O que você faz com seus talentos?

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Na metodologia do Trabalho Biográfico dividimos a vida em períodos de 7 anos, que chamamos Setênios. Esta divisão tem um propósito didático, mas contém em si uma sabedoria, já conhecida dos antigos filósofos gregos, que primeiro propuseram esta divisão. Cada passagem de setênio é marcada por acontecimentos que levam a vida para uma direção diferente. Às vezes esses acontecimentos são externos, fatos verdadeiramente, mas muitas vezes são internos, mudanças de nossa percepção em relação ao mundo. Sejam internos ou externos, esses acontecimentos provocam crises na nossa existência.
Por volta dos 28 anos, às vezes um pouco antes ou um pouco depois, vivemos a Crise dos Talentos. Até os 21 anos fomos educados, e no início da vida adulta experimentamos o que aprendemos em nossa vida pessoal, amorosa e profissional, muitas vezes de forma impulsiva, guiados mais pelos sentimentos e sensações do que pela razão. Chegando aos 28 anos, estamos desenvolvendo mais o pensamento racional, e cada decisão passa a ser muito mais pesada e medida do que apenas sentida. Muitas pessoas dizem que “agora a juventude acabou”, e buscam situações mais estáveis na vida. Por exemplo, se você mudou muito de emprego, sempre seguindo as propostas e possibilidades de aprender algo novo, agora já buscará estabelecer um momento mais estável na sua carreira, seja através de um emprego ou mesmo por conta própria. Não estou falando de arrependimento em relação às mudanças do início da vida adulta, já que essa multiplicidade de experiências fez com que você desenvolvesse múltiplos talentos.
E a Crise dos Talentos leva você a pensar: “saí pelo mundo, pela vida, vivi muitas situações, aprendi muita coisa, desenvolvi muitos talentos mas… e agora? O que eu faço com meus talentos daqui para a frente? Sobre quais talentos eu quero trabalhar para que se desenvolvam mais e possam tornar-se uma faculdade em minha vida? Quais talentos preciso deixar de lado, totalmente ou pelo menos parcialmente, por não me servirem mais ou não me interessarem mais?”
Muitas vezes a Crise dos Talentos aparece como um questionamento de suas próprias capacidades. Em minha vida, apareceu entre os 28 e os 29 anos. Eu trabalhava como médico homeopata e pediatra em uma cidade muito pequena, perto de Nova Friburgo, e era o único homeopata da cidade. Tinha muitos clientes, ganhava bem, tinha um nome respeitado, mesmo sendo tão novo e estar formado há apenas 5 anos. Já não precisava mais dar plantões, passeava nos finais de semana com a família, viajava frequentemente. Tudo de bom! Aí começou o comichão… Eu me questionava se era realmente um bom médico homeopata ou se fazia sucesso por ser o único na cidade, tipo ’em terra de cego quem tem um olho é rei’. Resolvi mudar para Friburgo e começar a trabalhar lá, já que é uma cidade muito maior, e tem uma tradição em termos de homeopatia, sempre com muitos médicos homeopatas (proporcionalmente à população, tem mais homeopatas que a maioria das capitais). Logicamente mantive alguns dias no antigo consultório, não foi um salto sem rede de proteção, mas aos poucos fui aumentando meus horários no consultório de Friburgo, e tudo deu certo. Eu tinha talento pra coisa! Daí começou uma nova fase em minha vida, com novas possibilidades (o contato com a Antroposofia começou aí, aos 28 anos, através de uma amiga de Friburgo).
Esta Crise dos Talentos muitas vezes é deflagrada por alguém, um amigo ou alguém que passa batido pela nossa vida, que fala alguma coisa e cria esse comichão. Pode ser também um livro, um filme, mas sempre levando a um profundo questionamento do que fazer com os talentos que conquistamos até então.
Observe na sua história, se você já passou dessa idade, o que pode ter sido essa Crise dos Talentos. E, se você ainda não chegou aos 28 anos, esteja de olhos e ouvidos abertos para os questionamentos que vão surgir nesta fase. Eles vão lhe trazer uma certa angústia, afinal a palavra ‘crise’ não é retórica, mas você vai entrar num novo rumo em sua vida, num crescimento pessoal muito recompensador.

Marcelo Guerra

Artigo originalmente escrito para a Revista Personare.

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