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Hahnemann publica sua Materia Medica e enfrenta guerra e epidemia

Estou no centro do círculo da minha querida família. Uma mulher de rara bondade, sete filhas quase criadas, alegres, inteligentes, que me tratam com todo o carinho e que adoçam a minha vida com música. Não acham que é de invejar?”

Encontramos Hahnemann em 1811, aos 56 anos, polemizando com os colegas médicos e com os farmacêuticos, defendendo suas idéias com toda a tenacidade, determinação, obstinação e agressividade cabíveis, mas vivendo uma vida em família bastante tranqüila.

       

 

O dinheiro continua escasso, apesar de uma certa melhora. Os filhos são educados basicamente pela Sra. Hahnemann, Henrietta, de forma austera e religiosa. Frau Henrietta, como Hahnemann a chamava, então com 47 anos, era uma mulher fechada, autoritária e mordaz, e impõe medo nos jovens alunos de Hahnemann que freqüentam sua casa. Hahnemann, porém, sempre louva a ternura e dedicação de sua esposa, a quem atribui a responsabilidade de ser a “viga-mestra do lar”, companheira dos poucos bons e dos muitos maus momentos. Ela aprecia música e a família toca e canta junta. Hahnemann ensina francês às filhas, que era essencial na educação de uma boa moça à época, e Henrietta lhes ensina a tocar piano. Elas demonstram um interesse pela moda, que seu pai não aprecia nem um pouco, mas não as proíbe de vestirem-se da maneira que elas desejam.

 

Napoleão traz a guerra para dentro dos territórios de língua alemã, arrasando a Baviera, a Prússia, a Saxônia e a Áustria. Em 1811, Torgau transforma-se em acampamento entrincheirado das tropas francesas em luta contra a Prússia, e Hahnemann vende sua amada e confortável residência e muda-se para Leipzig. Apesar da guerra, vende bem a sua casa e instala-se num bairro elegante de Leipzig.

Lá, conquista uma boa clientela, mercê da notoriedade conquistada por seus trabalhos escritos e polêmicas que os acompanharam. Vive mais confortavelmente, embora não seja rico, já que também não corre atrás de fortuna. Dedica-se a atender a clientela, a estudar, a propagar a Homeopatia.

No final de 1811 cria um Instituto de Homeopatia, e inicia um curso de pós-graduação em Homeopatia, voltado para médicos. Anuncia no jornal de seu querido e fiel amigo Conselheiro Becker. Contudo, não há inscritos.

No início de 1812, Hahnemann procura o diretor da faculdade de Medicina pedindo autorização para dar conferências aos estudantes, e este responde que para isso ele terá que submeter-se perante um júri para defender uma tese e pagar uma taxa não muito módica. Ele aceita submeter-se à prova, e apresenta, em latim, “Dissertação histórica e médica sobre o heleborismo dos antigos”, que discorria sobre o Veratrum album e o uso que os médicos antigos faziam dele. O grande anfiteatro ficou lotado, com docentes que formavam o júri e numerosos médicos da cidade, em meio a uns tantos curiosos. A apresentação de quatro horas, sem o auxílio de qualquer anotação, foi brilhante, principalmente pela quantidade e riqueza de suas citações, num discurso em latim, com citações em grego, hebraico, alemão, inglês, francês, italiano e árabe. Hahnemann foi bem prudente ao apresentar este trabalho, não fazendo qualquer alusão à Homeopatia, sendo um trabalho puramente histórico. Ele consegue, assim, autorização para dar as suas conferências, que se iniciam em setembro de 1812, quando contava então 57 anos.

As conferências ocorrem às quartas e sábados, de duas às três da tarde, e nelas Hahnemann é eloqüente, veemente, vociferando contra seus colegas médicos. O mestre, de baixa estatura (um metro e sessenta), vestido um pouco fora de moda, gritando com o rosto congestionado de ira, provoca risos e chacotas entre os estudantes, o que acentua ainda mais a ira e a congestão de sua face. Nem todos os alunos, porém, deixam-se levar pelas superficiais aparências, e demonstram um vivo interesse por suas idéias, procurando-o após as aulas, indo à sua casa estudar, assistindo às suas consultas. Este grupo reúne-se com o mestre à tarde, que os recebe em sua casa de roupão, de barrete de seda sobre a cabeça calva, fumando cachimbo e tomando uma cerveja leve. Ficam conhecidos como “o grupo de Leipzig” e participam das experimentações patogenéticas. Este “grupo de Leipzig” é formado por nove discípulos.

 

l  Enst Stapf, o favorito de Hahnemann, de 24 anos, que será um ardente defensor da Homeopatia e terá grande sucesso como médico, fundando um importante jornal para a divulgação da Homeopatia.

l  Karl Franz, estudante de teologia, seminarista que fôra curado por Hahnemann de um corrimento uretral muito semelhante à gonorréia, e possibilitou a este estudar a ação de Thuya sobre a sicose, uma das chamadas “Doenças Crônicas” que Hahnemann descreve no Organon, responsável pelo aparecimento de verrugas e corrimentos. Como o rapaz era decididamente virgem, não era possível que estivesse acometido com a desonrosa doença venérea. Na detalhada anamnese, Hahnemann descobriu que em sua casa, enquanto estudava, o jovem mordicava raminhos frescos de Thuya, e assim associa os sintomas ao que poderia ser uma intoxicação pela Thuya, pede ao rapaz que abandone este hábito, e o corrimento cessa. Curado, o jovem abandona a teologia e ingressa na faculdade de medicina.

l  Gustav Gross, que tornar-se-á eminente médico na Alemanha, e participará da fundação de um jornal para divulgação da Homeopatia.

l  Franz Hartmann, que foi aluno em Leipzig do Professor Clarus, o mais ferrenho adversário da Homeopatia à época, e depois de formado veio a dirigir o Hospital Homeopático de Leipzig, e deixou o importante legado de classificar com meticulosidade as plantas utilizadas no preparo dos remédios homeopáticos.

l  Christian Hornburg, que em suas primeiras férias da faculdade após iniciar os estudos com Hahnemann volta a sua cidade e fica clinicando sem diploma, sendo expulso da faculdade, e depois perseguido pela justiça e condenado a dois anos de prisão por exercício ilegal da medicina, veredito este que causa sua morte por um ataque cardíaco. Era considerado o mais brilhante dos nove, a quem os outros recorriam quando queriam poupar o mestre.

l  Frederico Langhammer, apesar de estudante, era dez anos mais velho que Hahnemann, e possuía uma saúde delicada devido aos excessos típicos da vida de um bon vivant, como é descrito por alguns colegas.

l  Wislicenus, exerceu a Homeopatia em Eisenach, muito isolado dos outros.

l  Ernst Rückert, que depois de formado não exerce a medicina, vai ajudar Hahnemann a redigir o “Repertório das Doenças Crônicas”, e morrerá no mesmo ano que o mestre, só que aos 48 anos.

l  Theodor Rückert, irmão mais novo de Ernst, será autor de diversas obras sobre a Homeopatia, e um ardoroso defensor da doutrina pura ensinada por Hahnemann.

A rotina de Hahnemann consiste em atender os doentes pela manhã, à tarde faz experiências e escreve, e ao fim da tarde sai com a mulher e as filhas mais novas para ir a um pequeno jardim que adquiriu num bairro de Leipzig, mantendo assim seu contato com a natureza. À noite, recebe os amigos e alunos, quando discutem casos clínicos, experimentações de remédios, e tocam música. Ele respeita e incentiva seus alunos a manifestarem suas próprias opiniões, mesmo que sejam contrárias às suas, e vez por outra ele convencia-se da certeza de alguma outra opinião. Hahnemann toca flauta, as filhas e sua esposa tocam piano e violino, num modo de vida bem na tradição germânica que privilegia a família, os amigos, a música e a natureza. Hahnemann aproveita a vida pacata para voltar a freqüentar uma loja maçônica em Leipzig.

Em 1813, contando 58 anos, Hahnemann e os demais cidadãos de Leipzig são “agraciados” com a malfadada presença de Napoleão Bonaparte, que chega para vigiar seu aliado, o rei da Saxônia e da Polônia, cuja fidelidade ao imperador conquistador deixa a desejar. Leipzig transforma-se num acampamento de tropas e artilharia, causando uma escassez de mantimentos, e sofre ataques constantes dos exércitos aliados da Áustria e da Prússia, que combatem o dominador francês. Os regimentos saxônicos, aliados de Napoleão, viram as armas contra o exército francês e juntam-se aos aliados, cujas tropas invadem a cidade. O imperador francês bate em retirada, e os cidadãos saxões, entre eles Hahemann, congratulam-se com a vitória contra o invasor.

Devido às sanguinárias batalhas, a cidade conta oitenta mil mortos e outros tantos feridos em apenas três dias de batalhas, que são atendidos nos edifícios da Universidade, improvisados como hospital de campanha. Hahnemann e seus alunos ajudam a cuidar dos doentes e feridos e têm bastante sucesso. Como as condições de higiene são terríveis, agravadas pela escassez de alimentos e destruição que a guerra deixou para trás, estoura uma letal epidemia de tifo entre os habitantes da cidade. Hahnemann e seus alunos tratam com Homeopatia muitos doentes, alcançando um grande sucesso, que causa uma considerável impressão em toda a Saxônia. De 180 doentes tratados por eles, só dois morreram, sendo um deles já muito idoso. Esta é a primeira demonstração pública da eficácia da Homeopatia, e Hahnemann publica os resultados no ano seguinte numa importante revista médica alemã, e não no jornal do Conselheiro Becker, pois este fôra fechado e o Conselheiro preso por defender em editoriais e artigos uma idéia de uma Alemanha unificada, reunindo todos os pequenos principados germânicos, que era uma idéia de inspiração francesa. Vale ressaltar que Hahnemann também defendia esta idéia, mas de forma privada, pois detestava a política e as guerras.

Entre 1811 e 1821 Hahnemann publica os seis volumes de sua Matéria Médica Pura, fruto de seu trabalho e de seus alunos e colaboradores nas experimentações. Neste período continua polemizando com os médicos defensores dos métodos clássicos.

Em 1816, aos 61 anos, Hahnemann perde sua filha Guilhermina, que era casada com o chefe da orquestra de Leipzig, com 31 anos, deixando órfão um jovem rapaz. Esta perda faz com que Hahnemann perca momentaneamente a vontade de entrar em discussões violentas, e continua a receber críticas ao seu método terapêutico.

Nach Deutschland

Há 2 anos atrás, Rosângela Cunha e eu organizamos em Juiz de Fora, na Vivenda Sant’Anna, sob o nome do DAO Terapias um curso de observação goetheanística voltada para a terapia. Esse nome complicado significa uma observação fenomenológica, despida de preconceitos e inferências. Resumindo: ver o que está vendo, ouvir o que está ouvindo, e não o que “eu acho” ou “parece” que está por trás dos fatos.

Gostamos muito de fazer este trabalho e quisemos nos aprofundar mais, participando do Treinamento em Goetheanismo ministrado pela Clara Passchier na Associação Sagres. Este ano terminamos este treinamento. Nele eu percebi que racionalizo demais a vida e preciso sentir mais. Para isso, preciso desenvolver a capacidade de contemplar.

Há muitos anos eu sonhava conhecer as cidades onde Hahnemann, o fundador da homeopatia, viveu. Não para estudar nada lá, mas para ver. Com a promoção de passagens da Iberia, resolvi fazer esta viagem, com o objetivo de contemplar, estar lá somente. Minha irmã Andréa e meu filho Paulo Henrique animaram-se e vamos juntos, hoje à noite, para contemplar algumas cidades alemãs onde Hahnemann viveu, e Berlin e Weimar, somente pelo prazer de estar lá.

Das ist Heute!

Hahnemann publica o Organon

Que o semelhante cure o semelhante.”

Em 1805, aos 50 anos, mudam-se para Torgau, onde residirão por seis anos em uma casa própria, com jardim e um largo portão. Eleonora é desmamada e nasce mais uma filha, Carlota.

 

Seus livros e artigos tornaram-no conhecido. Continua fazendo traduções. Neste ano publica “Esculápio na Balança”, um livro polêmico que ataca as práticas médicas em voga na época, principalmente contra a prescrição de fórmulas compostas já prontas oferecidas pelos farmacêuticos. Prega o uso de remédios simples, de uma só substância, que o próprio médico deve selecionar e preparar. Mais uma vez ataca os colegas médicos e os farmacêuticos.

Ainda em 1805 publica “Fragmentos sobre as propriedades positivas dos medicamentos observadas no homem são”, uma obra dividida em dois volumes de 278 e 470 páginas cada. No primeiro volume apresenta as patogenesias (sintomas observados na experimentação em pessoas saudáveis) de 27 medicamentos. Aos resultados destas experimentações agrega efeitos toxicológicos e resultados terapêuticos. O segundo volume apresenta o que os homeopatas chamam de repertório, qual seja, um dicionário de sintomas indicando que medicamentos os provocaram em experimentações. É esta obra que permitirá que outros médicos comecem a exercer a Homeopatia em consultórios, sendo a primeira Matéria Médica Homeopática (dicionário de medicamentos que descreve os sintomas obtidos nas patogenesias) e o primeiro Repertório Homeopático.

Em 1806, com 51 anos, mais uma filha, Luísa, vem juntar-se à numerosa família. Sua situação financeira vem melhorando, principalmente com a venda de livros de sua autoria e de traduções, e de pacientes que vêm procurá-lo.

Em 1808, seu filho Frederico entra para a Universidade de Leipzig para estudar Medicina, e sua filha mais velha, Henrietta, casa-se com um pastor e muda-se para Dresdorf.

Em 1810, aos 55 anos, publica o “Organon da Ciência Médica Racional”, sua obra mais importante, e a mais importante até hoje para todos os homeopatas. Nesta obra, Hahnemann assenta as bases da Homeopatia, palavra que ele próprio inventou, significando “sofrimento semelhante”, pondo o princípio da similitude como central no tratamento das doenças. A primeira edição é aberta com um verso escrito na juventude por Gellert, um colega de Hahnemann da Escola do Príncipe:

“A verdade pela qual todo o ansioso mundo está ávido,

Que nos faz felizes, está desde sempre

Não profundamente enterrada mas superficialmente coberta,

Pela sábia mão que a destinou aos homens.”

Estes versos refletem a convicção que Hahnemann sempre manifestou de que Deus destinara aos homens a sabedoria para curar todas as doenças de forma ordenada e fácil e que esta revelação estava para acontecer a qualquer momento. Com a descoberta da lei da similitude, esta convicção firmou-se como sendo a Homeopatia A revelação divina esperada. Nas edições seguintes, o texto é aberto com  a inscrição que havia no portão de entrada da Escola do Príncipe: “Aude sapere” (ousa saber).

O termo organon já havia sido usado anteriormente por Aristóteles, designando os seis tratados devotados à lógica, e por Francis Bacon que afirmava que só se podia conhecer verdadeiramente a natureza pela observação metódica e racional, sem teorias preconcebidas, ou seja, uma observação fenomenológica, da qual se podem deduzir as grandes leis que regem os fenômenos naturais. Ora, o que Hahnemann introduz na medicina é um método racional de curar, baseado essencialmente na pura observação da doença e do doente, sem nenhum apriorismo. Ele critica a medicina da época, que é “condenada à ineficácia na medida em que só é teatro de hipóteses barrocas e muitas vezes contraditórias, de explicações, demonstrações, conjecturas, de dogmas e sistemas.” Em 1865, ou seja, 55 anos depois, Claude Bernard é saudado como iniciador da medicina experimental moderna, por propor que a medicina só pode ser experimental, ou seja, a teoria só pode suceder à experiência, num desprezo à história que mostra que Hahnemann foi o primeiro a propor este modelo.

Em 1819, tendo já esgotado a primeira edição do Organon, é publicada a segunda, que será a primeira a ser traduzida para outras línguas, tendo o título alterado para “Organon da Arte de Curar”. Em 1824, sai a terceira edição, e a quarta em 1829, onde Hahnemann propõe o conceito de Doenças Crônicas e de Psora, tão essenciais à prática homeopática. Uma quinta edição será publicada em 1835, que tornou-se a mais popular entre os homeopatas, principalmente pela releitura que James Tyler Kent fez em sua Filosofia Homeopática. No final de sua vida, Hahnemann redigiu uma sexta edição, com importantes modificações, como a escala Cinqüenta-Milesimal, e só foi publicada postumamente, em 1921. O Organon já foi traduzido em praticamente todas as línguas e é (ou pelo menos deveria ser) lido por todos os homeopatas do mundo, pois enumera os princípios da Homeopatia, como Similitude, Infinitesimalidade e Individualização.

A publicação do Organon suscita algumas reações apaixonadas, mas na maior parte a reação foi a indiferença. Ainda em 1810, um médico, o Dr. Hecker, que já havia polemizado 14 anos antes quando da publicação do “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais”, volta a atacar com veemência a Lei dos Semelhantes, e as baixas doses em que os remédios são usados. Hahnemann delega a defesa ao filho Frederico, que ainda não se formou médico e está então com 24 anos, através de um panfleto intitulado “Refutação dos ataques de Hecker contra o Organon da Medicina Racional, redigida por Frederico Hahnemann Filho”, com a matéria do texto fornecida pelo seu pai, com muitas zombarias contra “Hecker e consortes”, e poucos argumentos científicos.

Já o Jornal de Medicina e Cirurgia, mais respeitado na Alemanha, censura Hahnemann por seu orgulho, presunção e manifesta falta de fraternidade aos colegas médicos. Critica também a importância do princípio de similitude e das doses infinitesimais, suscitando ceticismo.

Por outro lado, Hahnemann também recebeu reações positivas à publicação do Organon. Em novembro de 1810, num editorial, o jornal Anais de Medicina Geral, elogia as qualidades de raciocínio e observação científica do autor. Outros colegas manifestarão uma impressão mais favorável às idéias contidas no Organon, e muitos médicos começam um exercício misto, ora homeopático, ora alopático, conforme o caso.

Hahnemann irrita-se sobremaneira com as críticas, e mais ainda com os médicos que jogam dos dois lados, e publica um artigo virulento chamado “Anticrítica ao público”, publicado em 1811, no jornal do Conselheiro Becker, onde compara-se a Copérnico por ter sido tão incompreendido ao propor uma idéia original. Apesar de escrever com suavidade, como “Os médicos são os meus irmãos em humanidade. Não tenho nada contra as suas pessoas”, afirma que falta coragem e boa fé aos seus colegas para aderirem às suas idéias.

Mudanças de Hahnemann

Em 1797, aos 42 anos, muda-se novamente, desta vez para Königslutter, onde residirá por dois anos. Fica sabendo que o posto de médico pessoal do duque Ernesto, de Gotha,  está vago e usa a influência de seu amigo maçom, o conselheiro Becker, para obtê-lo, mas o duque responde negativamente de forma ríspida. Sua reputação como médico está crescendo, e muitos pacientes vêm procurá-lo de longe, mas muitos o procuram por saberem que ele não cobra pelos remédios. Os médicos de Königslutter, invejosos de sua crescente fama, incitam os farmacêuticos a abrirem um processo contra Hahnemann por dispensar medicamentos, o que é uma prerrogativa das farmácias. Hahnemann fica proibido de preparar seus próprios remédios e ele tem que encaminhar seus pacientes para os farmacêuticos, em quem ele não confia nem um pouco.

Em 1799, aos 44 anos, muda-se para Altona, a 20 quilômetros de Hamburgo, um lugar sofisticado. Já é bastante conhecido dos médicos e do grande público, e seu nome suscita polêmicas, as pessoas ou gostam dele e de suas idéias ou o odeiam, ninguém fica indiferente. Recebe muitas cartas, algumas de insultos, mas a maioria de pessoas solicitando sua opinião e conselho sobre algum doente. De início, Hahnemann sente-se lisonjeado, mas depois incomoda-se muito com estes pedintes de consultas gratuitas. Publica então um anúncio no jornal local:

“Caro público!

Quase não dá para acreditar que haja tanta gente que pense que, só porque sou uma figura privada, tenho tanto tempo livre para que me atazanem a vida com repetidas cartas que nem vêm franqueadas e que tenho eu próprio de pagar. Essas cartas pedem-me opiniões médicas delicadas. Sou obrigado a dedicar-lhes um esforço intelectual e uma parte do meu tempo, que é precioso. Nunca passaria pela cabeça desses indelicados correspondentes enviar-me a mínima remuneração.

Para frear a onda sempre crescente desta correspondência, informo-vos do seguinte:

ñ de futuro, passarei a recusar qualquer carta sem franquia.

ñ Só responderei a quem pedir minha opinião se a carta vier acompanhada de um honorário suficiente, pelo menos uma moeda de ouro, a não ser que a pobreza do meu interlocutor seja tal que não lhe permita esta despesa. Se assim não fosse, estaria pecando contra a humanidade, o que não quero fazer.

ñ Finalmente, se me enviarem bilhetes de loteria como forma de pagamento, irei devolvê-los à custa do remetente.

Assinado: Samuel Hahnemann, médico, Altona por Hamburgo, 9 de novembro de 1799.”

O jornal teve sua seção de cartas dos leitores invadida por inúmeros protestos de médicos e leigos, indignados pelo tom violento do anúncio de Hahnemann, e sua popularidade no local ficou seriamente ameaçada.

Neste mesmo ano, o seu amigo, o Conselheiro Becker, envia-lhe um paciente que sofre de distúrbios mentais, acreditando que é Deus, para que seja internado em sua casa em Altona e receber um tratamento melhor. Chamava-se Johann Karl Wezel, e era um famoso autor de teatro austríaco, muito apreciado pelo público e pelo imperador José II. Após duas semanas, Hahnemann pede a seu amigo que venha retirá-lo, pois ele come demais, e a Sra. Hahnemann não dava conta de alimentá-lo, causando um prejuízo muito grande. Esta decisão causa uma má impressão junto ao público, até na corte de Viena. Muda-se para Hamburgo, mas vai passar poucos meses aí, devido ao altíssimo custo de vida, agravado pela inflação e escassez causados pela guerra.

A pobreza continua, há um acúmulo de dívidas, Hahnemann sai em 1800, aos 45 anos, para outra pequena cidade perto de Hamburgo, chamada São Jorge, e neste mesmo ano muda-se para Mölln, e depois para Lubeck. Junto à miséria, cresce a intransigência de Hahnemann. Em Mölln Hahnemann e Henrietta vêem pela primeira (e única) vez o mar, e moraram aí por menos de um mês.

Hahnemann tem alguns discípulos na arte da Homeopatia, e a eles recomenda que também manipulem eles próprios os remédios e os entreguem diretamente aos seus pacientes, por não confiar nos farmacêuticos. Esta atitude, logicamente, desagrada aos farmacêuticos.

Publica em 1800, aos 45 anos, um artigo no jornal Der Anzeiger, dirigido por seu amigo, o Conselheiro Becker, anunciando que descobriu e preparou um novo sal alcalino com propriedades terapêuticas, que pode ser entregue na própria casa do comprador, mediante pagamento. A Sociedade das Ciências Naturais de Berlim compra uma amostra, com o próprio selo de Hahnemann e a analisa, constatando que a descoberta trata-se do borato de sódio, o banal borax. Chamam Hahnemann para dar explicações, e chovem zombarias e insultos sobre o pretenso “inventor”. Um artigo escrito por um farmacêutico trata Hahnemann de “grande mistificador”, em outro é ressaltada a “inesperada imprudência desse Samuel Hahnemann”.

O Conselheiro Becker fica furioso com Hahnemann e este, por sua vez, reconhece seu erro num outro artigo publicado no Jornal de Química, alegando sua boa fé e, mostrando-se arrependido, informa que doará todas as quantias recebidas às obras de caridade de Leipzig. Além disso, apresenta suas desculpas numa carta aberta à população. O editor deste jornal, o Professor Scherer, toma a sua defesa num artigo publicado no jornal do Conselheiro Becker, invocando a honestidade e a retidão de Hahnemann e insistindo que tratou-se tudo de um erro técnico, dada a escassez de segurança que a recém-nascida Química ainda oferecia em seus resultados, que já enganara outros químicos famosos.

Logo depois deste episódio, Hahnemann publica um pequeno livro sobre prevenção e cura da escarlatina, que à época aparecia em epidemias fatais. A obra era vendida por uma moeda de ouro, pelo próprio autor, que junto entregava o remédio para o tratamento sem a identificação deste. Os farmacêuticos voltam à carga sobre Hahnemann, por pedir um pagamento antecipado e caro antes mesmo de iniciar qualquer tratamento e por não indicar a composição do remédio indicado no livro, que ele mesmo vendia. Para eles, é uma verdadeira fraude. Os colegas médicos unem-se aos farmacêuticos e agridem sua reputação profissional. O Conselheiro Becker, mal refeito do desgosto causado pelo episódio do borax, afasta-se de Hahnemann, e este escreve inúmeras cartas para reconquistar a confiança do amigo fiel. Revela seu segredo, sua fórmula e as experiências médicas sobre as quais apóia-se e publica em 1801, com a ajuda de Becker, um novo livro, de 40 páginas, chamado “Cura e Prevenção da Febre Escarlatina”. O medicamento que ele indica tanto para prevenir quanto para curar é a Belladonna, que ele utiliza de forma bem diluída, e mostrou ser extremamente eficaz, e foi reconhecido por isso posteriormente. Em 1825, o Professor Hufeland, editor do Jornal de Medicina Prática, publica um artigo intitulado “Efeito preventivo da Belladonna”, onde presta homenagem a Hahnemann. Em 1838 o governo da Prússia recomenda o emprego da Belladonna em doses muito diluídas na prevenção e tratamento das epidemias de escarlatina.

Escreve vários artigos entre 1801 e 1806 pregando o uso de substâncias baseadas na similitude de suas ações, e o uso de baixas diluições de medicamentos.

Em 1801, retorna à sua Saxônia natal, e vai morar em Machern, logo mudam-se para Eilenburg, seguindo-se Wittenburg e, finalmente, retorna a Dessau, onde conheceu sua esposa Henrietta.

Está com 47 anos, em 1802, e há 20 deixara Dessau para seguir uma vida de incertezas em que pouco exercera a medicina, dedicando-se mais a experimentos, traduções e escritos próprios. Sua família consiste de sua mulher Henrietta, 38 anos, sua filha mais velha chamada também Henrietta, com 21 anos, Frederico, 18 anos, Guilhermina, 16 anos, Amália, 15 anos, Caroline, 13 anos e Frederica, 9 anos. Neste período, desde a tradução da Matéria Médica de Cullen, onde experimentou em si mesmo a quinquina, vem experimentando em si e em alguns voluntários, as substâncias cujas propriedades medicinais ele quer conhecer.

Essas mudanças freqüentes são motivadas pela busca de uma situação financeira confortável, mas as guerras napoleônicas que alastram-se pela Europa o faz fugir de lugares que podem oferecer perigo à sua família. Por sua intransigência e falta de papas na língua, envolve-se em polêmicas com seus colegas médicos onde quer que vá, fazendo inimigos e enfrentando hostilidades, que muitas vezes atrapalham ainda mais a possibilidade de ganhar algum dinheiro. Hahnemann também gosta de viajar, de mudar de ares.

Em 1803, aos 48 anos, Hahnemann e sua esposa Henrietta são agraciados com mais uma filha, Eleonora.

Descoberta da Lei dos Semelhantes

O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde.

Em 1790, aos 35 anos, nasce sua terceira filha, Amália, que tonou-se sua favorita. Neste mesmo ano morre sua mãe, e é informado por uma carta de suas irmãs, Carlota e Benjamina. Hahnemann andava afastado de sua mãe, que não o compreendia bem, irritando-se com o comportamento enigmático e pouco prático de seu filho.

 

Neste ano, traduzindo vários livros para que sua família pudesse alimentar-se, um deles é de especial interesse para a história, o Tratado de Matéria Médica do médico escocês Cullen, no próprio ano da morte do autor. Ao traduzir o artigo dedicado à quinquina, droga peruana já conhecida por sua eficácia no tratamento da malária, Hahnemann fica impressionado com uma afirmação de Cullen. O químico escocês afirma que a quinquina cura a malária por fortalecer o estômago, devido às suas propriedades amargas e adstringentes. Como em sua estada na Transilvânia sofrera violentos ardores no estômago quando tomara a quinquina, tinha que discordar de Cullen. Decide então tomar novamente o remédio e observar suas reações. Ele fez uma anotação no manuscrito da tradução que elaborava: “ A título experimental, tomei durante vários dias, duas vezes por dia, quatro dracmas (aproximadamente 18g) de pó de quinquina. Os meus pés e a ponta dos meus dedos ficaram frios. Senti-me fraco e sonolento. Em seguida, meu ritmo cardíaco acelerou. Meu pulso tornou-se rápido e nervoso. Intolerável ansiedade, tremores mas sem rigidez, prostração em todos os membros, depois pulsações na cabeça, no coração, nas bochechas, sede. Em suma, todos os sintomas habitualmente associados à febre intermitente. A crise aguda durou de duas a três horas e repetiu-se a cada ingestão da droga. O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde. ” Nasce aí a Homeopatia! Esta é a Pedra Fundamental da Homeopatia. O próprio Hahnemann cita o ano de 1790 como aquele “em que se afastou dos caminhos batidos da medicina.” Esta experiência, este fato, irá desembocar na Lei dos Semelhantes, que é enunciada assim: “Qualquer substância que, administrada a um homem de boa saúde, provoque certos sintomas patológicos, torna-se, depois de diluída, capaz de curar sintomas semelhantes encontrados no doente.”

A idéia da similitude já existia em escritos de Hipócrates, Stahl, Paracelso e outros autores menos célebres, porém Hahnemann sistematizou a prática de experimentações em pessoas saudáveis de remédios e o seu uso terapêutico naqueles que apresentavam sintomas semelhantes. O curioso é que Hahnemann menciona os precursores, mas omite o nome de Paracelso, talvez para evitar todo o preconceito que já existia colado ao seu nome no meio médico e para separar a Homeopatia de todo o conteúdo esotérico ligado à Alquimia.

Em 1791, aos 36 anos, a publicação da tradução do Tratado de Matéria Médica de Cullen, com as anotações pessoais de Hahnemann causou indignação entre os médicos, que rejeitaram sua experimentação. Um farmacologista de Berlim, o Professor Lewin, sugere que Hahnemann tenha desenvolvido uma possível sensibilidade especial à quinquina, por ter sido exposto à malária previamente. Esta tese é defendida por outro farmacologista, este de Budapeste, o Dr. Bakody.

Hahnemann está convicto de suas descobertas e das conclusões tiradas de seus experimentos, e passa a defender a universalidade do princípio da similitude, o que causa muita polêmica entre os médicos. Em defesa de suas idéias, Hahnemann mostra uma personalidade muito violenta. Condena publicamente a medicina da época, que continua a praticar sangrias, purgações, clisteres e dietas debilitantes. “Sangrias, contínuas purgações, clisteres, dieta debilitante formam o círculo infernal no qual se movem os médicos alemães.”

Em 1791, aos 36 anos, nasce sua quarta filha, Caroline, de saúde ainda mais delicada que os outros, que requer cuidados dispendiosos e constantes. A família vive num único quarto. À noite, Hahnemann isola-se num canto do quarto, puxa uma cortina e escreve durante grande parte da noite à luz de vela. De manhã, ajuda nos afazeres domésticos e ocupa-se das crianças. À tarde, vai para a biblioteca. O dinheiro é cada vez mais escasso, até o pão era contado. Hahnemann abandonou a prática da medicina e passou a dedicar-se exclusivamente aos livros para o grande público e traduções, por uma questão moral: ele não acreditava nos métodos da medicina de seu tempo, e percebia que fazia melhor ao paciente quando não lhe dispensava qualquer remédio. “Se estou convencido de que o meu doente está verdadeiramente melhor sem os meus remédios… Que Deus me ajude! Como poderia eu exercer assim a medicina? Não posso continuar a ser o carrasco dos meus irmãos. Tornar-me o assassino dos meus irmãos era para mim um pensamento tão terrível e tão opressivo, que abandonei a medicina para não mais ser levado a fazer o mal.” Resolve mudar-se para Stotteritz, um subúrbio de Leipzig, onde as crianças podem ter uma vida um pouco mais saudável, com mais contato com a natureza, e um aluguel mais barato.

Neste ano publica o livro “O Amigo da Saúde”, um manual de higiene e medicina para o público leigo, em dois volumes, onde enuncia regras a seguir para manter a saúde. Alcançou um certo sucesso com esta obra. Mostra também regras de higiene a serem adotadas pelas cidades, combatendo latrinas e chiqueiros, louvando as descargas, a água encanada. Aconselha o exercício físico e o banho frio para a manutenção da saúde, a frugalidade à mesa, a sobriedade , um consumo abundante de água e, sobretudo, a alegria.

Ainda em 1791, aos 36 anos, é eleito membro da Sociedade Econômica de Leipzig e também, por unanimidade, membro da Academia de Ciências da Mogúncia. Começa a tornar-se célebre, mas o dinheiro continua escasso. Entre os 35 e os 36 anos traduziu 7 livros, um total de 2367 páginas, que tratam de medicina, química, agricultura e higiene.

Em 1792, Leopoldo II, imperador da Áustria, que no ano anterior havia formado uma frente comum com a Prússia destinada a contrapor-se à França revolucionária, morre de causas suspeitas. Abriu-se um inquérito, que revela que sua morte foi causada pela forma como fôra tratado pelos médicos. Hahnemann, ainda com 36 anos, publica um artigo extremamente violento no jornal Der Anzeiger (de seu amigo, o Conselheiro Becker, o qual seria veículo de muitos de seus escritos) atacando o médico do imperador e os métodos usados, quatro sangrias num espaço de 24 horas a um paciente já desidratado pela diarréia de uma cólera. Este artigo causou uma grande repercussão, suscitando muita polêmica, mas chamou a atenção do duque Ernesto, de Saxe-Coburgo-Gotha, que o convidou para ser diretor de um manicômio em Gotha, instalado no antigo castelo de caça do duque, para onde mudou-se com sua família, aos 37 anos, deixando Leipzig para trás.

O asilo só tinha um paciente, Frederico Klockenbring, a quem Hahnemann dedica todos os cuidados com bom senso e gentileza, e depois relata num artigo publicado em 1796 chamado “Retrato de Klockenbring durante sua loucura.” Diferentemente do tratamento vigente na época, Hahnemann não castigava seu paciente, mas o tratava com respeito e dignidade, ganhando sua confiança. O paciente tem alta curado após um ano de tratamento, e o asilo fica sem nenhum interno.

Enquanto viviam no manicômio, os Hahnemann desfrutavam de conforto, boa alimentação, educação e lazer para os filhos. Tiram férias e visitam a Turíngia. Hahnemann escreve algumas obras bucólicas: “Um quarto de criança”, Misturas filosóficas”, “Da satisfação dos sentidos”, “Da escolha de um médico”. Estavam em paz e sem problemas materiais. Num livro que ele escreve chamado “Manual para as mães”, Hahnemann descreve a rotina de suas crianças. Eles levantam ao nascer do sol, e eram vestidos com roupas confortáveis, para brincar ao ar livre, sem toucas ou chapéus, e muitas vezes descalços. Não lhes era permitido ser preguiçosos e seus sentidos eram treinados através de jogos e brincadeiras. Seus pais lhes ajudavam a superar o medo de escuro. Hahnemann ensinou-lhes a ser educados, a nunca mentir e a controlar sua raiva. Seu dia tinha um ritmo com horários para alimentar-se e para o descanso. À noite, iam cedo para a cama. Num outro capítulo deste livro, é explicado o método eficaz com que Hahnemann alfabetizou seus filhos. Primeiro eles olhavam figuras, depois praticavam as vogais, para então chegar às sílabas. Ele lhes ensinava a desenhar todo tipo de objetos, incluindo figuras geométricas, antes de lhes permitir copiar as letras e as palavras.

Hahnemann não goza da simpatia das autoridades locais, e os conselheiros financeiros do duque Ernesto o aconselham a fechar o asilo. Perguntado quantos malucos há no asilo, o juiz do tribunal local responde: “Um único maluco, e é o próprio Dr. Hahnemann!”

Em 1793, aos 38 anos, Hahnemann e sua família deixam o castelo de Gotha, após receber uma boa indenização. Mudam-se para Molschleben, e moram num bairro moderno. Logo no início de 1794, ainda com 38 anos, nasce seu filho Ernesto, assim batizado em homenagem ao duque, que morrerá antes de completar um ano.

Em Molschleben trata uma epidemia de impetigo com Hepar sulphur, um remédio criado por ele mesmo quando de suas experimentações alquímicas com seu sogro. Obtém sucesso com seu remédio. Escreve aí a primeira parte de um Dicionário de Farmácia, preconizando a preparação de tinturas vegetais a partir de plantas frescas, colhidas em seu habitat natural, como ainda hoje é feito nas Farmácias Homeopáticas. Este dicionário foi muito bem aceito pelos farmacêuticos, e foi-se tornando presente em praticamente todas as farmácias alemãs. Publica um novo teste para detecção de adulterações no vinho.

Após dez meses, muda-se novamente, por não ter conquistado muitos clientes, e continuar sem dinheiro. De fato, é um círculo vicioso, porque na esperança de viver do exercício da medicina ele muda-se para lugares menores, mas não tem dinheiro suficiente para manter-se até formar uma clientela, assim muda-se logo e recomeçam os problemas. Some-se a isso a conjuntura de guerras e insurreições camponesas que a Europa atravessa. Sobrevive graças às suas publicações. Hahnemann faz um desabafo: “Por que não nos libertam da guerra, esse túmulo das ciências!”

Em 1794, ainda com 38 anos mudam-se então para Pyrmont, pequena e bonita estação termal. Durante a viagem, à altura de Mulhausen, a carruagem tomba e eles são violentamente projetados para fora, ficando gravemente contundidos. Hahnemann escapa com um galo na testa, uma das meninas fratura uma perna, mas o pequeno Ernesto, com poucos meses, fere-se gravemente e entra em coma profundo, e não resiste, morrendo aos três meses. Isto causa uma profunda tristeza em Hahnemann, que já era austero e reservado e torna-se bastante abatido. No acidente, muitos de seus pertences são perdidos ou avariados.

A vida em Pyrmont, por ser uma cidade turística, é muito cara, e aos 39 anos, no começo de 1795, Hahnemann muda-se para Brunswick, onde moram numa casa com jardim. Nesta casa nascem suas suas filhas gêmeas, das quais só uma sobreviverá, Frederica. Aí também fica sabendo da morte de seu tio Christian August, em Meissen, mas isso já soa-lhe muito distante.

Publica o segundo volume de “O Amigo da Saúde”, e os volumes restantes de seu “Dicionário de farmácia”. Traduz do francês o “Manual para as mães” de Rousseau, e do inglês um livro de farmacologia. Recebe elogios nas revistas médicas pelo seu trabalho como escritor e tradutor. Reafirma sua crença na necessidade de higiene pública e pessoal, e de exercícios físicos, dieta equilibrada, ar fresco e água limpa.

Em 1796, deixa Brunswick, já com 41 anos, e vai para Wolfenbuttel. Este é o ano histórico em que publica um longo e abrangente artigo, chamado “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais”, que é o registro oficial do nascimento da Homeopatia. Nele demonstra que, antes de qualquer coisa, é necessário experimentar os efeitos dos remédios que se quer utilizar em si próprio e em outras pessoas saudáveis, segundo esse princípio de similitude. Hahnemann trabalhou nisso desde 1790, experimentando substâncias em si e em pessoas próximas, e depois verificando nos doentes o efeito positivo da utilização da similitude.

Compreende-se porque Hahnemann considerava secundários o dinheiro, o conforto e as comodidades. Na realidade, seu objetivo é assegurar o mínimo essencial para viver. Vive do entusiasmo de sua descoberta, uma nova maneira de vencer a doença.

Logo em seguida publica “Alguns apanhados sobre os princípios aceitos até os nossos dias”, e ambos os artigos foram publicados no Jornal de Medicina Prática, uma revista dirigida pelo Dr. Hufeland, um professor de medicina da Universidade de Viena, que admira a personalidade de Hahnemann, sem compartilhar de suas idéias.

No “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais” Hahnemann começa descrevendo a metodologia clássica de evidenciar as propriedades medicinais das substâncias, que são o estudo das propriedades físico-químicas e as experiências com animais. Afirma que não se pode transpor para o homem o resultado de uma experimentação feita nos animais, com total segurança. Condena a teoria das assinaturas (analogias provenientes da observação das famílias botânicas e das formas das plantas), que considera ultrapassada, por ser falha em muitas situações. A única maneira confiável e científica de descobrir as propriedades medicinais de uma substância é a experimentação no homem são, conclui Hahnemann. “Para curar radicalmente certas afecções crônicas, é preciso procurar os remédios que normalmente provocam no organismo uma doença análoga e o mais análoga possível. SIMILIA SIMILUBUS CURENTUR.”

Hahnemann é apreciado pelo grande público, mas amaldiçoado por seus colegas, que sentem-se feridos em suas reputações pelos seus artigos.

Início na medicina e primeiros escritos de Hahnemann

“A notícia da morte de nosso pai irá tocá-lo tanto quanto tocou a mim. Estávamos os dois destinados a chorá-lo de longe.” (Auguste Hahnemann, irmão)


Em 1783, aos 28 anos, nasce sua primeira filha, chamada Henrietta como a mãe, ainda em Gommern. O afeto de Hahnemann por sua filhinha era muito grande, e para ela compôs uma canção de ninar:

“Durma filha, suavemente!

O passarinho amarelo canta no bosque;

Levemente ele pula sobre a neve e o gelo,

E dorme quieto nos galhos secos

– suavemente ele dorme.”

Em 1784, aos 29 anos, publica seu primeiro artigo criticando os médicos, chamado “Guia para curar profundamente as feridas antigas e as úlceras pútridas”. Nele, critica a sistemática cauterização cirúrgica das feridas. O artigo continha extensas referências à necessidade de medidas de higiene, que eram desconhecidas à época, e à importância de exercícios físicos. Termina o artigo afirmando que os pacientes ficariam melhor se não tivessem a assistência de um médico. Publica também alguns artigos médicos, condenando o uso de emplastros de chumbo ou de mercúrio, denunciando sua toxicidade. Em outros critica o abuso do álcool e do café, este último com muita veemência. Suas publicações são muito bem aceitas pelo meio médico, como atesta um elogio de um editor de um jornal médico, o Professor Baldinger: “O autor trata seu tema a fundo, corretamente. Mostra o lado nocivo dos tratamentos habituais e sugere melhores soluções.”

Neste ano, mudam-se para Dresden, que era uma cidade importante, a estadia preferida dos reis da Saxônia, era considerada a Florença do Elba. Lá recebe a notícia de que seu pai morrera, por uma carta de seu irmão mais novo, Auguste, que se tornara farmacêutico. “A notícia da morte de nosso pai irá tocá-lo tanto quanto tocou a mim. Estávamos os dois destinados a chorá-lo de longe.” Seu pai trabalhara até a morte aos 66 anos, como pintor de porcelana, mesmo com a visão muito enfraquecida. Foi enterrado em Meissen. Hahnemann escreveu em sua autobiografia: “Soube sempre distinguir entre o bem e o mal com tanta fineza e delicadeza, com tanta retidão, que isso foi para mim uma grande lição. Foi meu mestre. Sua concepção da origem do universo, da dignidade do homem e do seu destino marcava cada ato de sua existência. Eis aqui definido o verdadeiro fundamento da minha conduta moral.”

Hahnemann permanecerá em Dresden por 4 anos. Lá também atrai poucos clientes, contudo tem intensas atividades intelectuais e científicas. Através da Maçonaria, torna-se amigo do médico-chefe dos serviços públicos da cidade, o Dr. Wagner, que lhe pede para substituí-lo durante um ano em que esteve doente (31 anos). Assim, Hahnemann familiariza-se com os hospitais da cidade e interessa-se pelas questões de higiene da cidade. Passa a trabalhar como médico das prisões e médico legista. Conhece Lavoisier neste período, quando este visita Dresden.

Um outro amigo maçom, o conselheiro Adelung, chefe da Biblioteca do Príncipe, abre-lhe as portas da grande biblioteca da cidade. Neste período, Hahnemann escreve obras originais e realiza traduções, quais sejam:

Em 1786, aos 31 anos, escreve “Sobre o envenenamento pelo arsênico, seu tratamento e sua constatação do ponto de vista legal”.

Em 1787, aos 32 anos, traduz um livro do farmacêutico belga Van den Sande, sobre  pureza e adulteração de substâncias químicas, ao qual adiciona tantas informações derivadas de suas experiências químicas, que praticamente é um novo livro. Escreve “Critérios de pureza e de falsificação dos medicamentos”. Escreve sozinho 2 livros: “Dissertação sobre os preconceitos contra o aquecimento pelo carvão de terra. Como melhorar este combustível e sua utilização no aquecimento dos fornos” e “Sobre as dificuldades de preparar o álcali mineral pelo potássio e o sal marinho.”

Em 1788, aos 33 anos, escreve 4 obras: “Da influência de alguns gases na fermentação do vinho”, “Sobre os meios de detectar o ferro e o chumbo no vinho” (cujo método é utilizado até hoje para detecção de adulteração nos vinho para torná-lo mais doce), “Sobre a bile e os cálculos biliares”, “Sobre um meio eficaz de deter o processo de putrefação” (este último foi traduzido para o francês no ano seguinte e publicado em Paris no Jornal de Medicina.

Em 1789, aos 34 anos, publica um artigo sobre “Modo exato de preparação do mercúrio solúvel.”

Em 1790, aos 35 anos, outro artigo, “Exposição completa sobre a maneira de preparar o mercúrio solúvel”.

 

Estes livros e artigos tornam Hahnemann conhecido e respeitado na Alemanha e na Europa, mas trazem-lhe também inimigos. O trabalho sobre a toxicidade do arsênico leva à interdição dos remédios à base de arsênico, que eram tão usados para malária à época. Nesta obra, ele foi muito veemente, mostrando-se indignado contra “o degradante comércio de receitas que ofendem a terapêutica, essa ciência imitada de Deus.” Estes trabalhos demonstram a preocupação constante de Hahnemann com adulteração de substâncias, e esta preocupação seria a causa de sua eterna briga com os farmacêuticos. Os médicos, ele também os considerava cruéis, inescrupulosos e gananciosos, além de mancomunados com os farmacêuticos. Neste período, o interesse de Hahnemann é muito voltado para a química.

Já o mercúrio solúvel foi elaborado por Hahnemann no laboratório de seu sogro Häseler, em Dessau.

Enquanto escrevia esses livros, encontrou tempo para traduzir do inglês para o alemão o livro “História de Abelardo e Heloísa”, do inglês Barington, uma obra eminentemente romântica.

Aos 33 anos, nasce seu filho Frederico. A situação financeira continua difícil, sobrevive com os poucos clientes e o dinheiro ganho com traduções e publicações de seus livros. Em 1788, aos 33 anos, seu amigo Dr. Wagner, mal recuperado de sua doença, morre e Hahnemann concorre à sua sucessão, contudo é preterido pelo Dr. Eckhardt, mais velho e residente há longo tempo na cidade. Um ano depois o Dr. Eckhardt falece, mas Hahnemann decide não concorrer à sua vaga, acreditando que suas chances são mínimas.

Decide então deixar Dresden e mudam-se para Leipzig, aos 34 anos, após o nascimento de uma segunda filha, Guilhermina. Seus filhos, como ele próprio em sua infância, têm a saúde delicada, o que piora a situação financeira. Henrietta tricotava praticamente todas as roupas da família. Leipzig era uma próspera cidade industrial, com uma vida médica intensa, e chegam à cidade em 28 de setembro de 1789, dia de São Miguel.

O ano de 1789 foi marcado pela Revolução Francesa, que afetaria todo o continente europeu. E Leipzig era uma importante cidade da Europa Central, constituindo um centro econômico e cultural de monta. Era conhecida como “a cidade do livro”. Hahnemann reencontra sua primeira faculdade, que deixara há 13 anos, e torna-se assíduo freqüentador de sua biblioteca.

Faculdade, início da vida adulta e casamento de Hahnemann

Posso testemunhar por mim mesmo, que também em Leipzig eu pratiquei uma das máximas de meu pai, de nunca ser um ouvinte passivo.”

Este trabalho paralelo foi possível pelo seu conhecimento de diversas línguas. Ele deu aulas particulares de francês e alemão para um jovem grego muito rico. Também traduzia livros do inglês para o alemão. Só em Leipzig ele traduziu quatro livros do inglês para o alemão. Com as traduções, além de ganhar dinheiro, havia um ganho de conhecimento médico. Nesta época, Hahnemann começa a praticar atividades físicas regulares, como caminhadas, para suportar a pressão mental. Este hábito ele manterá até os seus últimos dias.

Também em Leipzig, Hahnemann só assistia às aulas que ele considerava importantes para seus propósitos, mesmo tendo conseguido um passe livre para todas as aulas e palestras de todos os professores de medicina de Leipzig, graças à indicação do Dr. Bergrath Pörner, um renomado médico local que admirava sua inteligência e seus esforços para tornar-se médico, e que havia sido alertado sobre os dotes de Hahnemann pelo Reitor Müller. Contudo, a Faculdade de Medicina de Leipzig, apesar de ser a mais renomada da Alemanha à época, não dispunha de um hospital-escola, onde os alunos pudessem aprender supervisionados pelos seus professores, e isto decepcionou muito Hahnemann, que passou a ler muito mais do que assistir aulas. Um professor de Leipzig que ele admirava muito era o Professor Johann Zeune, a quem ele dedicou um poema em latim

Aos 21 anos, em 1776, Hahnemann decide mudar-se para Viena, onde freqüentava o Hospital dos Irmãos de Misericórdia em Leopoldstat, sob a direção de Dr. Von Quarin, que era o médico particular da Imperatriz Maria Teresa e do Imperador José II. Para esta mudança ele precisou de dinheiro, e relata em sua autobiografia que “uma piada de mau gosto” retirou-lhe boa parte do que economizara em seus dois anos em Leipzig, podendo ter sido roubado ou não ter sido pago por algum amigo que tenha lhe tomado dinheiro emprestado, contudo ele não menciona aquele que perpetrou este desfalque, preferindo perdoá-lo. Com muito pouco dinheiro ele empreendeu esta viagem para Viena, e lá não contava com nada para sua subsistência.

Estes obstáculos não o demoveram de suas decisões, e já em Viena, o Dr. Von Quarin admirou seu entusiasmo e tornou-se seu amigo e demonstrou esta admiração levando-o junto para visitar seus pacientes particulares, regalo que nenhum outro pupilo alcançara, e assim Hahnemann obteve os ensinamentos tanto teóricos quanto práticos que perseguia, mesmo sem poder pagar um centavo a seu tão dedicado tutor.

Após nove meses, as dificuldades financeiras cada vez mais impactantes, já que não tinha nenhuma atividade colateral em Viena por absoluta falta de tempo, veio a seu socorro o próprio Dr. Von Quarin, que o indicou para o Governador da Transilvânia, o Barão Samuel von Bruckenthal, que o contratou para organizar sua biblioteca e valiosa coleção de moedas, e atuar como médico de sua família. Mudou-se então para a Transilvânia após tão breve estada em Viena, mas deve ao Dr. Von Quarin todo o renome que alcançou posteriormente. Chegou lá aos 22 anos e logo ingressou na Maçonaria. Lá começou a atender como médico, embora ainda não estivesse formado, e tratou de muitos casos de malária, endêmico na região, tendo sido acometido por ela também neste período, tendo sido tratado com o pó de quinquina, que lhe causou violentos ardores estomacais.

Aos 23 anos, morando em Hermannstadt, Transilvânia, aproveitou para aprender as línguas locais, além do alemão, quais sejam, romeno e húngaro e umas variedades de eslovaco misturadas. Também dedicava-se ao estudo de outras línguas, e já dominava o Alemão, o Francês, o Inglês, o Espanhol, o Latim, o Grego, o Romeno, o Húngaro e o Hebraico ao deixar Hermannstadt.

Aos 24 anos, após 1 ano e 9 meses aí residindo, voltou à Alemanha para concluir seus estudos de Medicina. Sua estada na Transilvânia proporcionou-lhe os meios financeiros para tal empreitada. Hahnemann escolheu a faculdade de Erlangen, de muito menor reputação do que Leipzig, mas muito mais acessível financeiramente. Outro motivo para escolher Erlangen deve ter sido por esta ser uma das novas Universidades criadas sob a inspiração do movimento cultural chamado ‘Iluminação’, que respeitava a liberdade de opinião e de ensino, estimulando o espírito crítico entre os seus alunos. Certamente, esta Universidade era mais condizente ao espírito inquieto e independente de Hahnemann. Apresentou a monografia intitulada “ Uma visão das causas e tratamento das cólicas”, e depois agradeceu aos seus pais, ao Reitor Müller, ao Dr. Von Quarin, e ao Barão Von Bruckenthal.

Hahnemann permanece um ano em Erlangen, aperfeiçoando seu aprendizado. Aos 25 anos, busca sua primeira instalação como médico, e decide-se pela região da sua Saxônia natal, numa pobre cidade mineira de quatro mil habitantes chamada Hettstedt, chegando lá aos 25 anos. Como muitos habitantes adoeciam devido à manipulação do cobre das minas, Hahnemann traduz um livro sobre as propriedades do cobre e suas intoxicações. Por estar numa cidade com uma população tão pobre, seu consultório permanece vazio, e Hahnemann preenche seu tempo livre escrevendo artigos médicos, um em especial sobre a sífilis, que é publicado no jornal Observações Médicas de Krebs, tornando-o conhecido no meio médico. Aproveita também o tempo livre para estudar mineralogia e química, sendo que este último era o assunto que mais crescia na Europa de então, desde os trabalhos de Van Helmont e Boyle no final do século XVII.

Aos 26 anos, acossado pela necessidade, deixa Hettstedt e instala-se em Dessau, na mesma região, porém muito mais rica e com uma vida cultural importante, com teatros e salas de concerto.

Sua clientela foi gradativamente crescendo, junto aos seus estudos de química, que o levam a conhecer um importante farmacêutico da cidade, chamado Häseler, dono de uma bela farmácia localizada no centro da cidade. A farmácia, à época, era o segundo principal local(só ficando atrás das tabernas) onde os homens reuniam-se para conversar sobre negócios, política e outros assuntos, nas cidades da Europa. Junto à farmácia ele mantinha um laboratório de química, para o qual convidou Hahnemann para freqüentar e participar de suas experiências químicas. Cabe lembrar que nesta época a química era profundamente ligada à alquimia, e foi este farmacêutico que o iniciou nesta arte e ciência. Posteriormente Hahnemann introduziu na farmacopéia homeopática remédios derivados destas experiências alquímicas, como o Mercurius vivus, o Hepar sulphur e o Causticum.

Häseler, seu amigo farmacêutico, é padrasto de uma linda jovem de cabelos negros e grandes olhos castanhos, chamada Johanna Leopoldina Henrietta, nove anos mais nova que Hahnemann, ou seja, 17 anos nesta época. Henrietta era herdeira de seu pai, que também fôra farmacêutico. Hahnemann apaixonou-se por ela, e como ainda não desfruta de uma vida confortável financeiramente, busca novos meios de subsistência, pois não admite ser sustentado pela esposa ou pelos sogros. Häseler o indica para um posto de médico higienista numa cidade a quarenta quilômetros de Dessau, chamada Gommern, onde receberia um salário modesto, mas fixo, e poderia abrir um consultório nesta cidade. Gommern era pouco populosa, cerca de mil e quinhentos habitantes, mas era uma cidade próspera devido à agricultura e pecuária.

Em Gommern, a clientela também não aparece, e Hahnemman não consegue ganhar a vida. Contudo ele permanece aí e casa-se com Henrietta em 1782, aos 27 anos, em Dessau, e a leva para sua casa, que não é nada confortável. Seus sogros não apreciam muito o casamento, e Häseler fez um comentário a amigos, “ninguém casa-se com um sujeito esquisito como este!”. Um de seus presentes de casamento mais queridos foi um leque de marfim, exibindo uma cena de família, pintado pelo seu próprio pai, que Hahnemann ganhou um mês antes do casamento ao visitar seus pais.

Sua clientela é escassa em Gommern, e seu tempo livre é dedicado ao estudo da medicina e às experiências químicas com Häseler. Retoma as traduções, e dedica-se a traduzir alguns importantes livros técnicos de química, que ajudaram a impulsionar a indústria química na Alemanha. Suas traduções são acrescidas de correções técnicas e anotações pessoais.

A juventude de Hahnemann

O Reitor, Mestre Müller, amava-me como se eu fosse seu próprio filho.”

Aos 15 anos, passou a estudar na Escola do Príncipe, por um especial convite do Reitor Müller, que transferiu-se para lá e arranjou para que Hahnemann não pagasse nada. O lema da escola, escrito logo no portão de entrada era ‘Sapere Aude’ (ousa saber), e depois Hahnemann o usaria na capa do Organon, seu mais importante escrito, a partir da segunda edição. Seus professores reconheciam seu talento e dedicação, não lhe cobrando tarefas escritas ou cópias, e deixando que ele só assistisse às aulas que considerava importantes para sua formação. Ele não era interno na escola, e dormia na casa do reitor, a quem ajudava nas correções de lições.

Formou-se na Escola do Príncipe aos 20 anos, tendo apresentado uma dissertação em latim, como era costume na época, intitulada “A Maravilhosa Construção da Mão Humana”. Após sua apresentação, expressou sua gratidão à ajuda e suporte recebidos em seus anos de estudo do Reitor Müller e dos outros professores, de seus pais e de seus irmãos. Este agradecimento foi feito através de um poema que ele escreveu em francês, sendo ovacionado pelos presentes à formatura ao retirar-se do púlpito em direção às cadeiras para juntar-se aos seus pais.

Ainda aos 20 anos ingressou na Universidade de Leipzig, e daí em diante afastou-se praticamente completamente de sua casa paterna, só tendo tido oportunidade de voltar uma vez, e depois nem para as festividades. Seus anos de estudo sempre foram marcados pela dedicação de muitas horas sobre os livros e pelo trabalho paralelo para custeá-los.

Início da vida estudantil de Hahnemann

Meu pai não queria que eu estudasse.”


Seu interesse pela natureza expressa-se logo cedo, recolhendo amostras de plantas nos seus passeios pela região, e depois separando-as, organizando-as e guardando em casa.

Ele estudou em uma tradicional escola de Meissen, a Escola do Burgo, até os 15 anos. O reitor da escola, o Professor Johann Müller, o amava como a um filho, e lecionava redação e línguas antigas. Por dificuldades financeiras, seu pai o retirou da escola algumas vezes para trabalhar e ajudar no orçamento doméstico, mas, atendendo aos insistentes pedidos dos professores, permitiu que ele voltasse a estudar, onde não lhe era mais cobrado nada. O menino Samuel tinha um excepcional talento para aprender idiomas.

Ainda enquanto estudante, aos 12 anos, o reitor o convida para lecionar grego em sua escola. Seus colegas também o tinham em alta consideração. Estudava muito e não fazia atividades físicas, o que o levava a adoecer freqüentemente.

Numa das vezes em que seu pai o retirou da escola, o enviou aos 14 anos para outra cidade, Leipzig, para trabalhar numa padaria, onde vivia como aprendiz. Por gostar muito de estudar, o rapaz fugiu da padaria e voltou para casa, onde sua mãe o escondeu por vários dias, com medo da reação de seu pai, até que ela preparou o terreno para que o pai escutasse o que Samuel tinha a dizer sobre seus sonhos de vida, ligados à ciência e à pesquisa. Gostava tanto de estudar que fez um pequeno candelabro de barro para usar à noite e poder estudar escondido. Neste setênio já lia os clássicos em grego e latim.

Hahnemann não seguiu a tradição de sua família de artistas, mas tinha um certo talento artístico. Ele enfeitava seus cadernos de estudo e suas cartas com desenhos, e tinha um senso de humor demonstrado quando assinava seu nome através de um desenho de um galo com o sufixo “-emann” (“Hahn” significa galo em alemão).