Artigo originalmente publicado na Revista Personare.
O filme Alice no País das Maravilhas, na versão de Tim Burton, além de sua excepcional beleza que, graças ao efeito 3D, nos toca quase que literalmente, nos proporciona uma importante reflexão sobre a Crise de Identidade. Arquetipicamente esbarramos com ela na passagem da adolescência para a vida adulta.
Enquanto em algumas sociedades tribais os jovens precisam passar por lutas ou serem largados numa floresta, em nossas sociedades ocidentais encontramos metáforas dessas lutas e aventuras dentro de florestas desconhecidas. O final de faculdade e a procura por um emprego geralmente se assemelham bastante à sensação de estar perdido no meio de uma floresta. Precisamos demonstrar habilidades que ainda não estamos bem certos de possuirmos. Alice se vê diante de uma escolha ‘profissional’ (afinal ser esposa era praticamente uma profissão para as mulheres daquela época), ao ser proposta em casamento por um jovem rico e sem graça. Este é o momento em que ela percebe que sua vida adulta está batendo à sua porta, e sua Crise de Identidade começa.
Alice cai num buraco muito fundo, suas certezas da adolescência ficam todas em suspenso, uma sensação de estar no vácuo. Afinal, a adolescência é uma época de dúvidas, mas costumamos mascará-las com ideologias que buscamos desesperadamente. Agora, as ideologias precisam passar por um choque com a realidade. Ser adulto implica em buscar a sua própria verdade e não emprestarmos uma de alguma ideologia, por mais sublime que seja. E a sua verdade pode não ser tão sublime assim, afinal nossa personalidade está povoada por elementos de luz e de sombra.
Alice se vê diante dessa crise e nem sabe se é ‘a Alice’! Põe-se numa jornada de exploração, típica do início da vida adulta, em que viajamos muito, conhecemos muitas pessoas diferentes (saindo daquele esquema do ‘meu grupo’ tão comum na adolescência), trabalhamos em vários lugares diferentes, ou seja, buscamos conhecer o mundo como ele é. Recebemos ajuda de pessoas mais velhas e experientes, como o Chapeleiro Louco fez com Alice.
Ao fim da exploração, Alice se vê diante do Jaguadarte (uma espécie de dragão) e, principalmente, diante do último fio de convicção ideológica que guarda de sua adolescência: ‘Eu não sou capaz de matar’. Cada vez é mais comum nos agarrarmos aos traços de nossa adolescência, até mesmo pelo excessivo valor que é depositado à imagem da adolescência pelos meios de comunicação. Um exemplo disso é o fato, cada vez mais comum, de ficar morando com os pais por muitos anos depois de adultos. E o comportamento em casa de quem mora com os pais é de adolescentes, geralmente sem qualquer responsabilidade. Quando Alice corta a cabeça do monstro, ela diz adeus à adolescência e se posiciona como mulher adulta que sabe que é Alice e que pode muito mais do que a imagem de lourinha fragilzinha pode fazer supor. Ela se torna Independente, que é aquilo que buscamos através de nosso desenvolvimento desde o momento em que nos colocamos de pé e aprendemos a andar. Aí começa uma nova jornada!