal, abandonou a tese hostil à Homeopatia e entrou em contato com Hahnemann para colocar-se à sua disposição, que respondeu-lhe para ser prudente e não deixar que os alopatas da faculdade soubessem que havia aderido à Homeopatia, pois provavelmente o teriam impedido de graduar-se, e depois de formado exercer livremente a Homeopatia. Como recusou-se a escrever o artigo refutando a Homeopatia, foi obrigado a transferir-se de faculdade. Depois partiu para o Suriname numa expedição científica financiada pelo príncipe da Saxônia, onde realizou patogenesias importantes que enriqueceram o conhecimento homeopático. Daí seguiu para os Estados Unidos, onde introduziu a Homeopatia. Hering e Hahnemann mantiveram uma correspondência abundante até a morte do mestre.
Em 1826, aos 71 anos, Hahnemann recebe o Dr. Frederico Quin, um médico que pertencia à nobreza inglesa, filho de uma duquesa, e que fôra tratado com sucesso pela Homeopatia em Nápoles. A conversa com o mestre não impressionou o jovem médico, que voltou a Londres para tornar-se um dos médicos da Rainha Vitória.
Em 1828, aos 73 anos, Hahnemann publica o Tratado das Doenças Crônicas, que já vinha escrevendo nos intervalos de suas consultas. Neste livro, o segundo pilar da Homeopatia, Hahnemann traz idéias revolucionárias. Sempre baseado na experiência clínica, Hahnemann percebe que a similitude, que ele trouxera ao mundo de forma sistematizada em seu Organon, não era capaz de curar todos os doentes. Alguns doentes tinham curas incompletas, outros apresentavam recaídas, outros não melhoravam nada. Isto desafia sua hipótese da similitude como lei terapêutica universal. Ele percebe que por trás da doença aguda que aflige o doente e o faz buscar tratamento, há uma outra coisa, que ele chama de “doença crônica” permanente, profundamente enraizada e que precisa ser tratada para que o doente possa ser tratado de maneira eficaz e definitiva. Este termo também foi chamado por ele de “miasma”, e os franceses posteriormente vieram a chamar de “terreno” ou “diátese”, nome que é preferido atualmente. Este miasma é o nosso modo de reagir aos agentes nocivos que nos acometem constantemente, e condiciona as doenças que vamos desenvolver a partir destas agressões.
Ele classifica os miasmas em três, baseado em suas observações clínicas. A sicose é um miasma que provoca formações tumorais, verrugas, corrimentos, hipertrofias em geral, e ele relaciona á exposição prévia à gonorréia. A luese é outro miasma, relacionado por ele a uma infecção anterior por sífilis, caracterizada por ulcerações e esclerose. O terceiro e mais importante miasma é a psora, proveniente de uma infecção prévia pela escabiose, é a mãe de todas as doenças, sendo condição para a existência dos outros miasmas, e é caracterizada por doenças alérgicas, doenças de pele, fraqueza, perturbações digestivas, doenças relacionadas por fraqueza da função de um determinado órgão ou sistema.
Ele apresenta uma lista enorme de sintomas ligados a cada um dos três miasmas e os correlaciona a alguns remédios, que ele percebe ter uma ação mais profunda do que outros, atingindo este nível miasmático. Dentre eles, destaca a Thuya como remédio preferencial da sicose, o Mercurius vivus para a luese e o Sulphur para a psora.
Após esta publicação, a Homeopatia sofreu uma importante guinada, deixando de tratar somente doenças isoladas e passando a também tratar o terreno que propicia o surgimento destas mesmas doenças. Percebe que muitas vezes uma doença aguda representa uma melhora do miasma predominante, um sinal de que o paciente está encaminhando-se em direção à cura, é a manifestação de uma força vital tentando restabelecer o equilíbrio perturbado.
Este importante tratado, no entanto, causou uma grande controvérsia entre os médicos homeopatas, que entenderam de forma simplificada a teoria sobre a psora ser a raiz de todas as doenças, considerando-a somente como a escabiose, o que consideravam inadmissível.
Desde o início de suas conferências em Leipzig Hahnemann sempre manteve uma extensa correspondência com seus discípulos, como já fazia com seus amigos (como o Conselheiro Becker) e familiares (como sua irmã Carlota). Seus correspondentes mais assíduos são Dr. Stapf, Dr. Gross, Dr. Franz, Dr. Hartmann, Dr. Rückert, Dr. Aegidi, Dr. Wislicenus, Dr. Hering, Dr. Brunnow, Dr. Jahr e o botânico Böenninghausen.
Em 1829, aos 74 anos, celebrou-se em Coethen o jubileu médico de Hahnemann, comemorando os 50 anos em que apresentara sua tese de fim de curso em Erlangen. O anúncio sai nos Arquivos de Medicina Homeopática. A cerimônia contou com mais de quatrocentos homeopatas vindos da Alemanha e de outros países para homenagear o grande mestre, a quem foi dedicado um busto esculpido pelo escultor Dietrich Junge, pelos seus alunos, amigos, pacientes e admiradores. O Dr. Stapf entrega-lhe um cofre de veludo vermelho contendo duas medalhas de ouro prata cunhadas com seu perfil e um livro especialmente mandado preparar com textos escolhidos dentre suas próprias obras. Depois, discursa para o mestre: “Desejamos que, com a ajuda destas páginas, possa reencontrar o espírito dos dias passados. Esperamos que possa regozijar-se com o que realizou e com aquilo por que combateu com seu trabalho, agora coroado de glória e de afeto.” Dentre as homenagens, recebeu um diploma de honra da Faculdade de Erlangen, presentes e uma carta pessoal do duque e da duquesa de Coethen, com agradecimentos e felicitações. Nesta ocasião foi feita uma coleta entre os médicos, que resultou numa considerável quantia, que foi destinada à criação de um hospital homeopático. Decide-se reunirem-se todos os anos à mesma data, 10 de agosto, o que configura a primeira associação homeopática. A alegria de Hahnemann foi tamanha! Em cartas a alguns de seus alunos, escreve agradecendo e manifestando a alegria pelo reconhecimento dado ao seu trabalho e à Homeopatia, que se fundem num só.
Em 1830, alguns dias antes de completar 75 anos, perde aquela que foi sua companheira nas mais difíceis e desesperadas jornadas pelas quais Hahnemann passou. Sua esposa, Henrietta, falece após um mês sofrendo de uma grave infecção pulmonar. Estiveram casados por 48 anos, e Hahnemann mergulha numa tristeza imensa, e escreve a Stapf: “Depois de largo sofrimento, adormeceu nos meus braços em 31 de março, pouco depois da meia-noite, com uma expressão descansada, e assim entrou na eternidade. No que me toca, sempre considerei, na minha casa, cada parte da minha mulher como o acontecimento mais importante da minha vida.”
Mais tarde, diversos homeopatas vieram criticar Henrietta, por seu caráter autoritário, sua rigidez no controle das finanças da família, seu humor ácido ao se referir às dificuldades financeiras do casal. Ora, quem enfrentara junto todas as dificuldades inerentes ao fato de ser casada com um médico que não tinha paradeiro certo, que primava pela obstinação e pela polêmica com os colegas, que tornavam sua vida profissional praticamente impossível? Criou dez filhos com tremendas dificuldades materiais, mas manteve-se sempre ao lado e dedicada a este homem revolucionário. Com pouco, fez muito. Ao morrer, Henrietta deixa em testamento todos os bens que estavam em seu nome a suas filhas que, através de escrituras, renunciam a esta herança em favor do pai.
Hahnemann passa muito tempo mergulhado no luto da perda da querida esposa. Está triste, chora, desenvolve uma febre que o obriga a ficar de cama por vários dias, deixando-o sem trabalhar por um tempo. Neste mesmo ano, em agosto, já com 75 anos, perde seu amigo e protetor, o duque Ferdinando. É outra perda importante! Ele emagrece, fica abatido durante todo este ano. Vive com suas filhas Carlota, a mais velha que não casou-se, e Luísa, que voltou à casa dos pais após separar-se. Após um certo tempo, ele volta a atender.
Em 1831, aos 76 anos, Hahnemann já recuperara o vigor físico e intelectual, trabalha bastante, atendendo em seu consultório, nas casas de alguns pacientes e também muitas vezes por correspondência. Este é o ano que a epidemia de cólera, que começara em 1817 na Índia, chega à Europa, facilitada pelas más condições de higiene e a falta de esgotos. A epidemia é avassaladora, mata mais de quatrocentas mil pessoas na Alemanha, o mesmo número na Rússia, cem mil na França e outro tanto na Espanha. A medicina oficial recomenda a sangria, o que, hoje se sabe, agrava muito a desidratação, sendo a provável responsável pelo número tão alto de mortes. Hahnemann publica quatro livretos dedicados ao tratamento da cólera:
- Tratamento Curativo da Cólera
- Carta a Propósito do Tratamento Curativo da Cólera
- Tratamento e Erradicação da Cólera Asiática com as Regras de Higiene Homeopática
- Aviso aos Filantropos sobre o Modo de Contágio da Cólera Asiática
Ele abre mão dos direitos autorais destas obras, seu único objetivo é servir aos seus concidadãos que sofrem muito com a epidemia. Nestes livretos a primeira indicação é a higiene dos doentes, dos acompanhantes, das casas, além de uma boa ventilação. Ele menciona que a cólera é transmitida por germes infinitamente pequenos, invisíveis, o que seria confirmado 67 anos depois por Robert Koch. Nesta situação, ele abre uma exceção à necessidade de individualização de cada doente, criando o conceito de “Gênio Epidêmico” ou “Similitude de Grupo”, aplicável a doenças epidêmicas, cuja variabilidade de sintomas é muito pequena nos doentes por elas acometidos, requerendo medicamentos comuns ao conjunto do grupo. Ele recomenda para tal epidemia três remédios: o Veratrum album, a Camphora e o Cuprum metallicum. O resultado do tratamento homeopático é incontestável. Por exemplo, em Raab, de 1.655 doentes com cólera, 1.501 foram tratados com sangrias, morrendo 821, e 154 com homeopatia, morrendo apenas 6! Uma proporção de 50% de mortalidade nos que usaram alopatia contra 3% dos tratados pela homeopatia. Estes e outros resultados durante esta epidemia impressionam tanto que até um padre de renome da Catedral de Viena, faz um discurso em seu sermão pregando o uso da Homeopatia, que ainda estava proibida na Áustria. Vários médicos na Europa passam a usar a Homeopatia para tratar a cólera, sempre com muito sucesso. Este sucesso trará autorização oficial para o exercício da Homeopatia em diversos países.