A Quaresma e você

Marcelo Guerra

O cristianismo reserva 40 dias do ano para a preparação para a Páscoa, e chama esse período de Quaresma. Estes 40 dias simbolizam os 40 dias que Cristo passou meditando e orando no deserto. É um período de recolhimento e antigamente de jejum e penitência. Hoje passa geralmente despercebido no nosso calendário. Porém, a quaresma pode ser um tempo de reflexão e de transformações na sua vida.

Nosso psiquismo encontra expressão pelo pensamento, pelo sentimento e pela vontade que gera ação. O equilíbrio entre o pensar, o sentir e o agir conduz a uma vida psiquicamente harmoniosa, onde a depressão e a ansiedade não encontram refúgio. Os três estão interligados e influenciam-se mutuamente. Quando modificamos nosso pensar, pela meditação, por exemplo, passamos a sentir de uma maneira diferente e percebemos a sutileza de nossos sentimentos. E nossas ações também sofrem alterações, com essa mudança que começou no pensar.

Quando tomamos mais consciência de nossos sentimentos, percebemos o quanto eles mexem com nossos pensamentos e nos fazem agir como escravos de emoções que nos tomam, e conseguimos ter maior controle sobre a reação que os sentimentos nos causam.

Dos três, o agir é geralmente o mais prejudicado nos nossos dias de excesso de informações e compromissos, em que a imagem que exibimos nas redes sociais é muito mais importante do que a essência daquilo que somos. O que mais fazemos é reagir a algo que nos é solicitado, e é com muita dificuldade que conseguimos colocar a força de nossa vontade numa ação voluntária.

Por isso, a oportunidade de exercer nossa vontade de forma voluntária por 40 dias pode trazer grandes (ou ainda que sejam pequenas) transformações  ao nosso pensar e ao nosso sentir. Dominar a própria vontade, através da renúncia a algo que lhe é caro é um exercício de fortalecimento da própria vontade.

Ano passado, minha filha de 15 anos abdicou de comer chocolate durante a quaresma, simplesmente como um treinamento da própria vontade. Foi impressionante como todos lhe ofereciam chocolates e ela recusava. Percebi depois disso como ela organizou-se de maneira disciplinada para estudar e como tem se dedicado às metas que ela mesma se propõe em relação ao seu desempenho na escola.

Esta mudança no agir pode levar à mudança de como percebemos nossos sentimentos e de como pensamos, e é um recurso que está ao alcance de qualquer um de nós, basta agir.

 

Você tem a mente aberta?

Marcelo Guerra

É comum ouvir as pessoas dizerem com orgulho que têm a mente aberta. Mas o que isso significa realmente? Ao entramos em contato com ideias ou situações novas geralmente somamos nossas próprias convicções, que funcionam como reflexo, checando tudo que nos é apresentado. Podemos fazer uma analogia com um grande quebra-cabeças, comparando as pecinhas (novas ideias e situações) com a foto na tampa da caixa do jogo (nossas ideias preconcebidas). E nos perguntarmos: Será que podemos ir além do que a tampa do quebra-cabeças nos mostra? O mundo se resume à tampa do quebra-cabeças? E se criarmos um novo quebra-cabeças, sem tampa, para nos orientar?
A imagem que o mundo exterior nos oferece muitas vezes pode confirmar nossas crenças, mas o que acontece quando estão em oposição ao que pensamos ou não têm qualquer relação com o que acreditamos? Mesmo sendo capazes de ouvir o outro, nossa tendência é rejeitar de imediato todos os movimentos de não-conformidade com nossa tampa de quebra-cabeças.
Para evitar este julgamento apressado, toda vez que estivermos diante de uma experiência nova, é importante nos mantermos presentes na situação, com os sentidos bem alertas, recebendo o que o mundo externo está apresentando. Evitando interpretações e inferências, tendo uma atitude receptiva – ou contemplativa – seremos capazes de perceber sentidos diferentes dos esperados na nossa tampa de quebra-cabeças.
Um exemplo banal sobre como isso acontece pode ser percebido quando vamos ao cinema. Se antes lemos uma crítica ou entrevista com o diretor explicando os motivos pelos quais realizou a obra, criamos uma determinada expectativa. Mas se resolvemos assistir meio às cegas, sem uma “preparação”, ficamos abertos para as revelações do filme sobre nossos sentidos. A segunda opção proporciona uma experiência mais completa.
Na verdade, após experimentar o que o mundo externo oferece, estando presente sem julgamentos, podemos promover o encontro das impressões dos sentidos com as ideias, com resultados enriquecedores.
Ter a mente aberta, portanto, não significa abdicar de convicções, mas estar presente nas situações novas que aparecem e só depois refletir sobre como elas agem sobre nós. Esta atitude permite um aprendizado muito além de colecionar informações, ajuda a construir um conhecimento a partir do mundo real, e é ainda mais importante na forma como nos relacionamos com as pessoas.
Numa conversa ou discussão, se tudo que ouvimos passa pelo filtro das convicções, não há espaço para o outro se revelar. E se além das convicções, este filtro vier preenchido com nossas qualidades e defeitos projetados no outro, não é possível percebê-lo como realmente é. Mente aberta não significa ausência de convicções formadas, mas saber reconhecer o outro como ser único, com suas próprias certezas. Só assim existe abertura para receber o que o outro traz e, talvez, formar um novo quebra-cabeças, com cores e formas não programadas.

Artigo publicado originalmente na Revista L’Aura.

Você sabe lidar com términos?

Marcelo Guerra

Muitas filosofias orientais falam da impermanência das coisas. Assim, aquilo que é de uma maneira hoje, não necessariamente será do mesmo jeito amanhã. Hoje você pode ter estabilidade financeira e amanhã pode se ver completamente sem dinheiro. É o caso dos moradores da região serrana do Rio de Janeiro, que depois do inacreditável temporal de mais de 6h de duração, perderam suas casas e os negócios foram seriamente afetados. Imagine a situação: você dorme tranqüilo, enquanto seus bens estão descendo montanha ou rio abaixo.

No entanto, não só os bens materiais são perecíveis. Os relacionamentos e os sentimentos também podem mudar ou até mesmo terminar. No início de um namoro é comum cada um fazer juras eternas, como se aquela relação nunca fosse acabar ou mudar. Depois de alguns anos, a convivência pode trazer dificuldades a este casal ou as mudanças pelas quais cada um passa podem levá-los a ver a vida de forma diferente, causando obstáculos intransponíveis. Afinal, aquelas promessas não fazem mais sentido, já que as pessoas passaram por transformações e não são mais as mesmas.

 

A precariedade daquilo que temos como certo é chamada insegurança. E saber conviver com isso é uma arte. Acredito que há forças atuantes em todo o universo que conduzem muitos dos acontecimentos, nos permitindo novas escolhas a cada momento de nossas vidas. O medo nos força a evitar a insegurança através do controle, mas é impossível ter o controle de todas as situações. O controle exagerado leva inevitavelmente à frustração.

 

O que temos de permanente é nossa essência, muitas vezes encoberta por sombras e por preocupações materiais, mas é aquilo que somos e aparece pelos nossos propósitos maiores na vida. Por isso, as filosofias orientais, mencionadas no início deste artigo, apresentam um único remédio para a impermanência das coisas: o desapego. Para abrirmos mão do controle, é preciso ter confiança de que as forças do universo guiarão nossos destinos. Pode nem ser como esperamos, mas sempre ocorrerá o melhor possível, rumo ao nosso desenvolvimento.

 

Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, em um texto muito popular entre os estudiosos desta filosofia, que fala como o futuro pode ser aguardado com serenidade, pela confiança nessas forças que direcionam o universo. Assim, a certeza e a coragem devem andar de mãos dadas, uma conduzindo a outra, para que sejamos pessoas seguras, por mais precárias que sejam as certezas.

 

“Temos de erradicar da alma todo o medo e o terror do que o futuro possa trazer ao homem.

Temos de adquirir serenidade em todos os sentimentos e sensações a respeito do futuro.

Temos que olhar para a frente com absoluta equanimidade, para com tudo o que possa vir, e temos que pensar, somente, que tudo o que vier nos será dado por uma direção mundial plena de sabedoria.

Isto é a parte do que temos de aprender nesta era, a saber: viver com pura confiança, sem qualquer segurança na existência; confiança na ajuda sempre presente do mundo espiritual.

Em verdade, nada terá valor se a coragem nos faltar. Disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior todas as manhãs e todas as noites”. Rudolf Steiner.

Artigo originalmente na Revista Personare.

Héracles ou Hércules: quem foi?

hercules_and_the_hydra

Hércules foi o único homem a quem se concedeu imortalidade entre os deuses. Sua trajetória representa os conflitos da alma humana: venceu monstros e lutou com a morte para salvar um amigo, mas também era vítima da luxúria e da cobiça, e então estuprava mulheres, destruía cidades e, tomado pela loucura, matou os próprios filhos.

Hércules era o filho bastardo de Zeus e Alcmena, que era descendente de Perseu e era casada com Anfitrião. Zeus havia avisado que o próximo rei de Micenas seria o primeiro descendente de Perseu que nascesse. Anfitrião foi para a guerra e Zeus visitou Alcmena na forma de seu marido um dia antes de ele retornar. Zeus triplicou a duração desta noite para estender seu prazer com Alcmena. Quando Anfitrião voltou, ficou desapontado com a falta de ardor sexual da esposa, enquanto ela ficou surpresa com o aparente esquecimento do marido em relação à noite anterior. Eles acabaram sabendo a verdade por meio de um profeta cego chamado Tirésias.

Alcmena teve filhos gêmeos: Hércules, filho de Zeus, e Íficles, filho de Anfitrião. Hera, esposa e irmã de Zeus, soube da traição do marido em todos os seus detalhes e tratou de apressar o parto de um outro descendente de Perseu, para que fosse o rei de Micenas, nascendo alguns minutos antes o primo de Hércules, Euristeu. Por saber do logro de Zeus sobre Alcmena, Hera despejou todo seu ciúme e sua ira sobre Hércules, e o perseguiu durante toda sua vida, implacavelmente, ocasionando muitos de seus feitos heroicos, incluindo os Doze Trabalhos. Hércules também era chamado de “A Glória de Hera”.

Quando tinha 6 meses, Hera mandou duas cobras monstruosas para o berço (um escudo, na verdade) onde Hércules dormia, junto com seu irmão Íficles, e ele estrangulou-as.

Durante sua vida envolveu-se em diversos combates. Ele era um escravo de suas paixões: bebia, comia muito e era lascivo. Conta-se que uma vez deitou-se com as cinquenta filhas do rei Téspio numa só noite.

Numa de suas investidas, Hera fez Hércules ter um acesso de loucura, durante o qual ele matou a esposa e os filhos. Depois, ao recobrar a consciência, arrependido, procurou o Oráculo de Delfos, que determinou que, como penitência, ele deveria servir seu primo Euristeu, rei de Micenas (de quem ele tinha inveja), por doze anos. Euristeu impôs doze tarefas extenuantes a seu criado, que se compõem nos Doze Trabalhos.