Estava plantando sementes de pimenta murupi que trouxe de Manaus, e pensando quanto tempo levaria para as mudas crescerem. Me dei conta de que as sementes podem nem vingar. Não há garantias! Como em quase tudo (ou tudo?) na vida. Apesar disso, todos os dias plantamos sementes, esperando colher os frutos. Cuidamos do vaso, afofamos bem a terra, lançamos as sementes com boa distância entre elas, expomos ao sol, protegemos do sol excessivo, regamos com regularidade. Nossa parte, nós fazemos, e ficamos no aguardo da colheita, que pode ou não vir a acontecer. O importante é que NOS DEDICAMOS para que possamos colher, ainda que não tenhamos controle sobre todas as circunstâncias do processo. E você, o que plantou hoje?
Um homem dado a estudos de ornitologia, por nome Macedo, referiu a alguns amigos um caso tão extraordinário que ninguém lhe deu crédito. Alguns chegam a supor que Macedo virou o juízo. Eis aqui o resumo da narração.
No princípio do mês passado, – disse ele, – indo por uma rua, sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de urna loja de belchior. Nem o estrépito do cavalo e do veículo, nem a minha entrada fez levantar o dono do negócio, que cochilava ao fundo, sentado numa cadeira de abrir. Era um frangalho de homem, barba cor de palha suja, a cabeça enfiada em um gorro esfarrapado, que provavelmente não achara comprador. Não se adivinhava nele nenhuma história, como podiam ter alguns dos objetos que vendia, nem se lhe sentia a tristeza austera e desenganada das vidas que foram vidas.
A loja era escura, atulhada das coisas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas, uma bolsa de veludo, dois cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de arame para o carnaval que há de vir, tudo isso e o mais que não vi ou não me ficou de memória, enchia a loja nas imediações da porta, encostado, pendurado ou exposto em caixas de vidro, igualmente velhas. Lá para dentro, havia outras cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes, cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão.
Ia a sair, quando vi uma gaiola pendurada da porta. Tão velha como o resto, para ter o mesmo aspecto da desolação geral, faltava-lhe estar vazia. Não estava vazia. Dentro pulava um canário. A cor, a animação e a graça do passarinho davam àquele amontoado de destroços uma nota de vida e de mocidade. Era o último passageiro de algum naufrágio, que ali foi parar íntegro e alegre como dantes. Logo que olhei para ele, entrou a saltar mais abaixo e acima, de poleiro em poleiro, como se quisesse dizer que no meio daquele cemitério brincava um raio de sol. Não atribuo essa imagem ao canário, senão porque falo a gente retórica; em verdade, ele não pensou em cemitério nem sol, segundo me disse depois. Eu, de envolta com o prazer que me trouxe aquela vista, senti-me indignado do destino do pássaro, e murmurei baixinho palavras de azedume.
Quem seria o dono execrável deste bichinho, que teve ânimo de se desfazer dele por alguns pares de níqueis? Ou que mão indiferente, não querendo guardar esse companheiro de dono defunto, o deu de graça a algum pequeno, que o vendeu para ir jogar uma quiniela?
E o canário, quedando-se em cima do poleiro, trilou isto:
Quem quer que sejas tu, certamente não estás em teu juízo. Não tive dono execrável, nem fui dado a nenhum menino que me vendesse. São imaginações de pessoa doente; vai-te curar, amigo…
Como – interrompi eu, sem ter tempo de ficar espantado. Então o teu dono não te vendeu a esta casa? Não foi a miséria ou a ociosidade que te trouxe a este cemitério, como um raio de sol?
Não sei que seja sol nem cemitério. Se os canários que tens visto usam do primeiro desses nomes, tanto melhor, porque é bonito, mas estou que confundes.
Perdão, mas tu não vieste para aqui à toa, sem ninguém, salvo se o teu dono foi sempre aquele homem que ali está sentado.
Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo.
Pasmado das respostas, não sabia que mais admirar, se a linguagem, se as ideias. A linguagem, posto me entrasse pelo ouvido como de gente, saía do bicho em trilos engraçados. Olhei em volta de mim, para verificar se estava acordado; a rua era a mesma, a loja era a mesma loja escura, triste e úmida. O canário, movendo a um lado e outro, esperava que eu lhe falasse. Perguntei-lhe então se tinha saudades do espaço azul e infinito…
Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e infinito?
Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que coisa é o mundo?
O mundo, redarguiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira.
Nisto acordou o velho, e veio a mim arrastando os pés. Perguntou-me se queria comprar o canário. Indaguei se o adquirira, como o resto dos objetos que vendia, e soube que sim, que o comprara a um barbeiro, acompanhado de uma coleção de navalhas.
As navalhas estão em muito bom uso, concluiu ele.
Quero só o canário.
Paguei-lhe o preço, mandei comprar uma gaiola vasta, circular, de madeira e arame, pintada de branco, e ordenei que a pusessem na varanda da minha casa, donde o passarinho podia ver o jardim, o repuxo e um pouco do céu azul.
Era meu intuito fazer um longo estudo do fenômeno, sem dizer nada a ninguém, até poder assombrar o século com a minha extraordinária descoberta. Comecei por alfabeto a língua do canário, por estudar-lhe a estrutura, as relações com a música, os sentimentos estéticos do bicho, as suas ideias e reminiscências. Feita essa análise filológica e psicológica, entrei propriamente na história dos canários, na origem deles, primeiros séculos, geologia e flora das ilhas Canárias, se ele tinha conhecimento da navegação, etc. Conversávamos longas horas, eu escrevendo as notas, ele esperando, saltando, trilando.
Não tendo mais família que dois criados, ordenava-lhes que não me interrompessem, ainda por motivo de alguma carta ou telegrama urgente, ou visita de importância. Sabendo ambos das minhas ocupações científicas, acharam natural a ordem, e não suspeitaram que o canário e eu nos entendíamos.
Não é mister dizer que dormia pouco, acordava duas e três vezes por noite, passeava à toa, sentia-me com febre. Afinal tornava ao trabalho, para reler, acrescentar, emendar. Retifiquei mais de uma observação, – ou por havê-la entendido mal, ou porque ele não a tivesse expresso claramente. A definição do mundo foi uma delas. Três semanas depois da entrada do canário em minha casa, pedi-lhe que me repetisse a definição do mundo.
O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.
Também a linguagem sofreu algumas retificações, e certas conclusões, que me tinham parecido simples, vi que eram temerárias. Não podia ainda escrever a memória que havia de mandar ao Museu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, não porque faltasse matéria, mas para acumular primeiro todas as observações e ratificá-las. Nos últimos dias, não saía de casa, não respondia a cartas, não quis saber de amigos nem parentes. Todo eu era canário. De manhã, um dos criados tinha a seu cargo limpar a gaiola e por-lhe água e comida. O passarinho não lhe dizia nada, como se soubesse que a esse homem faltava qualquer preparo científico. Também o serviço era o mais sumário do mundo; o criado não era amador de pássaros.
Um sábado amanheci enfermo, a cabeça e a espinha doíam-me. O médico ordenou absoluto repouso; era excesso de estudo, não devia ler nem pensar, não devia saber sequer o que se passava na cidade e no mundo. Assim fiquei cinco dias; no sexto levantei-me, e só então soube que o canário, estando o criado a tratar dele, fugira da gaiola. O meu primeiro gesto foi para esganar o criado; a indignação sufocou-me, caí na cadeira, sem voz, tonto. O culpado defendeu-se, jurou que tivera cuidado, o passarinho é que fugira por astuto…
Mas não o procuraram?
Procuramos, sim, senhor; a princípio trepou ao telhado, trepei também, ele fugiu, foi para uma árvore, depois escondeu-se não sei onde. Tenho indagado desde ontem, perguntei aos vizinhos, aos chacareiros, ninguém sabe nada.
Padeci muito; felizmente, a fadiga estava passada, e com algumas horas pude sair à varanda e ao jardim. Nem sombra de canário. Indaguei, corri, anunciei, e nada. Tinha já recolhido as notas para compor a memória, ainda que truncada e incompleta, quando me sucedeu visitar um amigo, que ocupa uma das mais belas e grandes chácaras dos arrabaldes. Passeávamos nela antes de jantar, quando ouvi trilar esta pergunta:
Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu?
Era o canário; estava no galho de uma árvore. Imaginem como fiquei, e o que lhe disse. O meu amigo cuidou que eu estivesse doido; mas que me importavam cuidados de amigos? Falei ao canário com ternura, pedi-lhe que viesse continuar a conversação, naquele nosso mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular…
Que jardim? que repuxo?
O mundo, meu querido.
Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor.
O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima.
Indignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já fora uma loja de belchior…
De belchior? trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas de belchior?
Tem frases soltas que a gente escuta na rua que nos fazem refletir, às vezes a gente voa no pensamento. O metrô de Londres repete em cada estação a já célebre frase “Mind the gap”, que foi geralmente traduzida como “cuidado com o espaço entre o trem e a estação”. Gap é melhor traduzido como vão, mas como não usamos muito essa palavra, realmente fica mais explícita a menção ao “espaço entre o trem e a estação”. Já o verbo mind, tem mais o significado de estar atento, tomar consciência, não sair estabanado do trem pensando na morte da bezerra e tropeçar na saída. Bom, a minha reflexão não foi sobre as inúmeras possibilidades de cair ao sair do trem, numa sucessão imaginária de videocassetadas. Foi sobre os vãos que se apresentam nas nossas vidas. Momentos e situações que são passageiros, mas muitas vezes, encaramos como permanentes. Uma doença é um bom exemplo de vão. Eu mesmo, quando tive câncer, vivenciei como se fosse algo definitivo, ainda que soubesse de todas as probabilidades de cura ou morte para ambos os tipos de câncer. Depois de tudo resolvido, vi que o medo foi muito maior do que a ameaça. Pelo menos o medo não me impediu de fazer o que tinha que ser feito. A doença pode ser o mais óbvio dos vãos, mas não é o único. Diferente do metrô, em que conseguimos enxergar o limite do trem e o da estação, não temos visão clara desses limites nos vãos da vida, o que torna muito mais difícil lidar com eles. Em um relacionamento você pode muito bem passar por um momento de vão. Momentos de desânimo, com vontade de ficar sozinho(a), em que podemos atribuir essa sensação à insatisfação com a parceira ou parceiro. Confundimos o vão com um estado permanente de coisas, e podemos tomar decisões que depois nos causam arrependimentos. E o vão entre o que acreditamos saber e a realidade? Quantas vezes temos convicções profundas sobre um assunto que a realidade mostra que eram apenas um vão? Muitas vezes essas convicções caem arrastando outras que se escoravam nelas, como um castelo de cartas do qual você retira uma carta bem da parte baixa. Ainda que esse desabamento de convicções cause frustração e angústia, ele é melhor do que seguir acorrentado a uma convicção ilusória. E qual é a vacina e o remédio para isso? Estar atento ao vão. O livro A Alma Imoral, do Nilton Bonder, fala do lugar que se torna estreito para a sua permanência nele, como um vão. Uma situação que já foi boa e não é mais, pode ser um vão bem acorrentador, e impõe muitas dificuldades para sair desse vão. Barreiras aparentemente intransponíveis nos prendem ao vão, que é alimentado pelos nossos hábitos, convicções, tradições, frases formadoras de nossos pais que ecoam na nossa mente como se fossem nossas mesmo, além da nostalgia de um tempo bom quando a situação era agradável. Para sair desse vão estreito, é preciso estar realmente muito atento a ele. Porque esse tipo de vão não provoca tropeções, prefere agir como uma areia movediça. Então, novamente, esteja atento ao vão! Porque o vão não é o seu destino final.
Mês passado falei sobre os vãos por que passamos, e acabei
permanecendo nele para dizer algo que ficou faltando: o vão pode ser melhor do
que o destino pretendido. Bom, essa é uma imagem que não pode ser tomada
literalmente. Imagina ficar com o pé preso no vão do metrô… seria uma
desgraça! Como metáfora, porém, serve muito bem.
Já defini objetivos para a minha vida que nunca obtive,
tendo ficado nos vãos, que se mostraram mais agradáveis depois de algum tempo.
Quando vim morar no interior, queria morar na zona rural, mas só foi possível
por algum tempo. Logo meus filhos mais velhos cresceram e tinham atividades que
impunham à minha ex-mulher e a mim uma logística muito complicada. Então saímos
de Monnerat e viemos para o meio da muvuca friburguense: Rua Portugal nos anos
90, com shows de bandas heavy metal e punk debaixo da janela dia sim, dia
também. Melhorou um pouco quando passamos a dormir com protetores auriculares
de silicone, aqueles usados em piscina. Aí só sentíamos a vibração do
apartamento… A rua Portugal foi um vão, logo nos mudamos para a Ponte da
Saudade, onde pudemos novamente dormir com as orelhas livres.
Apesar de já trabalhar em Friburgo há 5 anos, a mudança para
cá me deixou com muita saudade de Monnerat. Logo as vantagens de morar em uma
cidade maior foram ofuscando o sentimento de não estar em casa, e fui amando
cada vez mais Friburgo. Tanto, que quando fui me aventurar no Sul, voltei
depois de pouco mais de um ano. Hoje penso que o que mais me incomodava no
início era morar em um apartamento, porque quando nos mudamos para uma casa me
senti novamente assentado.
Esse vão positivo que estou falando é o dos projetos
alternativos, dos planos B, das surpresas que surgem e se mostram melhores do
que qualquer plano que eu poderia ter elaborado. Também reconheço um vão
positivo nos momentos de silêncio, em que posso olhar pra dentro de mim ou simplesmente
não fazer nada. Essas interrupções no ciclo constante de ações e reações que a
vida exige renovam nosso ânimo e, muitas vezes, são os momentos mais propícios
para correções de rumo na própria história.
Sem mencionar a importância do vão representado pelas
interrupções da atividade digital. Com a universalização do uso de smartphones,
estamos conectados de modo virtual o tempo todo, seja trabalhando, jogando, interagindo
em aplicativos de mensagens ou rolando a tela em redes sociais. Sair desse
mundo virtual por momentos é um vão precioso, em que podemos nos contactar de verdade
com outras pessoas ou objetos.
Encerrando, quis escrever esse texto como uma resposta ao
meu anterior sobre o vão. Nem sempre o vão é negativo. Então, como saber se devo
passar logo pelo vão ou me demorar um pouco mais nele? Essa possibilidade de
discriminar exige uma habilidade: ATENÇÃO. Portanto, fique atento ao vão!
Eu gosto de pão. E gosto ainda mais de fazer pão. Tudo
começou com uma receita de massa de pizza que minha mãe me ensinou há muito
tempo. Minhas pizzas faziam sucesso na família, e eu comecei a mexer na
receita. Substituí um pouco de trigo branco por uma parte do integral,
substituí margarina por manteiga para evitar azia, e por aí vai. Um dia resolvi
fazer um pão com a massa que sobrou e gostei bastante do resultado. Foi quando
comecei a pesquisar sobre pães e a testar diferentes receitas. Até que um grande
amigo me falou de fermentação natural, o lévain ou sourdough. Eu sequer podia
imaginar que fosse possível fazer o seu próprio fermento. Aí se abriu um novo
desafio para mim. Tentei diferentes receitas e não conseguia fazer um fermento
que durasse mais de 4 dias. Até que neste mês eu consegui fazer e ele já está
com 21 dias! Com ele, fiz pão umas 4 vezes, com resultados variáveis. Fazer o
pão com tantas variáveis que podem dar errado tem me feito pesquisar e refletir
sobre o tema.
O pão é o resultado da interação harmoniosa dos quatro
elementos: o trigo que vem da terra, a água que vai ser o veículo de todas as
reações químicas e biológicas que vão dar a consistência e o sabor, o fermento
que vai gerar o ar dentro dessa estrutura que é maciça no início, e o fogo que
vai transformar isso tudo no fim das contas.
São muitas as situações que percebo em minha vida que teria sido necessário “fermentar” um pouco mais
Além dos quatro elementos, há um quinto, que é essencial
para fazer um pão e também para a maioria dos grandes acontecimentos de nossas
vidas: o tempo. Sem usar o tempo como um ingrediente, o pão fica pesado e duro,
ou mal assado, ou queimado. O uso de diferentes fermentos traz diferentes
resultados principalmente ao sabor e requer diferentes durações do descanso da
massa. Com o fermento industrial, o pão está pronto para ir ao forno após uma
hora. Com o fermento natural, preciso pelo menos de 12 horas. Enquanto o pão
feito com o fermento industrial apresenta um sabor quase neutro, bom para
servir de suporte para os diferentes recheios, o pão com fermentação natural
apresenta uma mistura dos sabores doce e ácido que o torna agradável de comer
por si só.
Para trabalhar com algo que requer tempo, como a fermentação
natural exige, é preciso planejamento. Não posso chegar em casa do trabalho e
amassar um pão para assar ainda à noite e servir como lanche. Preciso amassar
de um dia para o outro. Após umas três horas de amassado e sovado, se vou
conferir, parece que não mudou nada, a impressão é de que esse fermento não vai
funcionar. No entanto, no dia seguinte, pela manhã, constato um crescimento
apreciável da massa, embora ainda não haja uma explosão de bolhas como o
fermento industrial gera. Mas depois de 24h fermentando, encontro uma massa bem
estruturada e leve, com um aroma todo próprio, e após assar, me delicio com um
pão de sabores e texturas que eu não conhecia.
São muitas as situações que percebo em minha vida que teria
sido necessário “fermentar” um pouco mais, e não atirado a massa fora achando
que havia desandado. Fazer o pão tem me dado a chance de meditar sobre como
lido com o tempo nas minhas demandas. Geralmente não lido, simplesmente busco
atalhos que não vão me proporcionar o sabor de um bom pão fresco, rico em
sabor.
O tempo é um ingrediente que é geralmente
desprezado na cozinha de muita gente, é sentido mais como um entrave do que
como um aliado. O ato de observar o lento crescimento do pão e sentir o aroma
que vai se formando ao longo de 24h é algo prazeroso. Uma comparação fácil é
com uma viagem que você planeja com antecedência, é como se toda a preparação
já fosse o início do deleite da viagem, e esta em si é a apoteose de todo esse
processo.
Esse lidar com o tempo, usá-lo a meu favor, é algo que estou aprendendo para poder viver situações que tenham sido plenamente desenvolvidas e deixar de descartar precocemente aquilo que poderia ser muito positivo. É um processo lento, que requer TEMPO.