O mar oferece um horizonte absolutamente plano, mas é impossível sustentar-se nele.
Pequenos gestos podem representar muito para alguém. Às vezes quem o fez logo esquece, mas quem o recebeu pode não esquecer jamais. Esse gesto pode ser algo bom ou algo ruim. Quando é algo desagradável, quem não esquece fica amarrado nas cordas do rancor, da mágoa. Quando o gesto é positivo, o não esquecer significa gratidão.
Minha filha mais nova hoje completa 11 anos. Quando ela tinha 1 ano, fizemos uma viagem a Salvador, toda a família junto, andando como bando pelos pontos turísticos. Num desses passeios, fomos ao Mercado Modelo, e estávamos na praça ao lado, de frente para o Elevador Lacerda, onde há artesãos vendendo seus produtos e mulheres que fazem tererê no cabelo dos turistas. As meninas mais velhas, na faixa de 8 anos, queriam enfeitar o cabelo, e paramos numa dessas barracas. A pequenininha já andava, e ia de mão dada, ora comigo, ora com a mãe, ora com a avó, ora com a tia, ora com um dos irmãos mais velhos. De repente, pergunto com quem ela está, e ninguém sabe responder. Entre a praça e o Elevador Lacerda há uma rua de grande movimento de carros e ônibus.
Corremos naquela direção e logo a vimos, de mãos dadas com um garoto, vindo em nossa direção. Ele explicou que ela ia atravessar a rua sozinha, e ele lhe deu a mão e trouxe de volta. Ficamos com vergonha pela negligência e felizes e aliviados por estar tudo bem, mas mais do que isso, ficamos muito agradecidos àquele menino que agiu como um anjo, que aparece do nada e faz o que é certo, sem importar a quem! Ele vendia cabaças, que compramos aos montes, sem nem saber para quê.
Hoje fomos tomar um café da manhã no Superpão para comemorar o 11º aniversário. No final, a abracei e disse no seu ouvido: “Sou muito feliz por você existir e ser minha filha.” E ela respondeu:”Se não fosse o carinha de Salvador…”
Pode uma resposta intelectual acalmar os sofrimentos da alma?
Como adultos, passamos diariamente por situações de estresse, maiores ou menores. Elas podem aparecer no trabalho, na rua, ou em casa. Alguns reagem ao estresse com alterações no humor, tornando-se mal humorados e tristes; outros com alterações na sua saúde psíquica, desenvolvendo doenças como depressão, transtorno de ansiedade, síndrome do pânico, conflitos em relacionamentos, insônia; outros ainda adoecem fisicamente, com doenças que habitualmente são classificadas como psicossomáticas, como a doença do intestino irritável ou certos casos de asma. Ainda há um grupo de pessoas que desenvolve doenças que até pouco tempo acreditava-se que fossem puramente orgânicas, como diabetes, hipertensão, arteriosclerose. Contudo, há um grupo de pessoas que, sob o peso das mesmas situações de estresse, não adoece nem física nem emocionalmente. Essas diferenças atraíram a atenção do Neurobiólogo canadense Michel Meaney, da Universidade McGill, em Montreal. Suas pesquisas indicam que as diferentes reações ao estresse são condicionadas na infância. Conflitos familiares constantes, abusos físicos ou sexuais em crianças, uma educação muito severa ou negligência nos cuidados ou na educação que a criança precisa, são fatores que predispõem o futuro adulto a adoecer com mais facilidade, tanto mentalmente como fisicamente. Há um fator genético também envolvido, mas as experiências da infância são determinantes. A criança passa não só por um crescimento em tamanho, mas pelo amadurecimento de seus órgãos internos. O sistema nervoso central e o sistema endócrino, com suas glândulas e hormônios, estão em formação e são muito afetados pelas experiências dolorosas da infância. Essas experiências marcam a forma de reação ao estresse, como uma informação que fica impressa no corpo, e se repete sempre que a pessoa se encontra diante de situações que inconscientemente têm relação com os sofrimentos da criança. Daí que muitas reações ao estresse parecem infantis, porque é a criança machucada que está atuando! Quando o adulto, por um trabalho terapêutico, reconhece as feridas físicas e emocionais que a sua criança interior carrega, ele dá o primeiro passo no sentido de acolher esta criança que ele foi e libertar sua vida de adulto daquelas reações infantis, permitindo-se viver como uma pessoa livre e responsável. Porque é uma prisão reagir sempre da mesma maneira ao que acontece em nossas vidas e, quando podemos deixar de agir conforme o padrão e mesclar o pensar e o sentir antes de agir, esta é a maior liberdade que podemos almejar!
E chegamos a Meißen, cidade onde Hahnemann nasceu e viveu até os 14 anos. A cidade é bem pequena e guarda características ainda do século XIX. Logo estacionamos bem perto do colégio onde Hahnemann estudou, o Sainkt Afra, que fica entre a igreja e um seminário teológico com o mesmo nome. Fotografei o pátio e, principalmente, o portal por onde os alunos passavam para entrar para as salas de aula, e está escrito SAPERE AUDE [Ousa Saber]. Hahnemann usou isso como lema em toda a sua vida, e escreveu na página de abertura do seu livro mais importante, O Organon da Arte de Curar.
Foi muito emocionante estar neste lugar onde há mais de 200 anos andava todos os dias um menino que revolucionaria a medicina!
Depois fomos procurar a casa onde ele nasceu. Nela nao pudemos entrar, hoje funciona uma reparticao da justica, e nao sao permitidas visitas. Mas ha uma inscricao na parede um busto dele. De certa forma a casa em que ele nasceu delimita a parte preservada da cidade, pois do outro lado da rua principal foi construido um shopping center, pequeno, de acordo com o tamanho da cidade.
Almocamos um dönner, um sanduiche turco que existe em todo lugar que fomos. Muito bom! Hahnemann, que se interessava pelas diferentes culturas do mundo, teria adorado essa invasao turca em sua cidade.
Fomos ver a porcelana de Meißen, tao famosa, mas caríssima!!!!!!
Voltamos para Leipzig.
“Não existem doenças, existem doentes.”
Em 1832, aos 77 anos, diante do enorme sucesso que a Homeopatia vem angariando, seus opositores contra-atacam. Um certo Dr. Kaiser pede a interdição das 4 obras de Hahnemann sobre a cólera, alegando que determinadas passagens são ofensivas aos médicos. O duque Henrique, que sucedera o duque Ferdinando, não é simpático à Homeopatia como seu antecessor e repreende Hahnemann por manipular medicamentos, privilégio que lhe fôra concedido oficialmente, e proíbe a venda dos livretos sobre a cólera no ducado.
Somou-se a este problema profissional uma nova dor no âmbito pessoal. Sua quinta filha, Frederica, é assassinada em Leipzig, onde vivia sozinha após enviuvar de seu segundo marido. Sua casa foi assaltada e ela foi morta no jardim. Este fato o abate muito, mas não se permite parar com suas atividades.
Em julho deste ano recebe o Dr. Gottfried Lehmann, um médico de 43 anos, com sua esposa e suas duas filhas. Ele próprio exercia a Homeopatia, mas vem consultar o mestre a respeito da saúde de sua esposa. Há uma simpatia mútua entre os dois médicos e Hahnemann o convida para ser seu assistente, assoberbado que estava com o grande afluxo de pacientes vindo de toda a Europa. A escolha foi muito feliz, mas mesmo assim ambos não davam conta do afluxo crescente de pacientes.
Hahnemann divide seu tempo entre o consultório e a revisão que faz do Organon para lançar a sua 5ª edição, a última publicada em vida. Nesta edição introduz a noção de “Força Vital” ou “Dynamis”, cujo desequilíbrio levaria à doença. O papel do médico é restabelecer o equilíbrio da força vital, através de um remédio que atue dinamicamente sobre ela.
Neste mesmo ano, o 1º hospital homeopático abre suas portas em Leipzig, apesar da sempre aguardada oposição do Professor Clarus. Havia dois grandes grupos trabalhando neste hospital, o de ‘homeopatas puros’ e os ‘semi-homeopatas’, estes últimos usavam a Homeopatia associada à alopatia. Hahnemann ficou muito preocupado com a possibilidade de usarem tratamentos alopáticos no hospital homeopático, e irritou-se muito ao descobrir que foram feitas sangrias lá dentro em uma filha de um fervoroso adepto da Homeopatia. Ele fez publicar um artigo arrasador contra os ‘semi-homeopatas’ do hospital no mais importante jornal de Leipzig, acusando-os de desonrar a Homeopatia. A direção do hospital foi assumida então pelo Dr. Schweikert, um ‘homeopata puro’.
Em 1834 Hahnemann, então com 79 anos, decide visitar o hospital, e o faz em companhia do seu assistente, o Dr. Lehmann, e suas filhas. Ele gostou tanto do que viu, que decidiu assumir a direção do hospital, o que levou ao afastamento da associação dos médicos de Leipzig, que o geria. Hahnemann o dirigia a partir de Coethen, de forma muito ditatorial, mantendo sob suas ordens o Dr. Schweikert, que saiu para a entrada de outro homeopata, o Dr. Rummel, que não permaneceu muito tempo nesta função, entregando a responsabilidade a um jovem médico chamado Dr. Ficker, de quem pouco se conhecia. As dívidas acumularam-se, e o Dr. Ficker revelou-se um verdadeiro impostor que mais tarde admitiu que seu único propósito era demonstrar a inutilidade da Homeopatia. Tratava os pacientes pela alopatia e, aos doentes que exigiam remédios homeopáticos, dava açúcar puro. Durante sua gestão, escreveu numerosos artigos em revistas médicas, denegrindo a imagem da Homeopatia. Vários outros prepostos passaram pela direção do hospital, que fechou suas portas em 1842, após dez anos de existência tumultuada. Note-se que Hahnemann foi bastante indiferente aos rumos que o hospital seguia, estranho para quem sempre envolvia-se de forma muito apaixonada em tudo.
Em outubro de 1834, ainda com 79 anos, Hahnemann recebe para consulta uma mulher francesa de 30 anos, chamada Mélanie d’Hervilly, que estava deprimida pela morte de vários amigos e não achava cura em Paris. Decidiu consultar-se com o velho mestre após ler o Organon, recentemente traduzido para o francês. Realizou uma longa, desconfortável e perigosa viagem até Coethen, vestida de homem, talvez por razões de segurança. E é assim, vestida de homem, que chega a Coethen, escandalizando os seus habitantes.
Ela ficou hospedada na casa de um morador da cidade e consultava-se com Hahnemann todos os dias. As consultas são em francês, e tornam-se conversas sobre a medicina, que Mélanie sempre admirara. Após três meses, a francesa está curada e Hahnemann, apaixonado.
Suas duas filhas que com ele residem e seus amigos não nutrem o menor entusiasmo pelo que está acontecendo, mas não conseguem impedir que Hahnemann a peça em casamento, que é realizado em 18 de janeiro de 1835, em Coethen, na própria casa de Hahnemann, na presença das duas insatisfeitas filhas e dos amigos que se opunham a esta união. Ficaram morando nesta casa, e Carlota e Luísa mudaram-se para a casa ao lado, comprada por Hahnemann.
Luísa, a filha mais nova, escreveu-lhe uma carta numa tentativa inútil de demovê-lo da idéia do casamento incomum:
“Pai muito amado, ouça-me.
Quando penso na minha abençoada mãe, nas suas qualidades, nas suas virtudes, parte-me o coração.
Viveu ao seu lado durante quase 48 anos, com uma fidelidade constante, educando consigo dez filhos, nas piores condições materiais, vagueando consigo pelo mundo, vítima das abomináveis perseguições dos inimigos da homeopatia.
Foi sempre alegre, voluntariamente sacrificando por si até a última moeda, mas estando sempre bem arrumada, elegante, dona de casa atenciosa, a fim de preservar sua tranqüilidade e a de seus filhos.
Ajudou-o de todas as maneiras e com todas as suas forças para permitir-lhe suportar penas e sofrimentos. Tratou-o quando esteve doente e assumiu os mais terríveis ataques com dignidade. Ensinou aos filhos o respeito que lhe é devido. Honra lhe seja feita! Com a nossa mais viva afeição por ela.”
Na véspera do casamento, Hahnemann foi a um cartório e fez um testamento transferindo seus bens e patrimônio para seus filhos e netos, resultando uma quantia muito boa para cada um deles.
Chegaram felicitações pelo casamento de vários países europeus. Alguns jornais da Saxônia publicaram notas irônicas sobre o fato, como esta: “O célebre pai da Homeopatia, Dr. Hahnemann, voltou a casar em 18 de janeiro, já entrado no seu octogésimo ano, para mostrar ao mundo o vigor que seu sistema lhe dá. O ‘jovem’ ainda está robusto e desafia portanto os médicos alopatas. Tente fazer o mesmo, se puder.”
Mélanie convenceu-o de que para assegurar a difusão mundial da Homeopatia, era preciso ir para Paris, “a cidade-luz”. Assim, seis meses após casarem-se, já com 80 anos, Hahnemann e sua nova esposa mudam-se para Paris. Carlota e Luísa ficaram sozinhas na velha casa de Coethen, tristes, pobres e magoadas, sentindo-se abandonadas pelo pai. Um mês antes da partida, Hahnemann volta ao cartório e redige um novo testamento, em que Mélanie é a herdeira universal, e seus filhos dividiriam seus móveis, arquivos médicos, livros e objetos. Carlota morrerá em 1862, e Luísa ficará ainda mais solitária, e receberá a visita de Constantino Hering em 1872, a quem se queixará com amargura desta situação que teve que viver.
Hahnemann e Mélanie instalam-se num pequeno apartamento no centro de Paris, onde vai morar também o tutor de Mélanie, e que ela já reservara antes de ir a Coethen, já prevendo o sucesso de sua empreitada. Algumas semanas mais tarde mudam-se para uma casa espaçosa próxima aos jardins do Luxemburgo, onde Hahnemann vai passear freqüentemente. A Homeopatia chegara à França há 5 anos, e já estava presente em várias cidades. A Sociedade Homeopática de Paris tinha como grande incentivador o Dr. Curie, avô de Pierre Curie, que viria a ser o descobridor do rádio juntamente com sua brilhante esposa Marie Curie. Dois jornais médicos dedicados à Homeopatia já circulam na França. Em agosto, Hahnemann obtém autorização para clinicar em Paris emitida pelo ministro da educação e saúde, o professor Guizot, e pelo rei Luis Felipe. Esta autorização havia sido solicitada em fevereiro, enquanto ainda moravam em Coethen, por Mélanie, sem que Hahnemann ainda pensasse em mudar-se para Paris.
Obviamente, os opositores da Homeopatia manifestaram-se, a partir da academia de medicina, pedindo o banimento da Homeopatia da França. O ministro Guizot respondeu num discurso na tribuna da câmara:
“Hahnemann é um sábio de grande mérito. A ciência deve estar a serviço de todos. Se a Homeopatia é uma quimera ou um sistema sem valor próprio, cairá por si só. Se, pelo contrário, é um progresso, espalhar-se-á apesar de todas as nossas medidas de preservação, e é o que a Academia deve desejar, antes de qualquer outra pessoa, jé que é sua missão fazer avançar a ciência e encorajar as descobertas.”
Cabe ressaltar o fato de que Guizot também era maçom, e isto provavelmente pesou nas decisões favoráveis a Hahnemann. Mélanie também era muito bem relacionada na sociedade parisiense, o que abria muitas portas. E os médicos alemães estavam na moda na Paris de então.
Entre 1834 e 1837, começando em Coethen e depois prosseguindo em Paris, Hahnemann tratou do marquês d’Anglésea um dos heróis das guerras napoleônicas. Ele perdera uma perna na batalha de Waterloo e depois desenvolveu uma nevralgia facial que nenhum médico conseguia solucionar. O marquês ficou totalmente curado pelo tratamento de Hahnemann e esta cura foi considerada quase um milagre em toda a Europa, trazendo uma reputação muito grande para a Homeopatia e seu fundador. Outra cura espetacular foi a de um garoto escocês de 12 anos, que após dois anos de tratamentos alopáticos diversos, foi considerado incurável. Uma rica senhora o levou a Hahnemann, que curou-o após nove meses de tratamento homeopático.
Hahnemann foi convidado para fazer parte da Sociedade Galicana (destinada a defender a autonomia dos bispos franceses em relação ao Papa), e para esta ocasião redigiu um discurso que terminava com a frase: “A Homeopatia estará sempre em primeiro plano no meu combate…” Foi nomeado presidente honorário vitalício e recebeu uma medalha com sua efígie e dois bustos esculpidos a mando dos homeopatas parisienses, um em bronze e o outro em pedra.
Sua vida em Paris consiste de consultas, conversas com os colegas, homenagens e discussões científicas. Mudam-se para uma casa ainda maior, num bairro da moda em Paris. Mélanie o ajuda nas consultas, e ela mesma também dá consultas, mesmo ilegalmente. Os pacientes fazem fila à porta de seu consultório arrumado de forma austera e modesta, diferentemente do restante de seu palacete. Ele atende nobres, burgueses, artistas, políticos, jornalistas. Hahnemann desfruta de uma celebridade nunca antes imaginada. Os honorários eram fixados de acordo com a situação financeira de cada um: os pobres não pagavam nada e os ricos pagavam bem.
Hahnemann e Mélanie atendiam até as seis horas, e depois jantavam juntos. Às segundas-feiras à noite recebia os médicos homeopatas para discutirem Homeopatia, às quintas ia à ópera ou ao teatro com sua jovem esposa. Uma vez por mês recebiam a sociedade parisiense em sua casa.
Em 1837, com 82 anos, sofre um novo baque, ao receber a notícia de que sua nona filha, Eleonora, havia sido assassinada em Coethen. Havia a dúvida se fôra assassinato ou suicídio, pois um homem que estivera com ela horas antes do suicídio era um tabelião que foi chamado para redigir um testamento.
Em 1839, aos 84 anos, Hahnemann é homenageado pelo sexagésimo aniversário de sua tese de formatura em medicina. Sua filha Amália vai a Paris prestigiá-lo e tentar obter uma ajuda em dinheiro para ela e suas duas irmãs que ficaram em Coethen. Nesta ocasião, um jovem médico vindo de Lyon, Bento Mure, declamou um longo poema que escrevera para Hahnemann. Mure depois viria para o Brasil, introduzindo a Homeopatia em nossa terra. Aliás, Hahnemann interessa-se muito pelo desenvolvimento da Homeopatia em terras estrangeiras, como o Brasil, os Estados Unidos e a Inglaterra, interesse este comprovado na correspondência que troca com os médicos homeopatas destes locais.
Em 1840, aos 85 anos, Hahnemann empenha-se em preparar uma nova edição para o Organon, aproveitando seus horários vagos nesta tarefa. Em 1842, aos 87 anos, ele anuncia a um editor de Dusseldörf que a sexta edição está pronta. Esta sexta edição, contudo, só será publicada no século seguinte após muitas aventuras.
Em 1841, aos 86 anos, Hahnemann recebe o título de ‘cidadão honorário’ de Meissen, sua cidade natal, que lhe é entregue pelo embaixador da Saxônia em Paris. Hahnemann decide diminuir o ritmo de suas atividades médicas, deixando Mélanie substituí-lo cada vez mais nas consultas.
Ele deseja que, após a sua morte, Mélanie possa continuar clinicando como homeopata. Assim, em 1841, pede a Constantino Hering, que fundara um instituto que formava médicos homeopatas nos Estados Unidos, um desses diplomas para ela, mas não obteve qualquer resposta. No ano seguinte, o mesmo se deu, e só em 1843, decide atender ao pedido. Em agradecimento, Hahnemann envia um molde em gesso de seu busto para o instituto, mas o navio naufragou e tudo foi perdido.
Continua a escrever e fazer experiências e o último trabalho que escreve é o estudo de Arsenicum album que integra ao Tratado das Doenças Crônicas.
Em 1842, Hahnemann, aos 87 anos, recebe novamente o Dr. Frederico Quin para estudar Homeopatia por um ano, ao fim do qual voltou a Londres para inaugurar dois anos depois a Sociedade Homeopática Britânica e, em 1849, o Hospital Homeopático de Londres. Graças às relações com a nobreza que o Dr. Quin mantinha, a Homeopatia passou a ser a forma de tratamento preferida pela corte da Inglaterra, o que persiste ainda hoje.
Em 1843, aos 88 anos, Hahnemann sofre mais intensamente com problemas pulmonares, alimentados pelo seu tabagismo. Como todos os médicos, ele automedica-se. Depois, recorre a um de seus mais fiéis alunos, o Dr. Chatman. Mélanie o mantém isolado, provocando boatos de que já estaria morto. Suas filhas são avisadas em Coethen, e Amália volta a Paris, acompanhada de seu filho de dezessete anos de idade, Leopoldo Suss, futuro médico homeopata. Mélanie não deixa que eles vejam Hahnemann, só liberando sua entrada nos aposentos algumas horas antes de sua morte, porém este já não reconhece a filha e o neto. Percebendo que sua morte era inevitável, ele manifesta a Mélanie o desejo de que em sua sepultura seja inscrita a expressão ‘Non inutilis vixi’ (não vivi em vão), mas ela não o cumpriu. Ela disse-lhe, tentando confortá-lo, que por ter aliviado e curado tantas pessoas e ter passado por tantas dificuldades na vida, a Divina Providência cuidaria para que ele não sofresse mais. Ele respondeu imediatamente: “Para mim, por que para mim? Cada um neste mundo trabalha de acordo com os dons e possibilidades que recebeu da Divina Providência. Deus não me deve nada. Eu devo muito a Deus.” Morre às cinco horas da manhã, no dia 2 de julho, nos braços de Mélanie.
No dia seguinte, o falecimento é anunciado na câmara do distrito pelos Drs Jahr e Croserio. Seu corpo é embalsamado e fica em casa por alguns dias, onde familiares e discípulos vêem prestar uma última homenagem. Mélanie recebe permissão da polícia para manter o corpo de seu marido em casa por alguns dias. Na manhã de 11 de julho de 1843, seu corpo é transportado para o cemitério de Montmartre, numa cerimônia simples, sem flores, sem coroas, sem discursos, sem bênçãos, na presença apenas de Mélanie, Amália, Leopoldo e um jovem farmacêutico, sobrinho do tutor de Mélanie.
É de notar-se que Hahnemann ficou célebre como o pai da Homeopatia, ofuscando diversas outras facetas importantes da reforma médica que ele propunha e que frutificaram, como o tratamento psiquiátrico humanizado, a necessidade da medicina basear-se na experiência, a importância da química, e o valor de uma dieta balanceada, exercícios físicos, ar puro, instalações sanitárias, descanso adequado e alegria para a saúde. Muito da moderna medicina, mesmo a alopática, deve-se a estas noções que Hahnemann introduziu, e a história não lhe creditou.
Os jornais pouco noticiaram sobre seu funeral, mas destaca-se uma nota no Jornal dos Debates:
“Não seguiremos Hahnemann nas diversas fases de sua longa carreira, mas qualquer que seja a opinião que se tem de suas doutrinas, não podemos deixar de reconhecer que ele ostentou na perseguição de sua idéia uma perseverança inabalável, sustentada por uma convicção forte e profunda, unida ao coração mais verdadeiro, à alma mais dedicada.”
Marcelo Guerra Ferreira de Souza, Médico Homeopata.
2º dia
Logo que estávamos chegando a Berlin, no voo vindo de Madrid, me chamou a atenção o verde em torno e dentro da cidade. A segunda coisa que admirei foram as dezenas de cataventos para captação de energia eólica. Enquanto no Brasil isso é apenas um tema de masturbação mental, a Alemanha investe pesado nessa energia limpa e desmancha o seu esquema de energia nuclear, no qual eles também foram pioneiros.
Quando o avião vai descendo, a arquitetura da cidade salta aos olhos. Os prédios são baixos e têm uma arquitetura própria. Gostei muito. O aeroporto me pareceu pequeno e apertado para uma capital. Um mundo de gente esperando as malas na esteira, do meu voo, de Paris e de outro lugar que não me lembro mais. Ao sair, o guarda pediu para ver a bolsa de mão de Andréa que eu estava puxando. Foi super educado e gentil, talvez depois que disse que era do Brasil. O assunto logo foi pro futebol, que era o assunto de 99% dos alemães ontem. E o Bayern de Munique perdeu nos pênaltis…
Pegamos o carro alugado, um Hyundai i20. Muito bom, confortável, fácil de dirigir. Pegamos a estrada e viemos para Leipzig. Enfiei o pé no acelerador para fazer de conta que sou o filho do Eike, mas só cheguei a 160km/h. Pra fazer de conta melhor, eu precisava alugar uma Ferrari… A estrada era excelente, mesmo correndo não há sensação de medo, mas quando eu olhava o velocímetro, tirava um pouco o pé.
Com essa velocidade toda, rapidamente chegamos a Leipzig. Aí começou a perdição! Nos perdemos várias vezes, lamentei não ter pago €140,00 pelo aluguel do GPS. E foi escurecendo, o jogo acabou, as ruas foram ficando desertas com a ressaca pós-derrota, e eu fui ficando com medo. Bique com fome, com sono, começou a ficar nervoso. Depois de uma rápida discussão, ele tomou informação com uma taxista que consegui explicar como a rua que chegava aqui no Hotel. Só pra falar o nome da rua, Zschochescher, já dava vontade de chorar. O mapa com microletras a prova de quem tem mais de 40… Ele foi acompanhando o mapa e chegamos, depois de umas três horas rodando pela cidade. Leipzig é bem maior do que esperava! Passamos pelos pontos turísticos umas 6 vezes!
Chegamos no hotel e tudo por perto estava fechado, até as lojistas de conveniência dos postos de gasolina. Arriscamos e voltamos no caminho ara o centro, já passava de meia-noite. Só faltou jogarmos migalhas de pão pelo caminho. Mas se a gente tivesse pão, teríamos comido… Quase no centro, achamos um posto aberto, compramos sanduíches, água e Coca-Cola, e voltamos rapidamente, antes que aquele portal mágico que nos levava ao hotel se fechasse novamente.
Comemos, tomamos banho e fomos dormir 2 horas da manhã, 21h no Brasil.
Hoje acordamos 8h, tomamos café da manhã no restaurante do hotel, muito bom por sinal, e saímos para nossos compromissos culturais.
Achamos o caminho de primeira, Bique trabalhando como GPS, olhando o mapa e os nomes nas placas na rua. Fomos assistir um concerto na Mendelssohnhaus, ou seja, a casa onde Mendelssohn viveu e foi transformada posteriormente em museu. Sentamos na sala e imediatamente antes de começar, vi um grupo chegar e achei que um homem que chegou parecia com Afonso Romano de Sant’Anna. Mas achei que era mais fácil ser um turco. Depois do concerto, estava fotografando e um casal estava conversando em português. Falei com eles, e eles faziam parte de um grupo de BH que estava excursionando pela Alemanha, seguindo os passos de Bach, desde Frankfurt, até Hamburgo. Achei muito interessante, eu seguindo Hahnemann e eles, Bach. E é claro, era Afonso Romano de Sant’Anna e Marina Colassanti. Não posso viajar que sempre encontro um mineiro. Em 1997, estava em Kathmandu, e encontrei também um grupo de MG.
Depois fomos a uma exposição sobre a história da divisão e reunificação das Alemanhas. A queda do muro me deu ideia para um artigo para a Personare. A história é de arrepiar. Acredito que a história da ditadura que está sendo resgatada no Brasil será de igual importância.
Seguimos para o almoço. Atrás do Gewandhaus, um teatro majestoso, há muitas ruas de pedestres com lojas e restaurantes, o Markt. Escolhemos um com o sugestivo nome de Número 1 das Batatas. Comemos bem! Um prato para 2 ou mais, com carne de boi, de porco e peito de peru, batatas coradas, legumes muito bem temperados no vapor e batatas recheadas com creme holandaise. E cerveja geladinha para acompanhar. Tudo delicioso!
Terminamos o dia assistindo um espetáculo do Leipziger Ballet, muito emocionante, alternando medo com amor com trsiteza com alegria! Perfeito final de dia!
1º dia: 18 de maio
Sai cedo de Friburgo, para almoçar em Niterói na casa da minha mãe. De lá saímos Andréa, Bique e eu de táxi para o aeroporto do Galeão às 14h. Como era sexta-feira e o Rio costuma engarrafar e eu já perdi um voo por causa disso, tomamos essa decisão de ir tão cedo.
Chegamos lá antes de 15h e o balcão de check-in da Iberia ainda estava fechado. Fui testar a conexão wifi com a senha do Paulão, e funcionou muito bem, embora um pouco lenta. Imaginei que a usaria na Alemanha, mas ficou só na imaginação.
O voo atrasou 4h. Se fosse uma empresa brasileira, todo mundo estaria quicando, mas era espanhola… se bem que eles deram logo um voucher para cada passageiro jantar no Demoiselle, o restaurante buffet do Galeão.
Deixando o stress para trás e indo para a aventura de conhecer os lugares onde Hahnemann viveu.
Avião apertado!!! Passageiro gordo! Como foi difícil dormir, mas fazia parte. Em Madrid, saímos rápido para ir à plataforma de onde saiu o voo para Berlin.
“Estamos trabalhando para o bem da humanidade.”
Em 1825, aos 70 anos, Hahnemann recebe novos ataques, um livro intitulado “Anti-Organon”, escrito por um certo Professor Heinroth, e outro chamado “Verificação do Sistema Homeopático”, pelo Professor Wedekind, ambos defendendo veementemente as sangrias, vomitórios e purgativos da medicina oficial. Hahnemann toma conhecimento do teor de ambos os livros, mas reage com indiferença. Em uma carta ao Dr. Stapf compara os ataques contra à Homeopatia à reação que a vacina recentemente desenvolvida por Jenner encontrava na Inglaterra: “Contei mais de vinte artigos a esse respeito que, neste momento, devem estar servindo de papel para embrulhar queijos nas mercearias!”
Neste mesmo ano, sua biografia cruza-se com a de outro homem que tornar-se-á uma figura de enorme importância na difusão da Homeopatia, Constantino Hering, nascido na Saxônia como Hahnemann. Em 1821, quando contava 21 anos e estudava medicina também na Universidade de Leipzig, um de seus mestres, o Dr. Robbi propôs-lhe fazer seu trabalho de conclusão de curso refutando os princípios da Homeopatia. Hering aceitou e começou a reunir a documentação para este fim. Enquanto dissecava um cadáver, picou-se no dedo com um fragmento de osso, o que era aterrorizante à época por não haver antissépticos eficazes, assim o risco de gangrena era enorme. Um médico que praticava a Homeopatia, recomendou-lhe tomar Arsenicum album e em poucos dias o dedo cicatrizou sem seqüelas. Ele convenceu-se com essa experiência pessoal, abandonou a tese hostil à Homeopatia e entrou em contato com Hahnemann para colocar-se à sua disposição, que respondeu-lhe para ser prudente e não deixar que os alopatas da faculdade soubessem que havia aderido à Homeopatia, pois provavelmente o teriam impedido de graduar-se, e depois de formado exercer livremente a Homeopatia. Como recusou-se a escrever o artigo refutando a Homeopatia, foi obrigado a transferir-se de faculdade. Depois partiu para o Suriname numa expedição científica financiada pelo príncipe da Saxônia, onde realizou patogenesias importantes que enriqueceram o conhecimento homeopático. Daí seguiu para os Estados Unidos, onde introduziu a Homeopatia. Hering e Hahnemann mantiveram uma correspondência abundante até a morte do mestre.
Em 1826, aos 71 anos, Hahnemann recebe o Dr. Frederico Quin, um médico que pertencia à nobreza inglesa, filho de uma duquesa, e que fôra tratado com sucesso pela Homeopatia em Nápoles. A conversa com o mestre não impressionou o jovem médico, que voltou a Londres para tornar-se um dos médicos da Rainha Vitória.
Em 1828, aos 73 anos, Hahnemann publica o Tratado das Doenças Crônicas, que já vinha escrevendo nos intervalos de suas consultas. Neste livro, o segundo pilar da Homeopatia, Hahnemann traz idéias revolucionárias. Sempre baseado na experiência clínica, Hahnemann percebe que a similitude, que ele trouxera ao mundo de forma sistematizada em seu Organon, não era capaz de curar todos os doentes. Alguns doentes tinham curas incompletas, outros apresentavam recaídas, outros não melhoravam nada. Isto desafia sua hipótese da similitude como lei terapêutica universal. Ele percebe que por trás da doença aguda que aflige o doente e o faz buscar tratamento, há uma outra coisa, que ele chama de “doença crônica” permanente, profundamente enraizada e que precisa ser tratada para que o doente possa ser tratado de maneira eficaz e definitiva. Este termo também foi chamado por ele de “miasma”, e os franceses posteriormente vieram a chamar de “terreno” ou “diátese”, nome que é preferido atualmente. Este miasma é o nosso modo de reagir aos agentes nocivos que nos acometem constantemente, e condiciona as doenças que vamos desenvolver a partir destas agressões.
Ele classifica os miasmas em três, baseado em suas observações clínicas. A sicose é um miasma que provoca formações tumorais, verrugas, corrimentos, hipertrofias em geral, e ele relaciona á exposição prévia à gonorréia. A luese é outro miasma, relacionado por ele a uma infecção anterior por sífilis, caracterizada por ulcerações e esclerose. O terceiro e mais importante miasma é a psora, proveniente de uma infecção prévia pela escabiose, é a mãe de todas as doenças, sendo condição para a existência dos outros miasmas, e é caracterizada por doenças alérgicas, doenças de pele, fraqueza, perturbações digestivas, doenças relacionadas por fraqueza da função de um determinado órgão ou sistema.
Ele apresenta uma lista enorme de sintomas ligados a cada um dos três miasmas e os correlaciona a alguns remédios, que ele percebe ter uma ação mais profunda do que outros, atingindo este nível miasmático. Dentre eles, destaca a Thuya como remédio preferencial da sicose, o Mercurius vivus para a luese e o Sulphur para a psora.
Após esta publicação, a Homeopatia sofreu uma importante guinada, deixando de tratar somente doenças isoladas e passando a também tratar o terreno que propicia o surgimento destas mesmas doenças. Percebe que muitas vezes uma doença aguda representa uma melhora do miasma predominante, um sinal de que o paciente está encaminhando-se em direção à cura, é a manifestação de uma força vital tentando restabelecer o equilíbrio perturbado.
Este importante tratado, no entanto, causou uma grande controvérsia entre os médicos homeopatas, que entenderam de forma simplificada a teoria sobre a psora ser a raiz de todas as doenças, considerando-a somente como a escabiose, o que consideravam inadmissível.
Desde o início de suas conferências em Leipzig Hahnemann sempre manteve uma extensa correspondência com seus discípulos, como já fazia com seus amigos (como o Conselheiro Becker) e familiares (como sua irmã Carlota). Seus correspondentes mais assíduos são Dr. Stapf, Dr. Gross, Dr. Franz, Dr. Hartmann, Dr. Rückert, Dr. Aegidi, Dr. Wislicenus, Dr. Hering, Dr. Brunnow, Dr. Jahr e o botânico Böenninghausen.
Em 1829, aos 74 anos, celebrou-se em Coethen o jubileu médico de Hahnemann, comemorando os 50 anos em que apresentara sua tese de fim de curso em Erlangen. O anúncio sai nos Arquivos de Medicina Homeopática. A cerimônia contou com mais de quatrocentos homeopatas vindos da Alemanha e de outros países para homenagear o grande mestre, a quem foi dedicado um busto esculpido pelo escultor Dietrich Junge, pelos seus alunos, amigos, pacientes e admiradores. O Dr. Stapf entrega-lhe um cofre de veludo vermelho contendo duas medalhas de ouro prata cunhadas com seu perfil e um livro especialmente mandado preparar com textos escolhidos dentre suas próprias obras. Depois, discursa para o mestre: “Desejamos que, com a ajuda destas páginas, possa reencontrar o espírito dos dias passados. Esperamos que possa regozijar-se com o que realizou e com aquilo por que combateu com seu trabalho, agora coroado de glória e de afeto.” Dentre as homenagens, recebeu um diploma de honra da Faculdade de Erlangen, presentes e uma carta pessoal do duque e da duquesa de Coethen, com agradecimentos e felicitações. Nesta ocasião foi feita uma coleta entre os médicos, que resultou numa considerável quantia, que foi destinada à criação de um hospital homeopático. Decide-se reunirem-se todos os anos à mesma data, 10 de agosto, o que configura a primeira associação homeopática. A alegria de Hahnemann foi tamanha! Em cartas a alguns de seus alunos, escreve agradecendo e manifestando a alegria pelo reconhecimento dado ao seu trabalho e à Homeopatia, que se fundem num só.
Em 1830, alguns dias antes de completar 75 anos, perde aquela que foi sua companheira nas mais difíceis e desesperadas jornadas pelas quais Hahnemann passou. Sua esposa, Henrietta, falece após um mês sofrendo de uma grave infecção pulmonar. Estiveram casados por 48 anos, e Hahnemann mergulha numa tristeza imensa, e escreve a Stapf: “Depois de largo sofrimento, adormeceu nos meus braços em 31 de março, pouco depois da meia-noite, com uma expressão descansada, e assim entrou na eternidade. No que me toca, sempre considerei, na minha casa, cada parte da minha mulher como o acontecimento mais importante da minha vida.”
Mais tarde, diversos homeopatas vieram criticar Henrietta, por seu caráter autoritário, sua rigidez no controle das finanças da família, seu humor ácido ao se referir às dificuldades financeiras do casal. Ora, quem enfrentara junto todas as dificuldades inerentes ao fato de ser casada com um médico que não tinha paradeiro certo, que primava pela obstinação e pela polêmica com os colegas, que tornavam sua vida profissional praticamente impossível? Criou dez filhos com tremendas dificuldades materiais, mas manteve-se sempre ao lado e dedicada a este homem revolucionário. Com pouco, fez muito. Ao morrer, Henrietta deixa em testamento todos os bens que estavam em seu nome a suas filhas que, através de escrituras, renunciam a esta herança em favor do pai.
Hahnemann passa muito tempo mergulhado no luto da perda da querida esposa. Está triste, chora, desenvolve uma febre que o obriga a ficar de cama por vários dias, deixando-o sem trabalhar por um tempo. Neste mesmo ano, em agosto, já com 75 anos, perde seu amigo e protetor, o duque Ferdinando. É outra perda importante! Ele emagrece, fica abatido durante todo este ano. Vive com suas filhas Carlota, a mais velha que não casou-se, e Luísa, que voltou à casa dos pais após separar-se. Após um certo tempo, ele volta a atender.
Em 1831, aos 76 anos, Hahnemann já recuperara o vigor físico e intelectual, trabalha bastante, atendendo em seu consultório, nas casas de alguns pacientes e também muitas vezes por correspondência. Este é o ano que a epidemia de cólera, que começara em 1817 na Índia, chega à Europa, facilitada pelas más condições de higiene e a falta de esgotos. A epidemia é avassaladora, mata mais de quatrocentas mil pessoas na Alemanha, o mesmo número na Rússia, cem mil na França e outro tanto na Espanha. A medicina oficial recomenda a sangria, o que, hoje se sabe, agrava muito a desidratação, sendo a provável responsável pelo número tão alto de mortes. Hahnemann publica quatro livretos dedicados ao tratamento da cólera:
Ele abre mão dos direitos autorais destas obras, seu único objetivo é servir aos seus concidadãos que sofrem muito com a epidemia. Nestes livretos a primeira indicação é a higiene dos doentes, dos acompanhantes, das casas, além de uma boa ventilação. Ele menciona que a cólera é transmitida por germes infinitamente pequenos, invisíveis, o que seria confirmado 67 anos depois por Robert Koch. Nesta situação, ele abre uma exceção à necessidade de individualização de cada doente, criando o conceito de “Gênio Epidêmico” ou “Similitude de Grupo”, aplicável a doenças epidêmicas, cuja variabilidade de sintomas é muito pequena nos doentes por elas acometidos, requerendo medicamentos comuns ao conjunto do grupo. Ele recomenda para tal epidemia três remédios: o Veratrum album, a Camphora e o Cuprum metallicum. O resultado do tratamento homeopático é incontestável. Por exemplo, em Raab, de 1.655 doentes com cólera, 1.501 foram tratados com sangrias, morrendo 821, e 154 com homeopatia, morrendo apenas 6! Uma proporção de 50% de mortalidade nos que usaram alopatia contra 3% dos tratados pela homeopatia. Estes e outros resultados durante esta epidemia impressionam tanto que até um padre de renome da Catedral de Viena, faz um discurso em seu sermão pregando o uso da Homeopatia, que ainda estava proibida na Áustria. Vários médicos na Europa passam a usar a Homeopatia para tratar a cólera, sempre com muito sucesso. Este sucesso trará autorização oficial para o exercício da Homeopatia em diversos países.
“…têm inveja da minha reputação, das minhas descobertas, dos meus escritos e dos meus tratamentos que, pela graça de Deus, têm tido sucesso.”
Em 1819, aos 64 anos, Hahnemann sofre dois duros golpes. O primeiro foi infligido pelo Imperador Francisco I que, incitado por seu médico particular, o Dr. Von Stift, inimigo atroz da Homeopatia, proíbe a prática desta arte terapêutica em todo o Império Austro-Húngaro. Felizmente, o decreto não foi fiscalizado com muito rigor, e Hahnemann continuou a exercer sua metodologia em Leipzig, sem ser incomodado.
O segundo golpe veio dos farmacêuticos. Apesar de ser genro de um farmacêutico, Hahnemann sempre questiona a consciência profissional desta classe e considera-os incompetentes e inescrupulosos, e continua preparando e vendendo seus remédios e incita seus alunos a fazerem o mesmo. Em 1819, a Associação dos Farmacêuticos de Leipzig apresenta queixa contra ele no tribunal municipal, por exercício ilegal de farmácia. Em fevereiro de 1820, contando Hahnemann 64 anos, vai a julgamento, e apresenta sua própria defesa, oralmente e por escrito, num calhamaço de mais de cinco mil palavras, mas que basicamente apoiava-se em dois argumentos:
A sentença é pesada: Hahnemann é condenado a não mais exercer sua prática ilegal sob pena de multa diária, mas recorre da decisão.
As críticas à Homeopatia surgem freqüentemente nos jornais para médicos e para leigos. Uma, até muito construtiva, afirma que se Hahnemann não atacasse tanto os médicos convencionais, a Homeopatia poderia receber maior atenção e estudos por parte deles. Uma outra, mais cínica, afirma que os pacientes tratados alopaticamente morrem do tratamento, enquanto os tratados homeopaticamente morrem da doença mesmo. Hahnemann não respondeu a estas críticas.
Em abril de 1820, já com 65 anos, Hahnemann é procurado para tratar o Príncipe von Schwarzenberg, que no ano anterior, aos 46 anos, sofrera um derrame cerebral, e ficou com dificuldade para voltar a andar e falar e com insônia severa, como seqüelas. Apesar dos tratamentos, demorava muito a melhorar, e um dos seus médicos, que se interessava pela Homeopatia, recorre a Hahnemann. Este sente-se honrado, mas nega-se a deslocar-se, por estar muito ocupado com sua clientela, já sentir-se velho e cansado, e além do mais estar proibido de exercer a Homeopatia na Áustria. A recusa em ir ao encontro do príncipe causa um certo escândalo, mas a reputação de Hahnemann estava tão em alta, que o príncipe foi ao seu encontro. O príncipe chega então a Leipzig para ser tratado por Hahnemann. Cabe ressaltar que o príncipe era muito popular, por ter liderado dois ataques que impuseram duras derrotas a Napoleão, e estava no auge de sua glória.
O início do tratamento foi muito promissor, tendo o príncipe melhorado bastante, tanto que escreveu a seu primo, o rei da Saxônia, que estava querendo fiscalizar melhor a proibição da Homeopatia em seu território, a não incomodar Hahnemann em sua prática, e o rei aceita o pedido. Contudo, o príncipe cansou-se do regime frugal imposto por Hahnemann e recomeçou seus excessos regados a bebidas e muita comida, tendo uma recaída ligeira. Um de seus médicos particulares resolveu fazer uma sangria e Hahnemann chegou aos aposentos do príncipe no exato instante em que era feita a intervenção. Saiu sem dizer palavra e nunca mais pôs os pés na casa do príncipe, que veio a morrer cinco semanas depois. A necrópsia foi realizada por Hahnemann, pelo Dr. Von Sax, médico particular do príncipe, pelo Professor Clarus, um antigo inimigo da Homeopatia e pelo Dr. Bock, médico legista. Nela constatou-se um aumento exagerado do coração do príncipe, com lesões cardíacas e cerebrais importantes, e comprovando a provável incurabilidade do paciente. O Professor Clarus aproveitou a oportunidade para registrar um adendo à necrópsia, acusando a Homeopatia de ter-se revelado nefasta por ter atrasado a ação do tratamento enérgico, no caso as sangrias, a que os estado do ilustre paciente obrigava. Vale dizer que este tipo de acusação foi levantado, e ainda o é, várias vezes contra a Homeopatia. Hahnemann acompanha o cortejo fúnebre, convicto de sua consciência.
Neste mesmo ano tratou do ilustre Goethe, que beneficiou-se do tratamento homeopático e elogiou muito Hahnemann em cartas, a quem comparou a Paracelso, pelo espírito inovador.
Em novembro deste ano, o Conselho Municipal profere a sentença definitiva ao recurso impetrado por Hahnemann no caso dos farmacêuticos, confirmando a proibição da entrega de remédios, mas fazendo uma ressalva de que ele estava liberado para fazê-lo em casos de urgências, ou se não houvesse nenhuma farmácia de fácil acesso, e no caso dos indigentes, a quem eram entregues sem custos. Hahnemann não concordou, mas conteve sua ira. Estas concessões, na verdade, são praticamente as mesmas feitas a qualquer médico à época.
O Professor Clarus e seus companheiros aumentam os ataques a Hahnemann e seus alunos, inclusive com perseguições profissionais e jurídicas. Em um episódio lamentável, um oficial de justiça apreende remédios homeopáticos na casa de Karl Franz e os queima no adro da igreja de São Paulo.
Leipzig é assolada por uma epidemia de febre que causa petéquias (pequenas manchas avermelhadas por extravasamento de sangue dos capilares), possivelmente a nossa tão conhecida dengue, e Hahnemann publica um artigo afirmando que não se trata de escarlatina, mas de febre púrpura e o tratamento com Belladonna não resultará em sucesso, devendo ser usado para esta epidemia o Aconitum. O Professor Clarus e mais uma dúzia de médicos partem para o ataque, afirmando que trata-se sim de escarlatina e que os remédios à base de Belladonna que prescrevem estão corretos, e que Hahnemann é um ignorante no que tange a diagnóstico e um impostor em terapêutica, e que haviam descoberto a Belladonna bem antes que ele. Logo no dia seguinte, o Dr. Müller, um colega de Hahnemann afirma, no mesmo jornal tratar-se de febre púrpura e confirma a eficácia de Aconitum nos seus pacientes acometidos pela epidemia.
Alguns dias depois, Hahnemann responde: “Existem treze personagens, meus colegas nesta cidade, que se debatem energicamente para provar aos leitores que têm inveja da minha reputação, das minhas descobertas, dos meus escritos e dos meus tratamentos que, pela graça de Deus, têm tido sucesso.”
Estes médicos e os farmacêuticos perpetram repetidos ataques a Hahnemann, tentando obrigá-lo a sair de Leipzig, mas o presidente da Câmara Municipal da cidade envia ao supremo tribunal, em Dresden, um protesto assinado por quarenta cidadãos contra estes ataques. O tribunal acata o protesto dos reclamantes e autoriza Hahnemann a permanecer na cidade, que porém já estava farto desta cidade, sentindo-se apenas tolerado aí. Os médicos contrários à Homeopatia, liderados por Clarus, o atacam incessantemente; os farmacêuticos o vigiam para que não prepare e entregue medicamentos aos seus pacientes (e ele continua não confiando na integridade destes para preparar suas receitas, apesar de seu Dicionário de Farmácia ser uma obra de referência para praticamente todos os farmacêuticos alemães); sua mulher e suas filhas são vítimas de zombarias nas ruas, sendo chamadas de a “família do charlatão”.
Hahnemann escreve uma carta a um irmão de maçonaria, na tentativa de voltar a Gotha, onde dirigira o manicômio de um louco só, mas não obtém resposta. Recebe propostas para instalar-se na Prússia, onde as leis farmacêuticas são mais brandas, mas não deseja mais sair de sua Saxônia natal.
Em junho de 1821, aos 66 anos, Hahnemann muda-se para a pequena cidade de Coethen, deixando para trás Leipzig onde, apesar dos intensos ataques sofridos, a Homeopatia criou fortes raízes. O duque Ferdinando, que governa esta região, é um de seus pacientes mais fiéis, e também seu irmão de maçonaria, e Hahnemann escreve-lhe pedindo autorização para aí instalar-se. A resposta do duque veio quase que imediata, dando-lhe calorosas boas vindas e autorizando-o a manipular seus próprios remédios.
Esta mudança é diferente das anteriores, pois Hahnemann conquistara prestígio e dinheiro, apesar dos ataques inclementes de seus opositores. São 11 carroças carregadas de móveis, roupas, livros, todos os seus pertences, enfim. Eles partem na madrugada de 13 de junho de 1821, sob o olhar de despedida de numerosos discípulos que vieram despedir-se. Dois destes discípulos acompanham-nos a Coethen, os Drs. Augusto Haynel e Teodoro Mossdorf, este último noivo de Luísa, sua filha mais nova.
Devido à distância pequena de 50 quilômetros e Leipzig a Coethen, eles chegam à nova moradia à noite deste mesmo dia, e ficam numa estalagem por oito dias, tempo necessário para aprontar a nova casa. Alguns médicos opositores manifestam-se hostilmente, vaiando, assobiando e jogando pedras em sua janela, mas logo isso se acalma.
Instalam-se na nova casa, enfim, que dispõe de um amplo jardim, e é muito bem localizada. A rotina de trabalho logo se instala também: Hahnemann e seus dois alunos começam a atender no térreo da casa, suas filhas marcam as consultas,e Frau Henrietta cuida da casa. A cidade é muito pequena, conta com seis mil habitantes, e não dispõe de atividades culturais ou de lazer, o que entedia e aborrece Hahnemann, que torna-se irritadiço com sua família. Cem anos antes, Johann Sebastian Bach residira aí por seis anos e aí compôs obras importantes.
Hahnemann consegue aí uma tranqüilidade que ainda não conhecia, podendo dedicar-se ao trabalho e suas pesquisas. Acorda às seis horas no verão e às sete no inverno, arruma-se, toma café da manhã com sua família, dá uma pequena volta em seu jardim, faz uma ginástica leve , e às nove horas começa a atender, indo até o meio-dia, quando vai almoçar com sua família. Seus pratos preferidos são carne de vaca assada, carneiro, salmão ou carne de caça. Detesta vitela ou porco, ou especiarias fortes. Sempre come vegetais, preferindo os da região, como couve, feijão, batata. Aprecia a cerveja, que considera muito importante para a manutenção de uma boa saúde. Não gosta muito de vinho, mas toma eventualmente para acompanhar algum convidado. Não suporta o café, que considera um verdadeiro veneno, e não toma chás, por considerá-los remédios e não bebidas refrescantes. Após o almoço, faz a sesta por cerca de uma hora. Retoma suas consultas às duas horas da tarde e estende-se até às sete da noite. Seu lugar preferido é seu jardim, onde volta após o trabalho para mais um passeio. Seguia para jantar com sua família, e depois sentava-se nos fundos de sua casa e fumava em seu velho cachimbo de barro. O fumo causou-lhe uma bronquite crônica que o faz tossir e pigarrear freqüentemente.
Em 1822, foi fundado pelo seu discípulo Dr. Stapf um jornal especializado na Homeopatia, chamado Arquivos de Medicina Homeopática, o que muito agrada a Hahnemann, aumentando a admiração que já nutria por este aluno.
Em 1824, aos 69 anos, Hahnemann dá a mão de sua filha Luísa em casamento ao Dr. Mossdorf, que trabalhava, por indicação do sogro, como médico da família do duque Ferdinando. Apesar de seus altos salários, Mossdorf afunda-se em dívidas, sua sogra nutre um desgosto muito grande, e Luísa volta a viver com seus pais e Mossdorf deixa a cidade. Hahnemann assume o posto de médico da família do duque, como uma questão de honra, e é reconhecido por este gesto através de várias cartas muito gratas que o duque Ferdinando lhe envia, e até mesmo pelo jornal local. O duque nomeia Hahnemann seu conselheiro.