O que será o amanhã?

Marcelo Guerra

O futuro lhe preocupa? Quantas vezes você perdeu o sono de tanto pensar no que vai lhe acontecer? Quanto mais responsabilidades você tem, mais o futuro lhe perturba. Pode haver uma sensação de estar andando sobre um fio estendido num lugar escuro. Em alguns momentos você sente que é plenamente capaz de enfrentar o que aparece. Em outros, você teme fracassar diante de desafios que possam aparecer.

Costumamos lidar com o futuro usando o controle. “Se tudo estiver sob o meu controle, o que pode me assustar no futuro?” Mas o futuro sempre traz alguma surpresa… Não há garantias, não há certezas! Olhamos para o futuro geralmente com os olhos acostumados a padrões de comportamento que trazemos do passado. É como se usássemos óculos coloridos, cada um com a cor que foi criando ao longo da vida.

Dentre esses padrões, você pode se colocar como vítima e pensar “logo alguém vai estragar meu futuro mesmo”. Ou, então, como algoz e pensar “vou acabar machucando alguém de novo”. Esses padrões são exemplos de como podemos delegar a outra pessoa as condições para construirmos nosso futuro. Essa construção é feita com elementos que hoje temos e com aquilo que surge de novo a cada dia – e muitas vezes teimamos em ignorar.

Quais padrões são realmente seus?

Os padrões de comportamento começam a ser construídos na infância, segundo as normas e hábitos que aprendemos em casa e na escola, e pela imitação que fazemos do comportamento dos nossos pais. Isso nos molda de forma profunda e depois é muito difícil modificar a influência que exercem sobre nosso comportamento. Mas muito difícil não significa impossível. Para nos tornarmos indivíduos livres precisamos identificar nossos padrões de comportamento e perguntarmos sobre cada um deles:

  • Isso é meu mesmo ou é do meu pai, da minha mãe, da cidade onde nasci e fui criado?
  • Isso ainda me serve hoje?
  • É isso que eu quero desenvolver e levar adiante na minha vida ou posso trabalhar para mudar esse padrão?

Muitas vezes é preciso da ajuda de um psicoterapeuta, mas um olhar crítico e atento para si, já pode trazer bastante descobertas.

Parece ilógico olhar atentamente para o passado para lidar com o futuro de uma forma mais segura. Contudo, é este passado que modifica a cor das lentes dos óculos que usamos para vislumbrar o futuro. Se as lentes não forem transparentes não veremos com clareza. Lentes cor de rosa vão lhe proporcionar uma visão muito diferente daquele que usa lentes marrons. E nenhuma das duas se aproxima do real.

Após aprender com o passado, é preciso aprender a estar no presente, a estar no momento. O momento é um período de tempo que pode parecer mínimo, mas é eterno, porque estamos sempre nele, embora nossa mente possa estar lá atrás ou lá na frente. É no momento presente que vamos encontrar os elementos com os quais construiremos nosso futuro. Precisamos estar atentos para identificar esses elementos que nos chegam de presente, como as surpresas cotidianas. Nem sempre esses presentes parecem bons, a princípio, mas no desenrolar dos acontecimentos podem se revelar um fator determinante para uma mudança de vida. Um exemplo muito comum disso é uma demissão inesperada. Quantas pessoas ficam felizes ao serem demitidas? Acredito que muito poucas, se é que há alguma. Porém, após um ano de demissão, muitas pessoas podem estar trilhando um caminho profissional mais de acordo com suas próprias expectativas e aptidões e, consequentemente, com maior satisfação no trabalho. Como você vê, o que você mais precisa para acolher o futuro é atenção, estar consciente de como e onde foi criada e de quem é agora, e saber acolher o que cada momento nos reserva de surpresas, para poder florescer quem você deseja ser.

Artigo originalmente publicado em Personare.

De onde surge a poesia?

Manoel de Barros

No aeroporto o menino perguntou:

– E se o avião tropicar num passarinho?

O pai ficou torto e não respondeu.

O menino perguntou de novo:

– E se o avião tropicar num passarinho triste?

A mãe teve ternuras e pensou:

Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia?

Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom 
senso?

Ao sair do sufoco o pai refletiu:

Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.

E ficou sendo.

O fascínio das celebridades

Marcelo Guerra

No próximo dia 29 de abril será realizado o aguardado casamento do príncipe William com Kate Middleton, o que a imprensa anuncia como o “Casamento do Século”, repetindo o que ocorreu com o dos pais do príncipe, o Príncipe Charles e a Princesa Diana.

Recentemente encerrou-se mais uma edição do Big Brother Brasil, novamente com uma enorme audiência. Revistas e sites especializados na vida de celebridades estão entre os mais lidos em todos os tempos. Alguns artistas e esportistas lançam mão desses veículos de comunicação para se promover, sendo presenças assíduas neles. Diante de qualquer acontecimento polêmico, a imprensa busca a opinião não só de especialistas, mas também de celebridades.

De onde vem o fascínio que as celebridades exercem sobre o nosso imaginário? Se você busca uma resposta superficial, pode contentar-se com a natural curiosidade que temos pela vida dos outros, amplificada pela cobertura jornalística. Queremos saber como as celebridades vivem, o que gostam de fazer, o que comem, o que vestem, como são as suas casas.

Há algo mais nesse interesse. Cada celebridade simboliza um ideal. A rainha da Inglaterra é um símbolo de todas as qualidades que podemos atribuir aos ingleses. Podemos imaginar que, todas as tardes, ela senta-se pontualmente às 5h para tomar um chá com sua família real, e nos surpreenderíamos se ela saísse nesse horário para pegar um lanche num drive-thru de alguma lanchonete. Ela carrega toda a tradição da realeza e dos costumes ingleses. Cada cidadão inglês pode , assim, identificar-se com a rainha.

Em relação a artistas ou esportistas, cada um representa um atributo que podemos admirar ou invejar. Podemos admirar a alegria transbordante de Ivete Sangallo, a determinação de Ayrton Senna e o desejo de chocar de Lady Gaga. Cada um terá sua legião de admiradores. Eu posso admirar aquele traço que ainda pretendo desenvolver na minha vida, ou aquilo que nunca ousaria fazer, mas que a celebridade fez em meu lugar. Dificilmente veremos alguém vestido com bifes de carne numa festa, mas muitos admiraram a Lady Gaga por ter tido a ousadia de vestir-se assim, pretensamente sem importar-se com a opinião alheia.

Na adolescência é comum a busca por ídolos que representem um ideal de vida. O adolescente busca, através dos ídolos, um modelo daquilo que pretende ser quando adulto. Quando eu era adolescente, meu grande ídolo era o Zico, craque do Flamengo, e ainda hoje o admiro muito. Minha admiração não se restringia à habilidade com que jogava futebol, mas também à seriedade, ao compromisso com o time e ao exemplo de superação de situações adversas.

No caso específico de um casamento de um príncipe com uma mulher de classe média, o simbolismo torna-se ainda mais forte, já que muitas mulheres e adolescentes alimentam a fantasia inconsciente de encontrar um príncipe encantado. Kate encontrou um príncipe de verdade! Seu casamento reafirma a todas as mulheres que é possível , mesmo que o príncipe não tenha título de nobreza.

É pela força da identificação com nossos ideais que as celebridades podem cair em desgraça com uma grande facilidade. Quando alguma notícia desfavorável chega ao público, não é só pelo fato noticiado que as pessoas se sentem decepcionadas, mas pela quebra do símbolo. No fim das contas, aquele ídolo também erra, também tem incoerências, também é humano.

A Magia das Cores

Herman Hesse

Para lá e para cá anda o sopro de Deus,

Céu abaixo e acima, muitas vindas e idas,

Aos milhares as canções que entoa a luz,

Deus torna-se mundo nas cores garridas.

 

O branco pelo preto, o frio pelo quente,

Sentem sempre mútua atração,

O arco-íris aclara-se eternamente,

Depura-se de uma caótica agitação.

 

Assim na nossa alma se transforma

Em mil tormentos e imensas alegrias

A luz de Deus, que a tudo dá forma,

E que como o Sol exaltamos todos os dias.

 

Onde Goethe foi beber sabedoria

Aprendimentos

Manoel de Barros

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos.

Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles – esse pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala. Sócrates falava que as expressões mais eróticas
são donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.

Do livro: “Memórias Inventadas – As infâncias de Manoel de Barros”.

Você tem a mente aberta?

Marcelo Guerra

É comum ouvir as pessoas dizerem com orgulho que têm a mente aberta. Mas o que isso significa realmente? Ao entramos em contato com ideias ou situações novas geralmente somamos nossas próprias convicções, que funcionam como reflexo, checando tudo que nos é apresentado. Podemos fazer uma analogia com um grande quebra-cabeças, comparando as pecinhas (novas ideias e situações) com a foto na tampa da caixa do jogo (nossas ideias preconcebidas). E nos perguntarmos: Será que podemos ir além do que a tampa do quebra-cabeças nos mostra? O mundo se resume à tampa do quebra-cabeças? E se criarmos um novo quebra-cabeças, sem tampa, para nos orientar?
A imagem que o mundo exterior nos oferece muitas vezes pode confirmar nossas crenças, mas o que acontece quando estão em oposição ao que pensamos ou não têm qualquer relação com o que acreditamos? Mesmo sendo capazes de ouvir o outro, nossa tendência é rejeitar de imediato todos os movimentos de não-conformidade com nossa tampa de quebra-cabeças.?
Para evitar este julgamento apressado, toda vez que estivermos diante de uma experiência nova, é importante nos mantermos presentes na situação, com os sentidos bem alertas, recebendo o que o mundo externo está apresentando. Evitando interpretações e inferências, tendo uma atitude receptiva – ou contemplativa – seremos capazes de perceber sentidos diferentes dos esperados na nossa tampa de quebra-cabeças.
Um exemplo banal sobre como isso acontece pode ser percebido quando vamos ao cinema. Se antes lemos uma crítica ou entrevista com o diretor explicando os motivos pelos quais realizou a obra, criamos uma determinada expectativa. Mas se resolvemos assistir meio às cegas, sem uma “preparação”, ficamos abertos para as revelações do filme sobre nossos sentidos. A segunda opção proporciona uma experiência mais completa.
Na verdade, após experimentar o que o mundo externo oferece, estando presente sem julgamentos, podemos promover o encontro das impressões dos sentidos com as ideias, com resultados enriquecedores.
Ter a mente aberta, portanto, não significa abdicar de convicções, mas estar presente nas situações novas que aparecem e só depois refletir sobre como elas agem sobre nós. Esta atitude permite um aprendizado muito além de colecionar informações, ajuda a construir um conhecimento a partir do mundo real, e é ainda mais importante na forma como nos relacionamos com as pessoas.
Numa conversa ou discussão, se tudo que ouvimos passa pelo filtro das convicções, não há espaço para o outro se revelar. E se além das convicções, este filtro vier preenchido com nossas qualidades e defeitos projetados no outro, não é possível percebê-lo como realmente é. Mente aberta não significa ausência de convicções formadas, mas saber reconhecer o outro como ser único, com suas próprias certezas. Só assim existe abertura para receber o que o outro traz e, talvez, formar um novo quebra-cabeças, com cores e formas não programadas.

Artigo publicado originalmente na Revista L’Aura.