É comum ouvir as pessoas dizerem com orgulho que têm a mente aberta. Mas o que isso significa realmente? Ao entramos em contato com ideias ou situações novas geralmente somamos nossas próprias convicções, que funcionam como reflexo, checando tudo que nos é apresentado. Podemos fazer uma analogia com um grande quebra-cabeças, comparando as pecinhas (novas ideias e situações) com a foto na tampa da caixa do jogo (nossas ideias preconcebidas). E nos perguntarmos: Será que podemos ir além do que a tampa do quebra-cabeças nos mostra? O mundo se resume à tampa do quebra-cabeças? E se criarmos um novo quebra-cabeças, sem tampa, para nos orientar?
A imagem que o mundo exterior nos oferece muitas vezes pode confirmar nossas crenças, mas o que acontece quando estão em oposição ao que pensamos ou não têm qualquer relação com o que acreditamos? Mesmo sendo capazes de ouvir o outro, nossa tendência é rejeitar de imediato todos os movimentos de não-conformidade com nossa tampa de quebra-cabeças.
Para evitar este julgamento apressado, toda vez que estivermos diante de uma experiência nova, é importante nos mantermos presentes na situação, com os sentidos bem alertas, recebendo o que o mundo externo está apresentando. Evitando interpretações e inferências, tendo uma atitude receptiva – ou contemplativa – seremos capazes de perceber sentidos diferentes dos esperados na nossa tampa de quebra-cabeças.
Um exemplo banal sobre como isso acontece pode ser percebido quando vamos ao cinema. Se antes lemos uma crítica ou entrevista com o diretor explicando os motivos pelos quais realizou a obra, criamos uma determinada expectativa. Mas se resolvemos assistir meio às cegas, sem uma “preparação”, ficamos abertos para as revelações do filme sobre nossos sentidos. A segunda opção proporciona uma experiência mais completa.
Na verdade, após experimentar o que o mundo externo oferece, estando presente sem julgamentos, podemos promover o encontro das impressões dos sentidos com as ideias, com resultados enriquecedores.
Ter a mente aberta, portanto, não significa abdicar de convicções, mas estar presente nas situações novas que aparecem e só depois refletir sobre como elas agem sobre nós. Esta atitude permite um aprendizado muito além de colecionar informações, ajuda a construir um conhecimento a partir do mundo real, e é ainda mais importante na forma como nos relacionamos com as pessoas.
Numa conversa ou discussão, se tudo que ouvimos passa pelo filtro das convicções, não há espaço para o outro se revelar. E se além das convicções, este filtro vier preenchido com nossas qualidades e defeitos projetados no outro, não é possível percebê-lo como realmente é. Mente aberta não significa ausência de convicções formadas, mas saber reconhecer o outro como ser único, com suas próprias certezas. Só assim existe abertura para receber o que o outro traz e, talvez, formar um novo quebra-cabeças, com cores e formas não programadas.
Artigo publicado originalmente na Revista L’Aura.