O pão nosso de cada dia


Eu gosto de pão. E gosto ainda mais de fazer pão. Tudo começou com uma receita de massa de pizza que minha mãe me ensinou há muito tempo. Minhas pizzas faziam sucesso na família, e eu comecei a mexer na receita. Substituí um pouco de trigo branco por uma parte do integral, substituí margarina por manteiga para evitar azia, e por aí vai. Um dia resolvi fazer um pão com a massa que sobrou e gostei bastante do resultado. Foi quando comecei a pesquisar sobre pães e a testar diferentes receitas. Até que um grande amigo me falou de fermentação natural, o lévain ou sourdough. Eu sequer podia imaginar que fosse possível fazer o seu próprio fermento. Aí se abriu um novo desafio para mim. Tentei diferentes receitas e não conseguia fazer um fermento que durasse mais de 4 dias. Até que neste mês eu consegui fazer e ele já está com 21 dias! Com ele, fiz pão umas 4 vezes, com resultados variáveis. Fazer o pão com tantas variáveis que podem dar errado tem me feito pesquisar e refletir sobre o tema.

O pão é o resultado da interação harmoniosa dos quatro elementos: o trigo que vem da terra, a água que vai ser o veículo de todas as reações químicas e biológicas que vão dar a consistência e o sabor, o fermento que vai gerar o ar dentro dessa estrutura que é maciça no início, e o fogo que vai transformar isso tudo no fim das contas.

São muitas as situações que percebo em minha vida que teria sido necessário “fermentar” um pouco mais

Além dos quatro elementos, há um quinto, que é essencial para fazer um pão e também para a maioria dos grandes acontecimentos de nossas vidas: o tempo. Sem usar o tempo como um ingrediente, o pão fica pesado e duro, ou mal assado, ou queimado. O uso de diferentes fermentos traz diferentes resultados principalmente ao sabor e requer diferentes durações do descanso da massa. Com o fermento industrial, o pão está pronto para ir ao forno após uma hora. Com o fermento natural, preciso pelo menos de 12 horas. Enquanto o pão feito com o fermento industrial apresenta um sabor quase neutro, bom para servir de suporte para os diferentes recheios, o pão com fermentação natural apresenta uma mistura dos sabores doce e ácido que o torna agradável de comer por si só.

Para trabalhar com algo que requer tempo, como a fermentação natural exige, é preciso planejamento. Não posso chegar em casa do trabalho e amassar um pão para assar ainda à noite e servir como lanche. Preciso amassar de um dia para o outro. Após umas três horas de amassado e sovado, se vou conferir, parece que não mudou nada, a impressão é de que esse fermento não vai funcionar. No entanto, no dia seguinte, pela manhã, constato um crescimento apreciável da massa, embora ainda não haja uma explosão de bolhas como o fermento industrial gera. Mas depois de 24h fermentando, encontro uma massa bem estruturada e leve, com um aroma todo próprio, e após assar, me delicio com um pão de sabores e texturas que eu não conhecia.

São muitas as situações que percebo em minha vida que teria sido necessário “fermentar” um pouco mais, e não atirado a massa fora achando que havia desandado. Fazer o pão tem me dado a chance de meditar sobre como lido com o tempo nas minhas demandas. Geralmente não lido, simplesmente busco atalhos que não vão me proporcionar o sabor de um bom pão fresco, rico em sabor. O tempo é um ingrediente que é geralmente desprezado na cozinha de muita gente, é sentido mais como um entrave do que como um aliado. O ato de observar o lento crescimento do pão e sentir o aroma que vai se formando ao longo de 24h é algo prazeroso. Uma comparação fácil é com uma viagem que você planeja com antecedência, é como se toda a preparação já fosse o início do deleite da viagem, e esta em si é a apoteose de todo esse processo.

Esse lidar com o tempo, usá-lo a meu favor, é algo que estou aprendendo para poder viver situações que tenham sido plenamente desenvolvidas e deixar de descartar precocemente aquilo que poderia ser muito positivo. É um processo lento, que requer TEMPO.