Arquivo da categoria: fio do destino

Transcendência e Auto-Realização

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Uma pessoa sempre está projetando-se para além de si mesmo, dedicando-se a alguém ou a alguma coisa, em nome do amor. Desta forma, a pessoa pode encontrar sentido no mundo exterior. O homem transcende sua existência ao amar outra pessoa ou dedicar-se a alguma causa, ao invés de ficar fixado em seu umbigo, contemplando-se. A auto-realização é conseqüência desta transcendência, e isto pode ser percebido em diversos exemplos de personalidades famosas, como Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá (mesmo com seus conflitos em relação à fé), Gandhi, etc. Guardadas as devidas proporções, podemos encontrar esta transcendência em situações do nosso cotidiano como, por exemplo, na dedicação a nossos papéis familiares, como pais, filhos, irmãos. Assim, a melhor maneira de conseguir a felicidade é dedicando-se a causas desinteressadas.

Pó e Luz

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“Não há oposição entre o conhecimento de si mesmo que a psicologia propõe e o conhecimento de si mesmo que a espiritualidade propõe. Porque uma psicologia que não se abre a um itinerário espiritual corre o risco de nos enclausurar e, mesmo, nos desesperar. (…) Assim, o que impressiona em um ser humano que entrou neste caminho de transformação é, ao mesmo tempo, sua grandeza e humildade. Ele sabe que é pó e que ao pó retornará. Mas sabe também que é luz e que à luz retornará. E o que é o ser humano, senão esta poeira que caminha para a luz e que dança nela? É a este caminhar, a esta marcha que nós somos convidados por Fílon de Alexandria, Francisco de Assis e Graf Durckheim. E a vocês todos, desejo uma boa caminhada, um belo itinerário, com cumes e vales a atravessar. Porque o importante mesmo é caminhar!”

Extraído do Prefácio do livro Terapeutas do Deserto, de Leonardo Boff e Jean-Yves Leloup

Vida e Destino

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As almas em seus carros alados, quando antes de encarnar, chegam a um grande descampado, dão uma olhada para o alto. Contemplam em seus pedestais, a Justiça, a Beleza, o Pensamento, a Temperança, o mundo das idéias eternas e imutáveis, que ficam na “planície da Verdade”, diz Platão. Logo em seguida, elas escolhem o que vai ser a “sua vida efêmera”, à qual permanecerão ligadas por obra de Necessidade. Deusa caprichosa, ela, que tece seu fuso, e suas filhas, as temidas Parcas, cortam o fio da existência quando querem. Bebendo no rio do Esquecimento, prossegue o mito, perdemos a memória dessa escolha inicial de nossas almas – sem culpa nem responsabilidade de ninguém mais – cujo vínculo permanece no EU interior, nosso guia e destino ao mesmo tempo.

As Moiras, filhas do Destino

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As moiras eram três irmãs que determinavam os destinos humanos, especialmente a duração da vida de uma pessoa e seu quinhão de atribulações e sofrimentos.

  • Cloto (em grego “fiar”) segurava o fuso e puxava o fio da vida.
  • Láquesis (”sortear”) enrolava o fio e sorteava o nome dos que iam morrer. Distribuía o quinhão de atribuições de uma vida;
  • Átropos (”não voltar”) cortava o fio. Determinava os que iam morrer.

As moiras eram filhas de Moro e Nix. Moira, no singular, era inicialmente o destino. Na Ilíada, representava uma lei que pairava sobre deuses e homens, pois nem Zeus estava autorizado a transgredi-la sem interferir na harmonia cósmica. Na Odisseia aparecem as fiandeiras.

O mito grego predominou entre os romanos a tal ponto que os nomes das divindades caíram em desuso. Entre eles eram conhecidas por parcas chamadas Nona, Décima e Morta, que tinham respectivamente as funções de presidir ao nascimento, ao casamento e à morte.

Os poetas da antiguidade descreviam as moiras como donzelas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Nas artes plásticas, ao contrário, aparecem representadas como lindas donzelas. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos, e criaram Têmis, Nêmesis e as Erínias. Pertenciam à primeira geração divina, e assim como Nix eram domadoras de deusas e homens. Junto de Ilitia, Ártemis e Hecate, Cloto atuava como deusa dos nascimentos e parto. Láquesis atuava junto com Tiche, Pluto, Moros, etc. qualificando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. Atropo juntamente de Tânatos, Queres e Mors determinava o fim da vida.

O Sentido da Vida

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O sentido da vida apresenta-se de duas formas, uma mais imediata e uma mais transcendental, e ele manifesta-se pela vocação, que é uma palavra derivada da palavra “voz”. A vocação, portanto, é um chamado para uma tarefa a ser realizada no presente, mas que aponta para o futuro.

Em determinados momentos da vida, ouvimos internamente um chamado, assim como nos contos de fadas e nos mitos. Como reagimos ao chamado? Nos lançamos à aventura de viver o destino que trazemos impresso em nosso eu interior ou fingimos que não o ouvimos e, com medo do desconhecido, nos fechamos em padrões de comportamento aos quais já nos habituamos, mesmo que não sejam agradáveis, mas pelo menos já estamos acostumados a eles?

A filosofia e a ciência, desde o início da Renascença têm se esforçado para fazer crer que não existe um sentido transcendental para o ser humano. Provavelmente como reação aos abusos cometidos na Idade Média em nome de Deus, cujo nome foi usado para justificar toda sorte de explorações e absurdos.

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O rápido desenvolvimento tecnológico que começou no século XX nos faz sentirmo-nos parte de uma engrenagem, que funciona por si mesma e que não possui um sentido transcendente. Qual a conseqüência disso? A depressão, a superficialidade das relações, o vazio existencial. Afinal, se eu sou apenas uma parte de um mecanismo, eu posso ser substituído sem prejuízos para tal mecanismo. É para isto que eu sirvo? O ser humano enquanto indivíduo, enquanto ser único, imbuído de uma missão de vida, imbuído de qualidades únicas, ficou relegado a um segundo plano, talvez terceiro ou quarto.

E, no entanto, o ser humano sofre! Sofre por não perceber o sentido maior de sua vida. O resgate deste sentido, desta missão, deste destino, é hoje prioridade para o homem, para que possa alcançar maior realização em sua vida e levar felicidade e realização à vida dos outros.

Workshops de Terapia Biográfica em abril e maio

Existem várias formas de iniciação, baseadas em ensinamentos de diversos mestres e tradições, mas nenhuma tão sensível a realizar mudanças em nossas vidas quanto a compreensão da própria biografia. Este é o significado de “resgatar o passado”, obter o entendimento da história que vivemos até agora, para perceber que o nosso comportamento hoje é determinado em grande parte por esta história, que não pode ser mudada, mas compreendida. Neste ponto, o momento presente deixará de ser governado por padrões de comportamento nem sempre agradáveis.
Viver o presente muitas vezes pode significar repetir padrões criados no passado. Esses padrões são inconscientes e geralmente nos damos conta deles justamente quando olhamos para trás. Vemos várias situações que, no momento em que aconteceram, pareciam tão originais, revelarem-se as mesmas, mas com personagens diferentes. Resgatar o passado é justamente tirar a sua vida de lá e trazê-la para o presente, deixando de ser refém do que passou, repetindo padrões que já não cabem mais.
A Terapia Biográfica enfatiza a responsabilidade pessoal pela própria vida. Longe da ideia do “homem que se faz sozinho”, mostra que é preciso também reconhecer as ajudas que recebemos (mesmo quando elas vieram disfarçadas de obstáculos no caminho). Devemos ter consciência do que conquistamos por nossas iniciativas.  Desta maneira, a sua própria história torna-se o seu grande mestre. E assim você pode viver o agora plenamente!
É preciso perceber e separar os galhos da árvore da sua vida que ainda podem frutificar daqueles que precisam ser podados, para que o restante da árvore readquira o vigor. A Terapia Biográfica ajuda nesse processo. Ela é fruto dos tempos em que vivemos, em que cada um de nós busca compreender-se melhor como indivíduo e afirmar seu papel na comunidade em que vive.
A síntese da programação é a seguinte:
  • informação sobre as fases da vida, as leis biográficas;
  • contato com o próprio corpo: danças circulares;
  • contato com o inconsciente: atividades artísticas (aquarela e colagem, a princípio), conto de fadas;
  • reflexão individual: a escrita da vida;
  • reflexão em grupo: contando a própria história;
  • eu hoje: identificando a minha pergunta;
  • pensando o amanhã: projetando metas para a minha vida.

Coordenação:

Rosângela Cunha

Psicóloga, Gestalt-terapeuta e Terapeuta Biográfica

Marcelo Guerra

Médico Homeopata e Terapeuta Biográfico
Formados pela  Escola Livre de Formação Biográfica de Minas Gerais
(Membro do International Trainers Forum em conexão com a General Anthroposophical Section of the School of Spiritual Science do Goetheanum – Dornach/Suiça.)

Locais, datas e preços:(Os preços incluem hospedagem em quartos individuais, com alimentação completa durante o período do workshop, os materiais utilizados, os custos com divulgação e os honorários dos coordenadores.)

Em Itatiba (SP), na Fazenda Pereiras, de 29 de abril a 2 de maio de 2010.

R$900,00 ou 4XR$225,00
Preço especial para quem se inscrever até 15 de março de 2010: R$800,00 ou 4X R$200,00

Em Juiz de Fora, no Seminário da Floresta, de 13 a 16 de maio de 2010.

R$1050,00 ou 4XR$262,50

Preço especial para quem se inscrever até 28 de fevereiro de 2010: R$800,00 ou 4X R$200,00

Preço especial para quem se inscrever até 15 de abril de 2010: R$900,00 ou 4X R$225,00

Escreva para rosangela@terapiabiografica.com.br ou marceloguerra@terapiabiografica.com.br para mais informações. Ou ligue para falar com um de nós:

(11)6463-6880, (21)7697-8982 ou (22)9254-4866, Marcelo
(32)8887-8660 ou (31)8532-2217, Rosângela
VAGAS LIMITADAS A 10 PARTICIPANTES POR WORKSHOP
Reservamo-nos o direito de não oferecer o workshop, caso não haja número mínimo de inscritos.

Preste atenção em você e ganhe saúde

Some autoconhecimento e ganhe saúde
Terapia Biográfica ensina como perceber doenças como sinais de alerta

Este artigo foi originalmente publicado na revista online Personare.
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O seu corpo é mantido em funcionamento harmonioso pela energia vital. É ela que mantém os órgãos funcionando de forma equilibrada, e os tecidos cumprindo cada um sua função na complexidade que é o corpo humano. A energia vital é governada pela sua essência, que também é chamada eu interior ou self, que é aquilo que você no fundo é e que traz a memória de sua missão de vida, do sentido que você busca na vida. Esta essência é inconsciente, e você pode acessá-la pela intuição e não pelo raciocínio lógico.

Sua saúde e bem estar dependem fundamentalmente de estar em sintonia com sua missão de vida. Se você está agindo de acordo com ela, sente-se feliz e seu corpo funciona adequadamente. Se, por outro lado, você age de forma diferente daquilo que escolheu como o seu destino faz sentido para sua vida, as doenças aparecem, e você se sentirá triste e angustiada. A doença, nesse sentido, é o sinal de alarme para o afastamento que você está tomando de sua essência. É quando você está doente que deve estar mais atenta para olhar dentro da sua história de vida. Assim, pode buscar, através do sentido que os fatos evidenciam, o sentido da sua própria vida, e recuperar o passo para andar na trilha indicada por esse resgate.

Você pode fazer isso valendo-se de um diário onde você anotará toda noite o que lhe aconteceu naquele dia, o que você aprendeu, a quem você é grata por isso, e o que você pode fazer com isso. Depois de alguns meses escrevendo, releia o conjunto de suas anotações e você começará a perceber como os fatos isolados e os encontros com essas pessoas que lhe ajudam têm um sentido. Procure perceber esse sentido mais com sua intuição, e você perceberá o fio condutor do seu destino. Num Biográfico Panorâmico este trabalho é feito de maneira intensiva e em grupo, além de usar outras formas de expressão, como pintura, dança e modelagem, o que facilita a percepção desse fio condutor.

A sua missão de vida faz parte de um intrincado relacionamento que cada ser humano tem com os outros seres humanos com quem vive em comunidade, com todos os seres do planeta e com o universo. A profissão que você escolheu, por exemplo, não é importante somente para você, mas para muitas pessoas que dependem de você. Quem tem filhos, imediatamente pensa neles, mas é preciso reconhecer que sua vida está ligada a muito mais pessoas, às vezes de forma sutil, como o vendedor de doces que traz aquele docinho que te adoça a tarde monótona no escritório. Dependemos uns dos outros e cada um tem sua missão de vida entrelaçada às missões de cada um na humanidade. Poderíamos chamar esse inter-relacionamento de Ecologia Humana.

O trabalho biográfico de base antroposófica busca clarear este sentido da vida, a missão de vida, através do resgate de fatos da vida. Entender a própria história permite transformar o presente, e viver em plenitude dentro da missão de vida que cada um escolheu para si mesmo.

O trabalho biográfico lança mão de reflexão individual, resgatando os fatos do passado de cada um; da partilha desses fatos em grupo, onde muitas vezes o outro funciona como espelho; e através da arte, que é a forma de expressão pela qual o inconsciente melhor se expressa. Assim jogamos luz em nossas vivências, e percebemos como nossa Essência essência se manifesta, para podermos fazer as mudanças necessárias em nossas vidas para agir de acordo com ela e sermos mais felizes e saudáveis.

E quanto às doenças, aprenda a percebê-las como amigas que lhe lembram de parar e refletir sobre sua própria vida e perceber se você está indo na direção que você mesma traçou para o seu desenvolvimento.Afinal de contas as melhores amigas são aquelas que nos avisam quando estamos no caminho errado.

A esperança como atitude crítica

Frei Bettoesperança

A esperança é uma das três virtudes teologais, ao lado da fé e do amor. Rima com confiança, termo que deriva de fé: quem acredita, espera; e quem espera, acredita. Esperar é confiar.

Vivemos um momento novo da história da América Latina. Com a eleição de governos democrático-populares, a esperança dá sinais de se transformar em realidade. Há esperança de que se priorizem as questões sociais e se reduzam significativamente as desigualdades que caracterizam o Continente.

Para Jesus, a esperança se coloca lá na frente, no Reino de Deus, que marca o fim e a plenitude da história, e não lá em cima, enquanto postura verticalista de quem ignora a existência deste mundo ou a rejeita. Hoje, a expressão Reino de Deus possui conotação vaga, metafórica. Pode-se, porém, imaginar o que significava falar disso em pleno reino de César… Não há dúvida da ressonância política do termo, pois Jesus ousou anunciar um outro Reino que não o de César e, por isso, pagou com a vida.

Hoje, a esperança tem conotação secular – a utopia. É curioso observar que, antes do Renascimento, não se falava em utopia. Esta resultou da dessacralização do mundo, da morte dos deuses e, portanto, da necessidade de projetar ou visualizar o mundo futuro. Na medida em que o ser humano, com o advento da modernidade, começou a dominar os recursos técnicos e científicos que interferem no curso da natureza e aprimoram a nossa convivência social, surge a necessidade de antever o modelo ideal, assim como o artista que faz a escultura traz na cabeça ou no papel o desenho da obra terminada. Como afirmou Ernst Bloch, a razão não pode florescer sem esperanças, e a esperança não pode falar sem razão (Karl Marx, Bolonha, 1972, 60).

O marxismo foi a primeira grande religião secular, capaz de traduzir a esperança em sociedade ideal. Ele introduziu na cultura ocidental a consciência histórica, a percepção do tempo como processo histórico, a tal ponto que o ser humano passou a prefigurar sua existência, não mais em referência aos valores subjetivos, mas ao devir, lutando contra os obstáculos que, no ainda-não, impedem a realização do que se espera como ideal libertador.

Para o cristão, a utopia do Reino supera as utopias seculares, sejam elas políticas, técnicas ou científicas. Espera-se, neste mundo, a realização plena das promessas de Deus o que plenifica e transfigura o mundo. Assim, à luz dessas promessas elencadas na Bíblia, o cristão mantém sempre uma postura crítica frente a toda realização histórica, bem como diante dos modelos utópicos. O homem novo e o mundo novo são resultados do esforço humano através do dom de Deus que, em última instância, os conduzem ao ápice. Em outras palavras, quem espera em Cristo não absolutiza jamais uma situação adquirida ou a ser conquistada. Toda progressão é relativa e, portanto, passível de aperfeiçoamento, até que a Criação retorne ao seio do Criador. Pois Deus realiza progressivamente, na história humana, a sua salvação.

A esperança se baseia na memória. Quem espera, rememora e comemora. Nosso Deus não é um qualquer do Olimpo politeísta. É um Deus que tem história e faz memória: Javé, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. É essa memória que alimenta a consciência crítica, consciência da diferença, da inadequação, ao ainda-não. Pois a utopia cristã sustenta-se na promessa de Deus. Por isso, a esperança cristã não teme o negativo, as vicissitudes históricas, o fracasso. É uma esperança crucificada, que se abre à perspectiva da ressurreição.

Na esperança, nós já fomos salvos. Ver o que se espera já não é esperar: como se pode esperar o que já se vê? Mas, se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos (Romanos 8, 24-25). Como diz a Carta aos Hebreus, a fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se veem (11, 1). Se a fé vê o que existe, a esperança vê o que existirá, dizia Péguy. E acrescentava: o amor só ama o que existe, mas a esperança ama o que existirá… no tempo e por toda a eternidade.

A esperança é o caminhar na fé para o seu objeto. A fé nos dá a certeza de que Jesus venceu a morte; a esperança, o alento de que venceremos os sinais de morte: a injustiça, o opressão, o preconceito etc. Esse processo não é contínuo, pois somos prisioneiros da finitude, embora trazendo a Infinitude em nossos corações. Por isso, o caminhar é entrecortado de dúvidas e dores, conquistas e alegrias, mas sabe que, se trilha as sendas do amor, tem Deus como guia.

[Autor de “Alfabetto, Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros].

Fonte: Adital

Transformando o destino com as próprias mãos

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A coleguinha Itala Maduell mistura ficção e vida real, numa excelente reflexão em torno de um brasileiro admirável e um filme premiado. Não deixe de ler.

O milionário, o escriturário e a chuva

Itala Maduell

“Quem quer ser um milionário?”, o filme campeão do Oscar, conta a saga do indiano Jamal Malik, um simpático vira-latas, simples garoto do chá de uma empresa de telemarketing, marcado pela infância sofrida da favela, sobrevivente de tragédias cotidianas, sustentado por golpes e biscates, que, da noite para o dia, passa a homem do milhão, ao vencer um programa de perguntas e respostas da TV usando apenas o que aprendeu na rua da amargura. Sorte dele. Sabia as respostas.

A história do brasileiro Ubirajara Gomes da Silva tem alguma semelhança com a do protagonista da ficção. Filho de militar com garçonete, não conheceu nenhum dos dois. Cresceu num orfanato e, depois, na casa da avó com quatro irmãos. Aos 15, saiu de casa, fugindo de maus-tratos. Por 12 anos dormiu em bancos de praça de Recife. Vivia de pequenos bicos. Foi auxiliar de pedreiro, contínuo, biscateiro. Fazia uma refeição por dia, tomava banho no Mercado Público. Até que, aos 27, ficou famoso – não tanto quanto o indiano alçado a celebridade, mas o suficiente para ser notícia nos jornais, reconhecido nas ruas de Recife, homenageado na Assembléia Legislativa e indicado como cidadão que Faz Diferença, em prêmio do Globo.

O feito do brasileiro foi ter se metido a fazer – e ter passado – em quatro concursos públicos. Foi aprovado para o IBGE, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), o Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (Lafepe) e o Banco do Brasil. Neste último, Ubirajara disputou a vaga com 19 mil pessoas. Acertou 116 das 150 questões da prova. Mérito dele. Sabia as respostas.

O primeiro emprego de carteira assinada da sua vida é o de escriturário. E assim Ubirajara passou à casta superior dos cidadãos com carreira sólida e estabilidade – o sonho dourado de milhares de brasileiros, que lotam as salas dos cursinhos preparatórios.

Criados na porção miserável de seus países, sem pai nem mãe, à beira da marginalidade, ambos foram capazes de mudar seus destinos. Suas traumáticas experiências de vida motivaram a virada. Mas, enquanto na fantasia o indiano tira a sorte grande por desígnio de Ganesha – o deus do conhecimento, aquele que remove os obstáculos -, na vida real Ubirajara chega lá por mérito próprio, por abnegação. O morador de rua terminou o ensino médio fazendo supletivo noturno e se preparou para os concursos pesquisando em bibliotecas públicas e em sites na internet, que acessava de lan houses.

Tal como Ubirajara no banco da praça, parte significativa dos alunos da rede pública de ensino nacional está ao relento, literalmente sob a intempérie, como mostrou reportagem do GLOBO no domingo. Livros, carteiras e mesmo alunos são amontoados sob chuva e sol em corredores ou galpões insalubres. Falta teto onde os brasileiros deveriam ter a chance de “sair da chuva”, de ter assegurado o direito a ser alguém na vida. Que Ganesha os proteja.

Fonte: Ancelmo.com, O Globo