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Saberes médicos e sentidos da vida – Entrevista ao Jornal A Voz da Serra

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Maurício Siaines

Marcelo Guerra é um médico homeopata que atende no centro de Nova Friburgo, em Lumiar e em Cantagalo. Escreve para o site Personare e organiza, também, “vivências de terapia biográfica em grupo”, em Nova Friburgo e em São Paulo. Nestas últimas, procura levar o grupo a compartilhar fatos das vidas dos componentes do grupo, buscando “um fio de sentido” que conecte esses fatos, procurando levar os participantes à consciência desse sentido para poder ajustar suas vidas a seus sentidos
Marcelo deu entrevista para A VOZ DA SERRA, no sábado, 6 de outubro, em Lumiar, falando de suas experiências e de sua visão de mundo e da medicina.
A VOZ DA SERRA – Fale um pouco de sua trajetória de vida.
Marcelo Guerra – Nasci em São Gonçalo (RJ) e vivi lá até os 22 anos. Estudei medicina na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), na Ilha do Fundão. Antes, estudei em São Gonçalo na Escola [Municipal Presidente] Castelo Branco e depois em Niterói, no [Instituto] Gay Lussac. Uma história curiosa dessa escola em que estudei: quando era pequeno, passava ao local onde depois foi construída essa escola e não tinha obra, não tinha nada, era uma chácara. E eu dizia para minha avó que ia estudar ali. Explicavam-me que não estudaria ali, porque era uma casa, onde moravam pessoas. Depois, demoliram e fizeram essa escola. E fui estudar lá. Quando fui estudar no Fundão, era uma hora e meia para lá e uma hora e meia para cá … Isto quando não tinha engarrafamento, quando não quebrava o ônibus da CTC (Companhia de Transportes Coletivos do Estado do Rio de Janeiro). Depois, vim para o interior [do estado].
AVS – Por que esta sua escolha de mudar-se para o interior?
Marcelo Guerra – Tinha um tio-avô que havia comprado um sítio em Monnerat [distrito de Duas Barras]. Esse tio-avô e minha avó são de Euclidelândia, em Cantagalo. Foram criados em Macuco e mudaram-se para Niterói—ainda adolescentes. E ficaram com aquela visão idílica dessa Região Centro-Norte. E aí, esse tio comprou o sítio e, quando eu tinha 12 anos, me convidava para passar fins de semana e férias. E eu adorei Monnerat … Vinha a Friburgo, que achava linda—acho ainda. Depois, meu tio loteou o sítio para os parentes com prestações a perder de vista. E minha mãe comprou um lote e fez uma casa. E vínhamos nos fins de semana e nas férias. Assim, já tinha contato com as pessoas de Monnerat e gostava muito, meu sonho era morar em Monnerat, trabalhar lá. Quando pude fui para lá. Minha então esposa, que trabalhava no Banco do Brasil, transferiu-se para Cordeiro, montei um consultório em Monnerat, arranjei emprego no hospital de Bom Jardim, depois na Prefeitura de Duas Barras.
AVS – O consultório já era de medicina homeopática?
Marcelo Guerra – Não, era de pediatria. Depois fui trabalhar em Cantagalo, que foi o lugar em que tive mais clientes. Nessa época, fui fazer o curso de homeopatia, no Rio, no Instituto Hahnemanniano Brasileiro (IHB). E continuei a trabalhar em Cantagalo e nos outros hospitais, em Valão do Barro, em São Sebastião do Alto, em Macuco, em Cambuci.
AVS – Sua vida profissional foi, então, sempre no interior?
Marcelo Guerra – Sempre no interior. Hoje, quando converso com colegas, ou com minha filha que estuda medicina, vejo como é diferente a forma como a medicina é exercida no interior e na cidade grande. Agora, voltei a atender em Cantagalo. Quando chego lá e encontro as pessoas, é como se fosse um reencontro de amigos. Isso não existe mais na cidade grande.
AVS – Falando em cultura do interior, há um grande diferença entre o interior de São Paulo e do estado do Rio. Em São Paulo, o interior é muito vivo, rico, e o estado do Rio parece ter sido meio esquecido, mas agora parece estar se revitalizando …
Marcelo Guerra – Não sei … Cantagalo, por exemplo, é muito arrumadinho, muito bonito, mas sinto que os jovens que se formam não têm como trabalhar, precisam sair. Aqui em Friburgo, também. Acho que isso reflete a decadência econômica do estado todo.
AVS – Você era pediatra e de onde veio essa inclinação pela homeopatia?
Marcelo Guerra – Minha relação inicial com a homeopatia era de repúdio. Estudei no Fundão e lá a homeopatia é vista como não sendo medicina. Mas, um dia, tive contato com um professor que estava levando um filho ao médico homeopata. E ele me contou que o filho tinha asma, que nunca melhorava, tinha crises uma atrás da outra, e melhorou com a homeopatia, não teve mais crises. E ele me disse: “Não sei como é, mas funciona”. E então fui assistir a uma palestra [sobre homeopatia] e gostei. Aí me inscrevi no curso—ainda meio desconfiado. Isso foi em 1990. Fui ver qual era e acabei fazendo o curso todo e descobrindo ali o meu graal.
AVS – O santo graal?
Marcelo Guerra – Tinha acabado de ler a história do Parsifal e ele, quando entra no castelo onde está o graal, vê o graal, mas não sabe o que é. Depois ele fica sabendo e tenta de novo chegar lá.
AVS – Mas por que foi o seu graal?
Marcelo Guerra – Porque estudei homeopatia mas, apesar de ter logo sucesso com os clientes, os tratamentos dando certo, ficava sempre assim como se não fosse bem aquilo. Depois fui fazer acupuntura, depois terapia biográfica …
AVS – E a psicanálise?
Marcelo Guerra – A psicanálise aconteceu em Niterói. Ainda durante a faculdade fiz dois anos de [formação em] psicanálise lacaniana, na Escola de Psicanálise de Niterói. Mas era como se eu estivesse sempre procurando uma outra coisa que complementasse, achando que faltava alguma coisa. Mas, no fim das contas, vi que meu graal era a homeopatia. Ali é que estava o que eu precisava, o que eu buscava, a visão de pessoa, a visão de como lidar com a doença, de como lidar com o paciente, estava tudo ali. As outras [tendências de pensamento] falam coisas muito semelhantes, apesar de teoricamente serem muito diferentes.
AVS – Há quem entenda o sucesso da homeopatia em parte como efeito psicossomático, isto é, como algo que tem efeito sobre o corpo a partir de uma situação psíquica, relacionado com algo como uma crença, ou uma crença compartilhada por um grupo social que, assim, interfere na realidade corporal. Como você vê isso?
Marcelo Guerra – Pois é, mas há situações de pacientes que não acreditam na homeopatia. E há também o paciente que diz o seguinte: “Ah! Me dou muito bem com a homeopatia porque acredito”. Eu discordo, porque não é isso, não é questão de acreditar. É a questão, por exemplo, da homeopatia veterinária: o cachorro não acredita em nada, o passarinho não acredita em nada. Uma planta: agora usa-se homeopatia na agricultura. Como seria possível uma planta melhorar de uma doença com a homeopatia? Não é por fé. Não é preciso acreditar, é só tomar o remédio.
Tive um paciente, uma vez, um senhor, que chegou irado—isto foi lá em Cambuci—, ele chegou brigando, falou um monte de palavrões e disse: “Só vim porque minha filha marcou, me obrigou a vir!”. Como ele disse tudo isso antes da consulta, pensei que nem adiantaria levá-la adiante, imaginando que ele não fosse tomar o remédio. Perguntei então a ele: “Antes de perdermos tempo, se eu passar algum remédio o senhor vai tomar?”. Respondeu-me que tomaria porque a filha é que pagaria. Aí, conversei com ele, perguntei tudo, anotei e prescrevi. Funcionou e o cara ficou meu fã. Depois, me mandou um monte de pacientes. Se dependesse de acreditar, com aquele ali nada daria certo, não tinha a menor chance.
Agora, como funciona? Existem algumas teorias mas não me aventuro [a discuti-las]. Honestamente, funcionando, não me interessa saber como funciona. Não que não seja importante saber como funciona, é importante, mas este não é o meu trabalho, mas dos cientistas. Há um estudioso, Jacques Benveniste, Prêmio Nobel de medicina, que descobriu o vírus da aids. Ele é um médico francês que hoje pesquisa como funciona a homeopatia, como funcionam esses remédios tão diluídos. Ele trabalha com isso, eu, não. Trabalho com o paciente.
AVS – Aqui você traz a seguinte questão: a medicina, embora se baseie em conhecimentos científicos, também é uma arte, também depende da intuição e de percepções não necessariamente racionalizadas. O que você pensa disto?
Marcelo Guerra – Exatamente, o [Christian Friedrich Samuel] Hahnemann [1755-1843], quando escreveu o livro que é uma espécie de Bíblia da homeopatia [em 1810], deu-lhe o nome de Organon da Arte de Curar, não da ciência de curar. Se você vai fazer uma pintura você tem que aprender a técnica, não é simplesmente a intuição ou a sensibilidade. Fora as pessoas excepcionais, que têm um dom especial, é preciso ter uma técnica, aprender esta técnica, e colocar sua sensibilidade junto. Medicina é uma arte. Tem-se hoje a ideia de medicina baseada em evidências, que, na realidade tem sido medicina baseada em exames e muitas vezes o médico nem olha a cara do paciente, só sabe do resultado do exame. Se no exame apresentam-se tantos leucócitos ou tantos não sei o quê, não interessa nem se o paciente está bem ou não. Às vezes está bem [apesar de o exame sugerir o contrário]. Às vezes é uma situação que até já acabou. Hoje em dia há uma enxurrada de exames e as pessoas nem conversam.
AVS – Isto faz lembrar o Nelson Rodrigues quando falava em “idiotas da objetividade”: esse saber muito objetivo ajuda, é claro, mas o estado do paciente o médico pode perceber com aquelas práticas antigas, com a observação imediata da pessoa …
MG – … e aí, o exame complementar voltaria a ser realmente complementar. Hoje, na medicina convencional, acho que é o principal.
AVS – Mas isto está mudando, não é?
Marcelo Guerra – Está porque as pessoas estão querendo, estão precisando ser atendidas e não só examinadas, não só fazer exames complementares. As pessoas estão querendo ter um atendimento de verdade.
AVS – São quase que duas profissões diferentes, embora complementares: a medicina praticada com a percepção clínica do médico, com o chamado “olho clínico”, e a medicina, digamos, teórica.
Marcelo Guerra – E o teórico, o pesquisador, traz o recurso da técnica que permite fazer com segurança o trabalho junto com o paciente.
AVS – Outra questão interessante é a das regularidades necessárias à vida humana. Precisamos de uma regularidade de sono e vigília—inclusive, diferente de outros animais—, assim como precisamos comer ou beber periodicamente. Não podemos nos livrar dessas regularidades, não é?
Marcelo Guerra – A esse respeito, pode-se pensar na rotina. A gente reclama tanto da rotina, mas ela é necessária. Ela vem dos hábitos e, estes, trazemos muito de nossa infância, do modo como fomos criados. Por exemplo: você está fazendo uma longa viagem de carro e para às 11h. Aí, come um sanduíche e continua a viagem. Mas você tem o hábito, desde criança, de almoçar ao meio-dia. Você comeu e não está com fome, mas, ao meio-dia, você sente que está faltando alguma coisa. A gente vive reclamando dos hábitos e das rotinas, mas mudá-los é muito difícil. E viver totalmente sem rotina é praticamente impossível. Seria muito cansativo e insuportável e não ter uma rotina acaba virando uma rotina. As regularidades são necessárias, fazem parte da vida da gente. Mas não se pode ficar escravo dos hábitos. Nesse exemplo da viagem, a pessoa não pode deixar para comer só ao meio-dia porque, às vezes, não haverá nada na estrada para se comer a essa hora.
AVS – É difícil distinguir o que é propriamente uma necessidade do corpo do que é criado pela mente, não é?
Marcelo Guerra – Há quem procure separar o que é do corpo e o que é da mente, mas, na realidade, tudo é uma coisa só. Tanto a homeopatia, quanto a medicina chinesa pensam assim.
AVS – E quanto à terapia biográfica?
Marcelo Guerra – Ela vem muito em cima da pessoa tomar [o controle da própria vida]. Existe o livro da doutora Gudrun Burkhard, cujo título é “Tomar a vida nas próprias mãos”. Apesar do nome alemão, ela é brasileira [de São Paulo] e atualmente mora em Florianópolis. Muitas vezes a pessoa atribui seus problemas a outro, ou às circunstâncias, à família. Também acontece da pessoa ter necessidades que não foram satisfeitas, mas ela não vai voltar lá atrás para refazer as coisas. Pode-se buscar entender qual o sentido disso e o que se pode fazer daqui pra frente.
AVS – Qual a diferença entre essa perspectiva e a psicanalítica?
Marcelo Guerra – É que a psicanálise trabalha muito com o conceito do inconsciente. Na terapia biográfica há a influência da antroposofia, criada por Rudolf Steiner [1861-1925], e tem também a influência do Viktor Frankl [1905-1997], que foi psicanalista. Ele era judeu e austríaco, como Freud. Ele não acreditou muito que viesse a acontecer a perseguição aos judeus. E aí, foi preso e passou seis anos no campo de concentração de Auschwitz. Ele criou uma nova linha de terapia, a logoterapia, baseada no sentido. Ele pensa o seguinte: os prisioneiros não eram sempre mandados imediatamente para a câmara de gás, eram postos para trabalhar. E ele se pergunta por que algumas pessoas morriam nos campos de concentração de doenças, de fome, de frio? Por que uns morriam e outros, não? Ele se perguntava o seguinte: “O que faz a gente sobreviver?”. A pessoa perdeu tudo, a família, o nome, profissão, casa, todos os seus bens. Por que alguns sobreviveram mesmo assim? A partir dessa questão ele escreveu um livro clássico, “O homem em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração”. Ele diz que ter um sentido para a própria vida faz com que a pessoa permaneça viva, dá uma força para sobreviver.
AVS – Mas existem circunstâncias, como essa do campo de concentração, em que a vida se altera tanto, que a pessoa precisa encontrar outro sentido…
Marcelo Guerra – Será? O importante é a pessoa olhar sua vida e perceber um sentido, que não tem que ser imutável. Não é uma ideia de um destino pesado sobre a pessoa, pois, se fosse assim, não seria tomar a vida em suas mãos. Quando se tem a percepção de um sentido em sua história de vida, consegue-se diminuir a insatisfação.

Transcendência e Auto-Realização

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Uma pessoa sempre está projetando-se para além de si mesmo, dedicando-se a alguém ou a alguma coisa, em nome do amor. Desta forma, a pessoa pode encontrar sentido no mundo exterior. O homem transcende sua existência ao amar outra pessoa ou dedicar-se a alguma causa, ao invés de ficar fixado em seu umbigo, contemplando-se. A auto-realização é conseqüência desta transcendência, e isto pode ser percebido em diversos exemplos de personalidades famosas, como Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá (mesmo com seus conflitos em relação à fé), Gandhi, etc. Guardadas as devidas proporções, podemos encontrar esta transcendência em situações do nosso cotidiano como, por exemplo, na dedicação a nossos papéis familiares, como pais, filhos, irmãos. Assim, a melhor maneira de conseguir a felicidade é dedicando-se a causas desinteressadas.

Pó e Luz

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“Não há oposição entre o conhecimento de si mesmo que a psicologia propõe e o conhecimento de si mesmo que a espiritualidade propõe. Porque uma psicologia que não se abre a um itinerário espiritual corre o risco de nos enclausurar e, mesmo, nos desesperar. (…) Assim, o que impressiona em um ser humano que entrou neste caminho de transformação é, ao mesmo tempo, sua grandeza e humildade. Ele sabe que é pó e que ao pó retornará. Mas sabe também que é luz e que à luz retornará. E o que é o ser humano, senão esta poeira que caminha para a luz e que dança nela? É a este caminhar, a esta marcha que nós somos convidados por Fílon de Alexandria, Francisco de Assis e Graf Durckheim. E a vocês todos, desejo uma boa caminhada, um belo itinerário, com cumes e vales a atravessar. Porque o importante mesmo é caminhar!”

Extraído do Prefácio do livro Terapeutas do Deserto, de Leonardo Boff e Jean-Yves Leloup

Vida e Destino

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As almas em seus carros alados, quando antes de encarnar, chegam a um grande descampado, dão uma olhada para o alto. Contemplam em seus pedestais, a Justiça, a Beleza, o Pensamento, a Temperança, o mundo das idéias eternas e imutáveis, que ficam na “planície da Verdade”, diz Platão. Logo em seguida, elas escolhem o que vai ser a “sua vida efêmera”, à qual permanecerão ligadas por obra de Necessidade. Deusa caprichosa, ela, que tece seu fuso, e suas filhas, as temidas Parcas, cortam o fio da existência quando querem. Bebendo no rio do Esquecimento, prossegue o mito, perdemos a memória dessa escolha inicial de nossas almas – sem culpa nem responsabilidade de ninguém mais – cujo vínculo permanece no EU interior, nosso guia e destino ao mesmo tempo.

As Moiras, filhas do Destino

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As moiras eram três irmãs que determinavam os destinos humanos, especialmente a duração da vida de uma pessoa e seu quinhão de atribulações e sofrimentos.

  • Cloto (em grego “fiar”) segurava o fuso e puxava o fio da vida.
  • Láquesis (”sortear”) enrolava o fio e sorteava o nome dos que iam morrer. Distribuía o quinhão de atribuições de uma vida;
  • Átropos (”não voltar”) cortava o fio. Determinava os que iam morrer.

As moiras eram filhas de Moro e Nix. Moira, no singular, era inicialmente o destino. Na Ilíada, representava uma lei que pairava sobre deuses e homens, pois nem Zeus estava autorizado a transgredi-la sem interferir na harmonia cósmica. Na Odisseia aparecem as fiandeiras.

O mito grego predominou entre os romanos a tal ponto que os nomes das divindades caíram em desuso. Entre eles eram conhecidas por parcas chamadas Nona, Décima e Morta, que tinham respectivamente as funções de presidir ao nascimento, ao casamento e à morte.

Os poetas da antiguidade descreviam as moiras como donzelas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Nas artes plásticas, ao contrário, aparecem representadas como lindas donzelas. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos, e criaram Têmis, Nêmesis e as Erínias. Pertenciam à primeira geração divina, e assim como Nix eram domadoras de deusas e homens. Junto de Ilitia, Ártemis e Hecate, Cloto atuava como deusa dos nascimentos e parto. Láquesis atuava junto com Tiche, Pluto, Moros, etc. qualificando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. Atropo juntamente de Tânatos, Queres e Mors determinava o fim da vida.

O Sentido da Vida

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O sentido da vida apresenta-se de duas formas, uma mais imediata e uma mais transcendental, e ele manifesta-se pela vocação, que é uma palavra derivada da palavra “voz”. A vocação, portanto, é um chamado para uma tarefa a ser realizada no presente, mas que aponta para o futuro.

Em determinados momentos da vida, ouvimos internamente um chamado, assim como nos contos de fadas e nos mitos. Como reagimos ao chamado? Nos lançamos à aventura de viver o destino que trazemos impresso em nosso eu interior ou fingimos que não o ouvimos e, com medo do desconhecido, nos fechamos em padrões de comportamento aos quais já nos habituamos, mesmo que não sejam agradáveis, mas pelo menos já estamos acostumados a eles?

A filosofia e a ciência, desde o início da Renascença têm se esforçado para fazer crer que não existe um sentido transcendental para o ser humano. Provavelmente como reação aos abusos cometidos na Idade Média em nome de Deus, cujo nome foi usado para justificar toda sorte de explorações e absurdos.

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O rápido desenvolvimento tecnológico que começou no século XX nos faz sentirmo-nos parte de uma engrenagem, que funciona por si mesma e que não possui um sentido transcendente. Qual a conseqüência disso? A depressão, a superficialidade das relações, o vazio existencial. Afinal, se eu sou apenas uma parte de um mecanismo, eu posso ser substituído sem prejuízos para tal mecanismo. É para isto que eu sirvo? O ser humano enquanto indivíduo, enquanto ser único, imbuído de uma missão de vida, imbuído de qualidades únicas, ficou relegado a um segundo plano, talvez terceiro ou quarto.

E, no entanto, o ser humano sofre! Sofre por não perceber o sentido maior de sua vida. O resgate deste sentido, desta missão, deste destino, é hoje prioridade para o homem, para que possa alcançar maior realização em sua vida e levar felicidade e realização à vida dos outros.

Workshops de Terapia Biográfica em abril e maio

Existem várias formas de iniciação, baseadas em ensinamentos de diversos mestres e tradições, mas nenhuma tão sensível a realizar mudanças em nossas vidas quanto a compreensão da própria biografia. Este é o significado de “resgatar o passado”, obter o entendimento da história que vivemos até agora, para perceber que o nosso comportamento hoje é determinado em grande parte por esta história, que não pode ser mudada, mas compreendida. Neste ponto, o momento presente deixará de ser governado por padrões de comportamento nem sempre agradáveis.
Viver o presente muitas vezes pode significar repetir padrões criados no passado. Esses padrões são inconscientes e geralmente nos damos conta deles justamente quando olhamos para trás. Vemos várias situações que, no momento em que aconteceram, pareciam tão originais, revelarem-se as mesmas, mas com personagens diferentes. Resgatar o passado é justamente tirar a sua vida de lá e trazê-la para o presente, deixando de ser refém do que passou, repetindo padrões que já não cabem mais.
A Terapia Biográfica enfatiza a responsabilidade pessoal pela própria vida. Longe da ideia do “homem que se faz sozinho”, mostra que é preciso também reconhecer as ajudas que recebemos (mesmo quando elas vieram disfarçadas de obstáculos no caminho). Devemos ter consciência do que conquistamos por nossas iniciativas.  Desta maneira, a sua própria história torna-se o seu grande mestre. E assim você pode viver o agora plenamente!
É preciso perceber e separar os galhos da árvore da sua vida que ainda podem frutificar daqueles que precisam ser podados, para que o restante da árvore readquira o vigor. A Terapia Biográfica ajuda nesse processo. Ela é fruto dos tempos em que vivemos, em que cada um de nós busca compreender-se melhor como indivíduo e afirmar seu papel na comunidade em que vive.
A síntese da programação é a seguinte:
  • informação sobre as fases da vida, as leis biográficas;
  • contato com o próprio corpo: danças circulares;
  • contato com o inconsciente: atividades artísticas (aquarela e colagem, a princípio), conto de fadas;
  • reflexão individual: a escrita da vida;
  • reflexão em grupo: contando a própria história;
  • eu hoje: identificando a minha pergunta;
  • pensando o amanhã: projetando metas para a minha vida.

Coordenação:

Rosângela Cunha

Psicóloga, Gestalt-terapeuta e Terapeuta Biográfica

Marcelo Guerra

Médico Homeopata e Terapeuta Biográfico
Formados pela  Escola Livre de Formação Biográfica de Minas Gerais
(Membro do International Trainers Forum em conexão com a General Anthroposophical Section of the School of Spiritual Science do Goetheanum – Dornach/Suiça.)

Locais, datas e preços:(Os preços incluem hospedagem em quartos individuais, com alimentação completa durante o período do workshop, os materiais utilizados, os custos com divulgação e os honorários dos coordenadores.)

Em Itatiba (SP), na Fazenda Pereiras, de 29 de abril a 2 de maio de 2010.

R$900,00 ou 4XR$225,00
Preço especial para quem se inscrever até 15 de março de 2010: R$800,00 ou 4X R$200,00

Em Juiz de Fora, no Seminário da Floresta, de 13 a 16 de maio de 2010.

R$1050,00 ou 4XR$262,50

Preço especial para quem se inscrever até 28 de fevereiro de 2010: R$800,00 ou 4X R$200,00

Preço especial para quem se inscrever até 15 de abril de 2010: R$900,00 ou 4X R$225,00

Escreva para rosangela@terapiabiografica.com.br ou marceloguerra@terapiabiografica.com.br para mais informações. Ou ligue para falar com um de nós:

(11)6463-6880, (21)7697-8982 ou (22)9254-4866, Marcelo
(32)8887-8660 ou (31)8532-2217, Rosângela
VAGAS LIMITADAS A 10 PARTICIPANTES POR WORKSHOP
Reservamo-nos o direito de não oferecer o workshop, caso não haja número mínimo de inscritos.

O MESTRE ECKHART: MÍSTICA E ESCOLÁSTICA

Mestre Eckhart
Também na alta escolástica, espiritualidade do intelecto e do coração — a mística, andam juntas. E esta não é, como muitas vezes se crê, um domínio totalmente diferente, mas algo de conexo e aparentado. Assim, se as Sumas desenvolvem mais largamente só o método racional, isso o foi por motivos didáticos e não significa não fosse possível, na realidade, uma unidade viva entre pensamento conceptual e sentimento religioso. Exatamente com Echardo, o místico por excelência, pode-se ver como “’escolástica. e mística em substância concordam” (B. Seeberg). Para conhecermos a escolástica devemos conhecer Echardo, e para conhecermos Echardo é mister conhecer a escolástica.

V i d a

Mestre Echardo (Meister Eckhart — 1260-1327), originário dos Echardos de Hackheim, foi membro da ordem dominicana, estudou em Paris, veio a ser Mestre em teologia, ocupou mais tarde uma posição de relevo na sua ordem visitando, por isso, vários conventos. Nessa ocasião fez aquelas prédicas que o celebrizaram e contribuíram para o desenvolver-se de um novo movimento místico. Por curto tempo ensinou em Paris e, ao fim de sua vida, também em Colônia. Nos últimos anos levantaram-se dúvidas sobre a ortodoxia, em matéria de fé, dos seus escritos. Eram procedentes, parte, dos franciscauos, parte, da sua própria ordem. O arcebispo de Colônia dirigiu o processo eclesiástico contra ele. Echardo defendeu-se e apelou ao Papa (o escrito da defesa foi descoberto e é rico de informações sobre a conduta do Mestre). Dois anos depois da sua morte teve, não obstante o processo, lugar a condenação de 2S teses da sua doutrina. A Igreja na sua sentença reconheceu expressamente ter sido o Mestre bona fide Nenhuma resistência ofereceu Echardo contra a Igreja.   No  escrito  da sua defesa  está dito:   “Tudo quanto nos meus escritos e palavras é falso, sem ter eu disso ciência, estou sempre pronto a ceder a um melhor sentido… Pois errar posso eu, mas ser herege, isso não o posso; pois errar é do intelecto, mas ser herege é por vontade”.

Obras

A maior parte das obras de Echardo são em latim e versam questões teológico-filosóficas. A obra principal é o incompleto Opus tripartitum. Vêm depois as Quaestiones Parisienses. Muita cousa ainda está inédita. Enquanto não se publicar tudo não se pode fazer juízo definitivo sobre Echardo. Entre as obras em alemão se colocam em primeiro lugar as suas Prédicas. Conservam-se em cópias. — Edições: J. Quint, Die Überlieferung der deutschen Predigten Meister Eckharts (1932). A edição de Pfiffer (1857) é defeituosa. A tradução von Büttner é reconhecidamente má. Em via de publicação: Magistri Echardi. opera latina. Ed. Instit. S. Sabinae in urbe, Leipzig (1934 ss.); e Meister Eckhart. Die lateinische und deutschen Werke, Ed. feita por ordem da Deutsche Forschungsgemeinschaft, Stuttgart (1936 ss.).

Bibliografia

O. Karrer, Meister Eckart. Das System seiner religiösen Lehre und Lebensuceisheit. Textbuch aus den gedruckten Quellen, mit Einführimg (1926). M. Grabmann, Neu aufgefundene Pariser Quaestionem Meister Eckharts und ikre Stellung in seinem geistigen Entwicklungs-gange. (Abhandlugen der Bayr. Akad. der Wissenschaften, München, 1927). G. Della Volpe, II misticismo speculativo di maestro Eckhart nei suoi rapporti storici (1930). Al. Dempf, Meister Eckhart (1934). Herma Piesch, Meister Eckharts Ethik (1985). W. Bange, Meister Eckarts Lebre vorn gòttlicheii und geschopflichen Seiti (1987). H. Eeelixg, Meister Eckharts Mystik (1947). Studien num Mythus des 20. Jahrhunderts   (1934).

a)    Bases   espirituais

?) Neoplatonismo. — É necessário, sobretudo com Echardo, indicar as bases do seu pensamento. É, primeiro, o neo-platonismo e o seu círculo de idéias, como Echardo o recebeu dos  Padres,  sobretudo  de  Agostinho,  do  PseudoDionísio,  de Máximo Confessor; e, depois, de Eriúgena, da escola de Chartres, da filosofia árabe, do Liber de causis, do de intelligentiis e, mais que tudo, de Alberto e da sua escola.

?) A escolástica. — Mas tão decisivo, ao menos, para o pensamento de Echardo é a teologia escolástica, principalmente Tomás de Aquino. Basta lançar um olhar sobre os lugares aduzidos no Textbuch de Karr, para logo verificar essa influência, pelas muitas citações de Tomás. Também o Comentário das Sentenças, reeém-descoberto por .T. Ivoch, move-se nessa mesma linha. Muita cousa, que intérpretes mal informados de Echardo tomaram como panteísmo e arrogância nórdica, é patrimônio da doutrina escolástica da Trindade, da graça e da especulação sobre o togou que, passando pelos Padres, se estende até Pilo Judeu.

?) A mística. — E finalmente Echardo vive da mística, dos Victorinos, de Roberto de Deutz, Bernardo de Claraval. Também daquela coerente mística que, nos claustros alemães dos sécs. 12 e 13, constituíram um intensíssimo movimento espiritual, e de que são representantes notáveis Hildegarda de Bingen, Gertrudes a Grande, Matilde de Magdehurgo, Matilde de Hackeborn e outras. Conforme o mostra o projeto de reforma franciscana, no concilio lugdunense de 1274, esses círculos místicos sempre se ocuparam com a especulação escolástica. A influência de Echardo, nos claustros de religiosas, não foi a única a propulsionar essas aspirações. Sabemos, pelas obras dos místicos alemães, recém-descobertas por Grabmann, que também João de Sterngassen, Gerardo de Sterngassen, Nicolau de Estrasburgo e as suas místicas se fundam em Tomás. Aqui a escolástica, que penetra essa mística, não é, como se pensou, um “rolo laminador que esmagou o sentido religioso até laminá-lo e extingui-lo”.

b)    Deus

?) Deus como pensamento puro. — Na doutrina de Deus Echardo sobretudo põe em relevo que, sobre Deus, sempre devemos dizer antes o que ele não é, que o que é. Por isso o designa como puro de qualquer elemento criado. Como o diria um absoluto idealista? Mas também Aristóteles, que Echardo conhece muito bem, assim caracterizou Deus; e Tomás diz igualmente que em Deus intelecto e essência se identificam; e para Alberto Deus é o intellectus universalites agens, produzindo, como tal, a primeira Inteligência. Donde o poder dizer Echardo, como o prólogo do Evangelho de S. João, que, pelo Verbum, que é um verbum mentis, tudo foi feito. Por onde se vê que as atribuições da teologia negativa, como já o tinha percebido o PseudoDionísio, encerram contudo um conhecimento de valor positivo.

?) Deus como plenitude do ser. — Deus é, assim, a plenitude do ser; todo ser dele procede. “É sem dúvida o terem dele o ser todos os seres, como tudo quanto é branco pela brancura o é” (Qu. Par. pág. 11, Meiner). Ou: “Deus tudo criou, não no sentido de as criaturas existirem fora ou ao lado dele, como se dá com as obras dos artífices; mas Deus chamou todas do nada, do não-ser, para o ser, de modo que todas nele o achassem, recebessem e tivessem”’ (1. c. 16).

??) O ser como idéia. — Agora vemos em que sentido Deus é a plenitude do ser: ele encerra as idéias de todos os seres; criando-os, cria o ser e, em tanto, é imanente ao ser. Aqui revive a velha doutrina das Idéias, mas sem ter a imanência nenhuma acepção panteísta. As Idéias existem por participação e é muito exato que o ser colocado no espaço e no tempo o é por participação. Pelo que acaba de ser dito se conclui que Deus é pensamento e pensar, não ser; pois, é o Logos, expressivo das idéias, ao passo que “ser” deve designar o criado. Mas se se tomar o “ser” pela essência metafísica, pela Idéia das cousas, então Deus, como a origem e a plenitude das Idéias, é o ser absoluto e, nesse sentido, Echardo designa Deus como o ser (1. c. 7, 17).

??) As Idéias e o Filho de Deus. — O pensamento predileto de Echardo é o de identificar as Idéias com o Filho de Deus. “Ele é o Verbo do Pai. Com a mesma palavra o Pai se exprime a si mesmo, toda a natureza divina e tudo o que Deus é, assim como o conhece e o conhece tal como ele é… Exprimindo o Verbo, exprime-se a si mesmo e todas as cousas numa outra Pessoa e lhe dá a mesma natureza que ele já tem; e exprime todos os espíritos dotados de razão, nesse verbo, como a imagem, i. é. o, de conformidade com a Idéia, essencialmente igual, na medida em que a imagem e interior, imanente”  (1. Pred., ed. Quint, pág. 15, 9).   Aqui há um certo vacilar do pensamento; pois Eckhardo, continuando, acentua fortemente o ser criado da Idéia, a sua “iluminação”, portanto a sua participação. (Também no Areopagita o pensamento da participação serve para exprimir o ens ab alio). Mas o Filho, segundo a teologia de Echardo, não pode ser criado. Ora, tomando-se a filiação das Idéias literalmente, como os teólogos escolásticos estavam habituados a fazê-lo, surge logo o perigo de dissipar-se a distinção entre Deus e o mundo. Mas talvez não se deve tomar em sentido literal o que foi intencionado apenas como imagem e com o fim especial de o tornar sensível.

?) A existência de Deus. — Podemos tocar com as mãos o platonismo cristão do nosso Mestre, quando indaga se Deus existe. A sua resposta é a seguinte: “O ser é o ser de Deus” (esse est essentia Dei sive Deus; igitur Deum esse, verum aeternum est; igitur Deus est: Quaest. Par.; pág. 14, 1 ss.). Assim como as cousas brancas não são brancas sem a brandira, assim as cousas existentes não existem sem Deus (13, 10). Sem ele o ser seria nada. Ainda uma vez, isto não é panteísmo, mas a aplicação ao mundo existente da idéia da ???????. Mas como? De um lado adverte Echardo, apoiado na teoria das Idéias, que as cousas existem em Deus e Deus nelas, só quanto ao seu ser “essencial”, i. é, ideal, exemplar. Mas agora ouvimos que também o ser espácio-temporal participa de Deus; pois, quando fala da existência é isso o que pensa. Mas de fato não é assim; mas então de novo faz ele realçar nas cousas o ser essencial, ideal ou propriamente ser e, neste sentido, Deus lhes é imanente. Vê ele o mundo com os olhos de Platão. E quando pensa no ser colocado no espaço e no tempo, como tal, dá-lhe então claramente o nome de criatura, e esta é “mortal”.

c)    O    bem

?) Fim da Ética. — Echardo revela bem o que é quando vem a tratar de questões éticas. O que neste domínio ensina é uma doutrina da perfeição cristã; e o que aí sobretudo lhe importa é impregnar a vida desse ideal, a tal ponto, que se torna por sua vez gerador de vida. Quer ele ser mestre não de ler, mas de viver. A prática lhe é mais importante que a teoria.    “Assim, é melhor dar de comer a quem tem fome, do que entregar-se a uma prolongada contemplação interna. E fosse alguém arrebatado como S. Paulo e soubesse de um doente necessitado do seu auxílio, eu julgaria muito melhor que deixasse por amor o êxtase e servisse o necessitado com amor tanto maior”. O seu pensamento é aqui uníssono com o do seu grande confrade Tomás de Aquino: “S. Tomás ensina que sempre o amor ativo vale mais que o contemplativo, quando o amor ativo dissemina o que colheu na contemplação” (Karrer, 1. c. 390 ss.).   A ética de Echardo obedece ao lema —   “unidade com o ser uno”. Isto quer dizer participação amorosa e cognitiva do supremo bem e da sua perfeição. Praticamente significa conformidade do nosso pensamento e vontade com Deus. Evidentemente, por amor do supremo bem e da perfeição objetiva como tal. Echardo é um moralista de intenção normativa e não precisa ser purificado da tacha de nenhuma moral interessada.

?) Via para a perfeição. — A via para esta unidade é a do nascimento de Deus no homem. Esta idéia muitas vezes versada é a idéia central de toda a filosofia do Mestre. Podemos distinguir um duplo nascimento.

??) O nascimento de Deus como morada do Espírito Santo. — Uma não é outra, senão o que a teologia escolástica sempre denominou a habitação do Espírito Santo na alma do justo. A doutrina da graça já tinha, apoiada na Bíblia, assinalado que a graça de Cristo nos torna filhos de Deus, templos do Espírito Santo, onde Deus tem a sua morada; a expressão para o significar, de que agora Echardo se serve é “ser nascido”. Como este nascimento de Deus constitui uma doação e uma graça, não pode haver aqui nada de panteísmo.

??)    A geração  de Deus como geração íntima trinitária.

—   Mas Echardo conhece um segundo nascimento: é quando diz que a alma é o lugar desse nascimento divino que se processa e completa em Deus mesmo desde a eternidade. “O Pai gera o Filho como seu igual… Mas digo ainda mais: Ele o gerou na minha alma… Nesta geração espiram o Pai e o Filho o Espírito Santo… Tudo o que o Pai pode realizar ele gera no Filho a fim de o Filho o gerar na alma… Assim a alma se torna uma divina morada da eterna divindade” (Pfeiffer, 205, 165, 215).   Mas se esta geração trinitária íntima se consuma na minha alma, então Echardo acrescenta conseqüentemente: “Eu sou uma causa de Deus ser o que é; pois se eu não existisse não existiria Deus” (PfeifFer, 2S3). Afirmação esta ótima a provocar uma errônea interpretação panteísta! Mas o em que Echardo pensa é na idéia de nós mesmos, no “modo não-gerado pelo qual somos eternos e devemos perdurar eternos” (1. c). “Pois se a criatura não existia em si mesma, como agora, é que existia antes do começo do mundo em Deus e na sua mente” (Pfeiffer, 488). Todas as cousas existem em Deus sob essa forma ideal de ser; mais imediatamente em Deus Padre: “No centro da Paternidade… existem todas as folhinhas de relva, a madeira e a pedra e todas as cousas” (PFeifFer, 332). Aqui reaparecem as praeconceptiones divinae, a “realidade preconcebida”, como se exprime Echardo na seqüela do PseudoDio-nísio; em suma, todo o mundus intelligibilis. E se Deus gera o Filho como seu Verbo, em quem ele se exprime com todas as realidades nele inclusas; ou, como “a imagem e, portanto, como o seu ser eterno que nela está, que é a sua forma permanente em si mesmo” (1. a), então somos “nós” evidentemente a causa de Deus. Mas essa cansa não é o nosso nós criado, senão a idéia do nosso eu existente na mente divina, nem mais nem menos do que nele existem todas as demais idéias constitutivas da essência de Deus. Nada disto nos deve admirar, pois tudo não passa de uma aplicação das especulações sobre o Logos, tradicionais desde Eilo. Para a ética de Echardo estas idéias assumem grande importância, pois delas resultam para cada homem uma imagem em Deus, um eu eterno e, melhor, um ego archetypus, nossa medida e nossa lei eterna. Isso debuxa um leito para a corrente dos atos do nosso ser pessoal e da nossa vida, que a reconduz ao oceano da divindade donde ela outrora derivou.

??) Scintilla animae. — Mas como se manifesta em nós esse mundo das idéias e do eu ideal existente no Verbo eterno? Echardo diz: temos um acesso imediato para ele na scintilla animae, ou castelo da Alma ou arca mentia, como também lhe chama. Muito se escreveu a este respeito, talvez muito inutilmente, o que também não é para admirar. Mas o decisivo nisso tudo é a idéia da participação. Echardo sabe o que há de divino no homem. Crê com Agostinho, que Deus nos é mais íntimo que nós mesmos. Esta palavra de Agostinho deveria ter sido a melhor elucidação da scintilla animae.

Mas Echardo conhece também a diferença entre o humano e o divino. Por isso declara ao escrito da sua defesa: Se a alma fosse apenas isso, então seria incriada. Mas participando de Deus, nela permanece o divino, a scintilla animae; é pois criada, por participar de Deus e não ser divina. Na linguagem do Aquinate isto quereria, mais rigorosamente, significar a Synteresis ou o habitus principiorum (cf. sup. 158 s.); na da filosofia moderna dos valores, o sentimento do valor. É esse o ponto em que o homem, meio-termo entre dois mundos, tem a consciência de ser algo pertencente a Deus por uma autêntica participação.

??) Cristo — Uma segunda e mais intuitiva via para o nosso melhor eu, Echardo a encontra em Cristo, em quem o Verbo se fez carne. Ambos esses caminhos também os trilharia o CUSANO, que os aprendeu de Echardo.

d)    I n f 1 u ê n c i a

Echardo veio a ser o que realmente queria ser — um mestre na vida. Suas idéias encontram acolhida no mais amplo círculo de pessoas. Sua ordem, evitando-lhe as proposições censuradas, prosseguiu, com muitos dos seus membros, na mesma linha do seu espírito. Os dois mais importantes foram os seguintes. JOÃO Tauder (+ 1361) em torno de quem se reuniram os amigos de Deus, seculares e regalares atraídos pela mística, sobretudo nós conventos renanos de religiosas; a sua força de vontade e de vida interior produziu ainda impressão sobre Lutero. Depois, Henríque Suso (+ 1366), o cantor da eterna sabedoria; nele especulação e sentimento mutuamente se fecundam, como é típico da mística escolástica. Na linha mística de EChardo se colocam além disto a Teologia alemã escrita por Lutero e as obras de João RUSbróquio (João van Ruysbroek) (+ 1381), cujo discípulo, Geegroote fundou a Congregação dos Irmãos da Vida Comum.  Num dos seus conventos, em Deventer, foi educado o jovem
NlCOLAU DE CUSA.    No  Século 19 FRANCISCO VON BaaDER de novo chamou   a  atenção  para   Echardo,   como   o  espírito  central da mística medieval.   Hegel então o exaltou como o herdeiro da especulação”’.   A descoberta das suas obras latinas por H. DeNifle rasgou novos horizontes para as investigações  modernas sobre ele.

Fonte:  HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA, Johannes HIRSCHBERGER