Tem frases soltas que a gente escuta na rua que nos fazem refletir, às vezes a gente voa no pensamento. O metrô de Londres repete em cada estação a já célebre frase “Mind the gap”, que foi geralmente traduzida como “cuidado com o espaço entre o trem e a estação”. Gap é melhor traduzido como vão, mas como não usamos muito essa palavra, realmente fica mais explícita a menção ao “espaço entre o trem e a estação”. Já o verbo mind, tem mais o significado de estar atento, tomar consciência, não sair estabanado do trem pensando na morte da bezerra e tropeçar na saída.
Bom, a minha reflexão não foi sobre as inúmeras possibilidades de cair ao sair do trem, numa sucessão imaginária de videocassetadas. Foi sobre os vãos que se apresentam nas nossas vidas. Momentos e situações que são passageiros, mas muitas vezes, encaramos como permanentes. Uma doença é um bom exemplo de vão. Eu mesmo, quando tive câncer, vivenciei como se fosse algo definitivo, ainda que soubesse de todas as probabilidades de cura ou morte para ambos os tipos de câncer. Depois de tudo resolvido, vi que o medo foi muito maior do que a ameaça. Pelo menos o medo não me impediu de fazer o que tinha que ser feito. A doença pode ser o mais óbvio dos vãos, mas não é o único.
Diferente do metrô, em que conseguimos enxergar o limite do trem e o da estação, não temos visão clara desses limites nos vãos da vida, o que torna muito mais difícil lidar com eles. Em um relacionamento você pode muito bem passar por um momento de vão. Momentos de desânimo, com vontade de ficar sozinho(a), em que podemos atribuir essa sensação à insatisfação com a parceira ou parceiro. Confundimos o vão com um estado permanente de coisas, e podemos tomar decisões que depois nos causam arrependimentos.
E o vão entre o que acreditamos saber e a realidade? Quantas vezes temos convicções profundas sobre um assunto que a realidade mostra que eram apenas um vão? Muitas vezes essas convicções caem arrastando outras que se escoravam nelas, como um castelo de cartas do qual você retira uma carta bem da parte baixa. Ainda que esse desabamento de convicções cause frustração e angústia, ele é melhor do que seguir acorrentado a uma convicção ilusória. E qual é a vacina e o remédio para isso? Estar atento ao vão.
O livro A Alma Imoral, do Nilton Bonder, fala do lugar que se torna estreito para a sua permanência nele, como um vão. Uma situação que já foi boa e não é mais, pode ser um vão bem acorrentador, e impõe muitas dificuldades para sair desse vão. Barreiras aparentemente intransponíveis nos prendem ao vão, que é alimentado pelos nossos hábitos, convicções, tradições, frases formadoras de nossos pais que ecoam na nossa mente como se fossem nossas mesmo, além da nostalgia de um tempo bom quando a situação era agradável. Para sair desse vão estreito, é preciso estar realmente muito atento a ele. Porque esse tipo de vão não provoca tropeções, prefere agir como uma areia movediça. Então, novamente, esteja atento ao vão! Porque o vão não é o seu destino final.